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Lacrimae Rerum
Noite, irmã da Razão e irmã da Morte, Quantas vezes tenho eu interrogado Teu verbo, teu oráculo sagrado, Confidente e intérprete da Sorte!
Aonde são teus sóis, como coorte De almas inquietas, que conduz o Fado? E o homem porque vaga desolado E em vão busca a certeza que o conforte?
Mas, na pompa de imenso funeral, Muda, a noite, sinistra e triunfal, Passa volvendo as horas vagarosas...
É tudo, em torno a mim, dúvida e luto; E, perdido num sonho imenso, escuto O suspiro das coisas tenebrosas...
Antero de Quental | |
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Nocturo
Antero de Quental
Espírito que passas, quando o vento Adormece no mar e surge a Lua, Filho esquivo da noite que flutua, Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo – triste e lento – Que voga e subtilmente se insinua, Sobre o meu coração, que tumultua, Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em que me leva Um instinto de luz, rompendo a treva, Buscando, entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome, A febre de Ideal, que me consome, Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
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APARIçãO
Antero de Quental
Um dia, meu amor, (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
as ternas juras que te fiz a medo.
Então, da casta alcova no segredo,
da lamparina ao trêmulo clarão,
ante ti surgirei, espectro vão,
larva fugida ao sepulcral degredo...
E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
e aflitos ais, estenderás os braços
tentando segurar-te aos meus vestidos...
- "Ouve! espera!" - Mas eu, sem te escutar,
fugirei, como um sonho, aos teus abraços
e como fumo sumir-me-ei no ar!
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PEPA
Antero de Quental
Dá-me pois olhos e lábios; Dá-me os seios, dá-me os braços; Dá-me a garganta de lírio; Dá-me beijos, dá-me abraços!
Empresta-me a voz ingênua Para eu com ela orar A oração de meus cantos De teu seio no altar!
Empresta-me os pés, gazela, Para que eu possa correr O vasto mundo que se abre Num teu rir, num teu dizer!
Empresta-me a tua inocência, Para eu ir ao céu voar... Mas acende cá teus olhos Para que eu possa voltar!
Por Deus to peço, senhora, Que tu mo queiras fazer; Dá-me os cílios de teus olhos Para eu adormecer;
Porque, enquanto os tens abertos, Sempre para aqui a olhar, Não posso fechar os meus, E sempre estou a acordar!
Pela Santa-Virgem peço Que tu me queiras sorrir; Porque eu tenho um lírio douro Há três anos por abrir,
E, se lhe deres um riso, Há-de cuidar que e a aurora... E talvez que o lírio se abra, Talvez que se abra nessa hora!
Por Alá, minha palmeira! Quando ao sol me for deitar, Faze sombra do meu lado... Por que eu quero-te abraçar!
Damor te requeiro, ondina, Quando te fores a erguer, Ver-te no espelho das fontes... Porque eu quero-te beber!
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DESESPERANçA
Antero de Quental
Vai-te na asa negra da desgraça,
pensamento de amor, sombra duma hora,
que abracei com delírio, vai-te embora,
como nuvem que o vento impele... e passa
Que arrojemos de nós quem mais se abraça,
com mais nsia, à nossa alma! e quem devora
cessa alma o sangue, com que mais vigora,
como amigo comungue à mesma taça!
Que seja sonho apenas a esperança,
enquanto a dor eternamente assiste,
e só engane nunca a desventura!
Se em silêncio sofrer fora vingança!.
Envolve-te em ti mesma, ó alma triste,
talvez sem esperança haja ventura!
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IDEAL
Antero de Quental
Aquela que eu adoro não é feita
de lírios nem de rosas purpurinas,
não tem as formas lnguidas, divinas,
da antiga Vênus de cintura estreita.
Não é a Circe, cuja mão suspeita
compõe filtros mortais entre ruínas,
nem a Amazona, que se agarra às crinas
dum corcel e combate satisfeita.
A mim mesmo pergunto, e não atino
com o nome que dê a essa visão
que ora amostra ora esconde o meu destino.
É como uma miragem que entrevejo
Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo...
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Intimidade
Quando, sorrindo, vais passando, e toda Essa gente te mira cobiçosa, És bela - e se te não comparo à rosa, É que a rosa, bem vês, passou de moda...
Anda-me às vezes a cabeça a roda, Atrás de ti também, flor caprichosa! Nem pode haver, na multidão ruidosa, Coisa mais linda, mais absurda e doida.
Mas é na intimidade e no segredo, Quando tu coras e sorris a medo, Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!
E não te quero nunca tanto (ouve isto) Como quando por ti, por mim, por Cristo, Juras - mentindo - que me tens amor...
( Antero de Quental )
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NOTURNO
Antero de Quental
Espírito que passas, quando o vento Adormece no mar e surge a Lua, Filho esquivo da noite que flutua, Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo - triste e lento- Que voga e sutilmente se insinua, Sobre o meu coração que tumultua, Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em que me leva Um instinto de luz, rompendo a treva, Buscando. entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome, A febre de Ideal, que me consome, Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém!
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OCEANO NOX
Antero de Quental
Junto do mar, que erguia gravemente A trágica voz rouca, enquanto o vento Passava como o vôo do pensamento Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me tristemente, Olhando o céu pesado e nevoento, E interroguei, cismando, esse lamento Que saía das coisas, vagamente...
