O Natal de Cristo
Verbe incréé, source féconde De justice et de liberté! Parole qui guéris le monde, Rayon vivant de vérité!
Delamartine, Harm.
I.
O César disse do alto do seu trono: 'Pereça a liberdade! Quero contar os homens que há na terra, Que é a minha humanidade.' E, cabeça a cabeça, como reses, As gentes são contadas. Pro-cônsules e reis fazem resenha Das escravas manadas, Para mandar a seu senhor de todos Que, um pé na Águia romana, Com o outro oprime o mundo. A isto chegará A vil progénie humana.
II.
E era noite em Belém, cidade ilustre Da vencida Judeia Que a domada cabeça já não cinge Com a palma idumeia: Dois aflitos e pobres peregrinos Cansados vêm chegando Aos tristes muros, a cumprir do César O imperioso bando... Tarde chegaram; já não há poisadas. Que importa que eles venham Da estirpe de Jessé, e o sangue régio Em suas veias tenham? Na geral servidão só uma avulta Distinção - a riqueza; Na corrupção geral só uma avilta Degradação - pobreza. Os filhos de David foram coitar-se No presepe entre o gado, E dos animais brutos receberam Amparo e gasalhado.
III.
E ali nasceu Jesus... ali a eterna, Imensa Magestade Apareceu no mundo - ali começa A nova liberdade. Cantam-na os anjos que no céu pregoam Glória a Deus nas alturas, E paz na terra aos homens! - Paz e glória, Promessas tão seguras Do céu à terra nesta noite santa, O que é feito de vós? Jesus, filho de Deus, que ali vieste Humanar-te por nós, Tu que mandaste os coros dos teus anjos Aos humildes pastores Que dormiam na serra - ao pobre, ao povo, Primeiro que aos senhores, Que aos sábios e que aos reis, te revelaste - Oh! que é delas, senhor, Que é das tuas promessas? Resgatados, Divino Salvador, Do antigo cativeiro não seriam Os homens que fizeste Livres c'o sopro teu, quando os criaste, Livres quando nasceste, Livres pelo Evangelho de verdade Que em tua lei lhes deste, Livres enfim, pelo teu sangue puro Que por eles verteste Do alto da Cruz, no Gólgota de infmia Em que por nós morreste?
IV.
Vê, ó filho de Deus! quase passados Dois milénios já são Que, esta noite, em Belém principiava Tua longa paixão: E o édito do César inda impera No mundo avassalado. Os Césares, seu trono - e quantos tronos! Têm caído prostrados... Embalde! - as leis iníquas, que destroem A santa liberdade Que nesta pia noite anunciaste à opressa humanidade, Essas estão em pé. Será que o pacto, Será que o testamento Celebradoi na Cruz tu quebrarias, Senhor, no eterno assento?...
V.
Não, meu Deus, não: eterna é a Palavra, Eterno é o Verbo teu Que, antes do ser dos séculos, nos deste, Que o mundo recebeu Nesta noite solene e sacrossanta. Nós, nós é que o quebrámos, Nós, sim, o novo pacto e juramento Sacrílegos violámos; Esaús do Evangelho, nós vendemos, Com torpe necedade, Por apetites sórdidos, a herança Da glória e liberdade. Por isso os reis da terra inda nos contam Escravos, às manadas; Por isso, em vão, do jugo sacudimos As cervizes chagadas. Porque não temos fé, não temos crença, E a Cruz abandonamos, Donde somente está, só vem, só fulge A luz que procuramos. E os vãos sabedores, esses magos Que a vaidade cegou, Não olham para o céu, não vêem a estrela Que hoje em Belém raiou.
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Almeida Garrett, Flores sem Fruto
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