|
|
Ida
Olavo Bilac
Para a porta do céu, pálida e bela, Ida as asas levanta e as nuvens corta. Correm os anjos: e a criança morta Foge dos anjos namorados dela.
Longe do amor materno o céu que importa? O pranto os olhos límpidos lhe estrela... Sob as rosas de neve da capela, Ida soluça, vendo abrir-se a porta.
Quem lhe dera outra vez o escuro canto Da escura terra, onde, a sangrar, sozinho, Um coração de mãe desfaz-se em pranto!
Cerra-se a porta: os anjos todos voam... Como fica distante aquele ninho, Que as mães adoram... mas amaldiçoam!
| | | | | | |
|
|
Noite de inverno
Olavo Bilac
Sonho que estás à porta... Estás – abro-te os braços! – quase morta, Quase morta de amor e de ansiedade... De onde ouviste o meu grito, que voava, E sobre as asas trêmulas levava As preces da saudade?
Corro à porta... ninguém! Silêncio e treva. Hirta, na sombra, a Solidão eleva Os longos braços rígidos, de gelo... E há pelo corredor ermo e comprido O suave rumor de teu vestido, E o perfume subtil de teu cabelo.
Ah! se agora chegasses! Se eu sentisse bater em minhas faces A luz celeste que teus olhos banha; Se este quarto se enchesse de repente Da melodia, e do clarão ardente Que os passos te acompanha:
Beijos, presos no cárcere da boca, Sofreando a custo toda a sede louca, Toda a sede infinita que os devora, - Beijos de fogo, palpitando, cheios De gritos, de gemidos e de anseios, Transbordariam por teu corpo afora!...
Rio aceso, banhando Teu corpo, cada beijo, rutilando, Se apressaria, acachoado e grosso: E, cascateando, em pérolas desfeito, Subiria a colina de teu peito, Lambendo-te o pescoço...
Estrela humana que do céu desceste! Desterrada do céu, a luz perdeste Dos fulvos raios, amplos e serenos; E na pele morena e perfumada Guardaste apenas essa cor dourada Que é a mesma cor de Sírius e de Vênus.
Sob a chuva de fogo De meus beijos, amor! terias logo Todo o esplendor do brilho primitivo; E, eternamente presa entre meus braços, Bela, protegerias os meus passos, -Astro formoso e vivo!
Mas... talvez te ofendesse o meu desejo... E, ao teu contacto gélido, meu beijo Fosse cair por terra, desprezado... Embora! que eu ao menos te olharia, E, presa do respeito, ficaria Silencioso e imóvel a teu lado.
Fitando o olhar ansioso No teu, lendo esse livro misterioso, Eu descortinaria a minha sorte... Até que ouvisse, desse olhar ao fundo, Soar, num dobre lúgubre e profundo, A hora da minha morte!
Longe embora de mim teu pensamento, Ouvirias aqui, louco e violento, Bater meu coração em cada canto; E ouvirias, como uma melopéia, Longe embora de mim a tua idéia, A música abafada de meu pranto.
Dormirias, querida... E eu, guardando-te, bela e adormecida, Orgulhoso e feliz com o meu tesouro, Tiraria os meus versos do abandono, E eles embalariam o teu sono, Como uma rede de ouro.
Mas não vens! não virás! Silêncio e treva... Hirta, na sombra, a Solidão eleva Os longos braços rígidos de gelo; E há, pelo corredor ermo e comprido, O suave rumor de teu vestido E o perfume subtil de teu cabelo...
| | | | | | | | |
|
|
Primer
Anterior
2 a 9 de 9
Siguiente
Último
|
|
De: FOFUCHA |
Enviado: 04/12/2009 19:29 |
|
Noturno
Já toda a terra adormece. Sai um soluço da flor. Rompe de tudo um rumor, Leve como o de uma prece.
A tarde cai. Misterioso, Geme entre os ramos o vento. E há por todo o firmamento Um anseio doloroso.
Áureo turíbulo imenso, O ocaso em púrpuras arde, E para a oração da tarde Desfaz-se em rolos de incenso.
