Reply |
Message 1 of 3 on the subject |
|
|
|
First
Previous
2 to 3 of 3
Next
Last
|
Reply |
Message 2 of 3 on the subject |
|
Creio
Gilherme Almeida
Para que ninguém me julgue, como eu me julgo, um cético... do grego "skeptikós", que significava aquele que costuma examinar e refletir, e que, paradoxalmente, passou a significar aquele que de tudo duvida... resolvi revelar o meu "Credo" íntimo, que é o seguinte:
Creio em mim mesmo, só pelo gosto de contrariar um pouco os meus credores;
Creio no meu sense of humour, sem o qual eu jamais seria capaz de me ver de cuecas ao espelho e, principalmente, de votar em eleições;
Creio nos meus inimigos íntimos, fatores máximos de minha popularidade; e nos meus amigos figadais, fatores mínimos das minhas indiscrições;
Creio na imortalidade (apesar da tenaz negativa sustentada pelas Academias) da alma;
Creio no meu coração de ouro, o qual, entretanto, nunca conseguiu uma avaliação decente no guichê do Monte Socorro;
Creio no meu bom e fiel uísque escocês, que justifica, até certo ponto, a existência do meu fígado, do meu médico e do meu fornecedor;
Creio no Bem e no Mal, na Verdade e na Mentira, no Belo e no Feio, no Triste e no Alegre, enfim, em todos os antônimos, porque acredito no meu alfaiate e no direito e avesso das lãs que ele corta e cose;
Creio nos meus sonhos, que já têm feito muita gente boa acertar no "bicho" e nem sequer me dizer "Muito Obrigado!";
Creio na minha perfeita insensatez, que os homens sensatos tentam em vão arremedar;
Creio no meu indiscutível bom-gosto: única virtude que reconhecem em mim algumas mulheres que admiro;
E creio, afinal, inabalavelmente creio neste meu incrível cinismo de acreditar ainda em alguma coisa neste mundo destes tempos entre estes homens.
29.11.1960
| | | | | | | | | | | | | |
|
|

|
Velhice
Uma folha morta.
Um galho, um céu grisalho.
Fecho a minha porta!
(Guilherme de Almeida) | | | | | |
|
|

Guilherme de Almeida
Flor do asfalto
Flor do asfalto, encantada flor de seda, sugestão de um crepúsculo de outono, de uma folha que cai, tonta de sono, riscando a solidão de uma alameda...
Trazes nos olhos a melancolia das longas perspectivas paralelas, das avenidas outonais, daquelas ruas cheias de folhas amarelas sob um silêncio de tapeçaria...
Em tua voz nervosa tumultua essa voz de folhagens desbotadas, quando choram ao longo das calçadas, simétricas, iguais e abandonadas, as árvores tristíssimas da rua!
Flor da cidade, em teu perfume existe Qualquer coisa que lembra folhas mortas, sombras de pôr de sol, árvores tortas, pela rua calada em que recortas tua silhueta extravagante e triste...
Flor de volúpia, flor de mocidade, teu vulto, penetrante como um gume, passa e, passando, como que resume no olhar, na voz, no gesto e no perfume, a vida singular desta cidade!
| | |
|
|
Simplicidade... Simplicidade... ser como as rosas, o céu sem fim, a árvore, o rio... pôr que não há de ser toda gente assim?
Ser como as rosas: bocas vermelhas que não disseram nunca a ninguém que tem perfumes... Mas as abelhas e os homens sabem o que elas tem!
Ser como o espaço que é azul de longe de perto é nada... Mas quem o vê -árvores, aves, olhos de monge...- busca-o sem mesmo saber por que.
Ser como o rio cheio de graça que move o moinho, dá vida ao lar fecunda as terras... E, rindo, passa, despretensiosos, sempre a cantar.
ou ser como a árvore: aos lavradores dá lenha e fruto, dá sombra e paz dá ninho as aves: ao inseto, flores... mas nada sabe do bem que faz.
Felicidade - sonho sombrio! Feliz é o simples que sabe ser como o ar, as rosas, a árvore, o rio: simples, mas simples sem o saber!
( Guilherme de Almeida )
Simplicidade, felicidade
| | | | | | | | | | | | |
|
|

Guilherme de Almeida
Maxixe
O chocalho dos sapos coaxa como um caracaxá rachado. Tudo mexe. Um vento frouxo enlaga uma nuvem baixa fofa. E desce com ela, desce. E não a deixa e puxa-a como uma faixa e espicha-se e enrolam-se. E o feixe rola e rebola como uma bola na luz roxa da tarde oca
boba
chocha.
| | | |
|
|
Guilherme de Almeida
|
|
Harmonia Velha
O teu beijo resume Todas as sensações dos meus sentidos A cor, o gosto, o tato, a música, o perfume Dos teus lábios acesos e estendidos Fazem a escala ardente com que acordas o fauno encantador Que, na lira sensual de cinco cordas, Tange a canção do amor!
E o tato mais vibrante, O sabor mais sutil, a cor mais louca, O perfume mais doido, o som mais provocante Moram na flor triunfal da tua boca! Flor que se olha, e ouve, e toca, e prova, e aspira; Flor de alma, que é também Um acorde em minha lira, Que é meu mal e é meu bem...
Se uma emoção estranha o gosto de uma fruta, a luz de um poente - chega a mim, não sei de onde, e bruscamente ganha qualquer sentido meu, é a ti somente que ouço, ou aspiro, ou provo, ou toco, ou vejo... E acabo de pensar Que qualquer emoção vem de teu beijo Que anda disperso no ar...
| | |
|
|
Reply |
Message 3 of 3 on the subject |
|
O NOSSO NINHO
O nosso ninho, a nossa casa, aquela nossa despretensiosa água-furtada, tinha sempre gernios na sacada e cortinas de tule na janela.
Dentro, rendas, cristais, flores... Em cada canto, a mão da mulher amada e bela punha um riso de graça. Tagarela, teu cenário cantava à minha entrada.
Cantava... E eu te entrevia, à luz incerta, braços cruzados, muito branca, ao fundo, no quadro claro da janela aberta.
Vias-me. E então, num súbito tremor, fechavas a janela para o mundo e me abrias os braços para o amor!
Guilherme de Almeida
| | | | | |
|
|
FICO
Fico - deixas-me velho. Moça e bela, partes. Estes gernios encarnados, que na janela vivem debruçados, vão morrer debruçados na janela.
E o piano, o teu canário tagarela, a lmpada, o divã, os cortinados: - "Que é feito dela?" - indagarão - coitados! E os amigos dirão: - "Que é feito dela?"
Parte! E se, olhando atrás, da extrema curva da estrada, vires, esbatida e turva, tremer a alvura dos cabelos meus;
irás pensando, pelo teu caminho, que essa pobre cabeça de velhinho é um lenço branco que te diz adeus!
Guilherme de Almeida
|
|
|
|
|
| | |
|
|
::

Guilherme de Almeida
Prece a Anchieta
Santo: erguesses a cruz na selva escura; Herói: plantasses nossa velha aldeia; Mestre: ensinasses a doutrina pura; Poeta: escrevesses versos sobre a areia!
Golpeia a cruz a foice inculta e dura; Invade a vila multidão alheia; Morre a voz santa entre a distncia e a altura; Apaga o poema a onda espumejante e cheia...
Santo, herói, mestre e poeta: — Pela glória que destes a esta Terra e a sua História, Pela dor que sofremos sempre nós.
Pelo bem que quisesses a este povo, O novo Cristo deste Mundo Novo, Padre José de Anchieta, orai por nós!
| | | | |
|
|
|
|