Que inquieto desejo vos tortura, Seres elementares, força obscura? Em volta de que idéia gravitais? Mas na imensa extensão, onde se esconde O Inconsciente imortal, só me responde Um bramido, um queixume, e nada mais...
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NA MãO DE DEUS
Antero de Quental
Na mão de Deus, na sua mão direita, Descansou afinal meu coração. Do palácio encantado da Ilusão Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita A ignorncia infantil, despôjo vão, Depus do Ideal e da Paixão A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada, Que a mãe leva ao colo agasalhada E atravessa, sorrindo vagamente, Selvas, mares, areias do deserto... Dorme o teu sono, coração liberto, Dorme na mão de Deus eternamente!
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A um Poeta
(surge et ambula)
Tu que dormes, espírito sereno, Posto à sombra dos cedros seculares, Como um levita à sombra dos altares, Longe da luta e do fragor terreno.
Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno Afugentou as larvas tumulares... Para surgir do seio desses mares Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! É a grande voz das multidões! São teus irmãos, que se erguem! São canções... Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado do Futuro, E dos raios de luz do sonho puro, Sonhador, faze espada de combate!
Antero de Quental | |
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O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante. Por desertos, por sóis, por noite escura, Paladino do amor, busco anelante O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante, Quebrada a espada já, rota a armadura... E eis que súbito o avisto, fulgurante Na sua pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato à porta e brado: Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas douro com fragor... Mas dentro encontro só, cheio de dor, Silêncio e escuridão - e nada mais!
Antero de Quental | | |
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Consulta
Chamei em volta do meu frio leito As memórias melhores de outra idade, Formas vagas, que às noites, com piedade, Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito...
E disse-lhes: No mundo imenso e estreito Valia a pena, acaso, em ansiedade Ter nascido? Dizei-mo com verdade, Pobres memórias que eu ao seio estreito.
Mas elas perturbaram-se - coitadas! E empalideceram, contristadas, Ainda a mais feliz, a mais serena...
E cada uma delas, lentamente, Com um sorriso mórbido, pungente, Me respondeu: - Não, não valia a pena!
Antero de Quental | | |
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A Germano Meireles
Só males são reais, só dor existe: Prazeres só os gera a fantasia; Em nada[, um] imaginar, o bem consiste, Anda o mal em cada hora e instante e dia.
Se buscamos o que é, o que devia Por natureza ser não nos assiste; Se fiamos num bem, que a mente cria, Que outro remédio há [aí] senão ser triste?
Oh! Quem tanto pudera que passasse A vida em sonhos só. E nada vira... Mas, no que se não vê, labor perdido!
Quem fora tão ditoso que olvidasse... Mas nem seu mal com ele então dormira, Que sempre o mal pior é ter nascido!
Antero de Quental | | |
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O Convertido
Entre os filhos dum século maldito Tomei também lugar na ímpia mesa, Onde, sob o folgar, geme a tristeza Duma nsia impotente de infinito.
Como os outros, cuspi no altar avito Um rir feito de fel e de impureza... Mas um dia abalou-se-me a firmeza, Deu-me um rebate o coração contrito!
Erma, cheia de tédio e de quebranto, Rompendo os diques ao represo pranto, Virou-se para Deus minha alma triste!
Amortalhei na Fé o pensamento, E achei a paz na inércia e esquecimento... Só me falta saber se Deus existe!
Antero de Quental | | | | | |
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MARIA
Antero de Quental
Tenho cantado esperanças... Tenho falado damores... Das saudades e dos sonhos Com que embalo as minhas dores...
Entre os ventos suspirando Vagas, tênues harmonias, Tendes visto como correm Minhas doidas fantasias.
E eu cuidei que era poesia Todo esse louco sonhar... Cuidei saber o que e vida Só porque sei delirar...
Só porque a noite, dormindo Ao seio duma visão, Encontrava algum alivio, Meu dorido coração,
Cuidei ser amor aquilo E ser aquilo viver... Oh! que sonhos que se abraçam Quando se quer esquecer !
Eram fantasmas que a noite Trouxe, e o dia já levou... A luz d?estranha alvorada Hoje minha alma acordou !
Esquecei aqueles cantos... Só agora sei falar ! Perdoa-me esses delírios... Só agora soube amar !
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MORS — AMOR
Antero de Quental
Esse negro corcel, cujas passadas Escuto em sonhos, quando a sombra desce, E, passando a galope, me aparece Da noite nas fantásticas estradas,
Donde vem ele? Que regiões sagradas E terríveis cruzou, que assim parece Tenebroso e sublime, e lhe estremece Não sei que horror nas crinas agitadas?
Um cavaleiro de expressão potente, Formidável, mas plácido, no porte, Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor: E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!" Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"
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PRIMEIROS CONSELHOS DO OUTONO
Antero de Quental
Ouve tu, meu cansado coração, O que te diz a voz da Natureza: - Mais te valera, nu e sem defesa, Ter nascido em asperrima solidão,
Ter gemido, ainda infante, sobre o chão Frio e cruel da mais cruel devesa, Do que embalar-te a Fada da Beleza, Como embalou, no berço da ilusão!
Mais valera a tua alma visionaria, Silenciosa e triste ter passado Por entre o mundo hostil e a turba varia,
(Sem ver uma só flor das mil, que amaste,) Com ódio e raiva e dor - que ter sonhado Os sonhos ideais que tu sonhaste! -
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