Moribundos e suaves, O vento na asa conduz O último raio da luz E o último canto das aves.
E Deus, na altura infinita, Abre a mão profunda e calma, Em cuja profunda palma Todo o Universo palpita.
Mas um barulho se eleva... E , no páramo celeste, A horda dos astros investe Contra a muralha da treva.
As estrelas, salmodiando O Peã sacro, a voar, Enchem de cnticos o ar... E vão passando... passando...
Agora, maior tristeza, Silêncio agora mais fundo; Dorme, num sono profundo, Sem sonhos, a natureza.
A flor-da-noite abre o cálix... E, soltos, os pirilampos Cobrem a face dos campos, Enchem o seio dos vales:
Trêfegos e alvoroçados, Saltam, fantásticos Djins, De entre as moitas de jasmins, De entre os rosais perfumados.
Um deles pela janela Entre no teu aposento, E pára, plácido e atento, Vendo-te, pálida e bela.
Chega ao teu cabelo fino, Mete-se nele: e fulgura, E arde nessa noite escura, Como um astro pequenino.
E fica. Os outros lá fora Deliram. Dormes... Feliz, Não ouves o que ele diz, Não ouves como ele chora...
Diz ele: "O poeta encerra Uma noite, em si, mais triste Que essa que, quando dormiste, Velava a face da terra...
Os outros saem do meio Das moitas cheias de flores: Mas eu saí de entre as dores Que ele tem dentro do seio.
Os outros a toda parte Levam o vivo clarão, E eu vim do seu coração Só para ver-te e beijar-te.
Mandou-me sua alma louca, Que a dor da ausência consome, Saber se em sonho o seu nome Brilha agora em tua boca!
Mandou-me ficar suspenso Sobre o teu peito deserto, Por contemplar de mais perto Todo esse deserto imenso!"
Isso diz o pirilampo... Anda lá fora um rumor De asas rufladas... A flor Desperta, desperta o campo...
Todos os outros, prevendo Que vinha o dia, partiram, Todos os outros fugiram... Só ele fica gemendo.
Fica, ansioso e sozinho, Sobre o teu sono pairando... E apenas, a luz fechando, Volve de novo ao seu ninho,
Quando vê, inda não farto De te ver e de te amar, Que o sol descerras do olhar, E o dia nasce em teu quarto...
Olavo Bilac
| | | | | |
|
|
Incontentado
Paixão sem grita, amor sem agonia, Que não oprime nem magoa o peito, Que nada mais do que possui queria, E com tão pouco vive satisfeito...
Amor, que os exageros repudia, Misturado de estima e de respeito, E, tirando das mágoas alegria, Fica farto, ficando sem proveito...
Viva sempre a paixão que me consome, Sem uma queixa, sem um só lamento! Arda sempre este amor que desanimas!
Eu, eu tenha sempre, ao murmurar teu nome, O coração, malgrado o sofrimento, Como um rosal desabrochado em rimas.
| |
|
|
Olavo Bilac
Deixa o olhar do mundo
Deixa que o olhar do mundo enfim devasse Teu grande amor que é teu maior segredo! Que terias perdido, se, mais cedo, Todo o afeto que sentes se mostrasse?
Basta de enganos! Mostra-me sem medo Aos homens, afrontando-os face a face: Quero que os homens todos, quando eu passe, Invejosos, apontem-me com o dedo.
Olha: não posso mais! Ando tão cheio Deste amor, que minhalma se consome De te exaltar aos olhos do universo...
Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio: E, fatigado de calar teu nome, Quase o revelo no final de um verso.
| |
|
|
Virgens mortas
( Olavo Bilac )
Quando uma virgem morre, uma estrela aparece, Nova, no velo engaste azul do firmamento: E a alma da que morreu, de momento em momento, Na luz da que nasceu palpita e resplandece.
Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento Do campo, conversais a sós, quando anoitece, Cuidado! – o que dizeis, como um rumor de prece, Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...
Namorados, que andais, com a boca transbordando De beijos, perturbando o campo sossegado E o casto coração das flores inflamando, - Piedade! elas vêem tudo entre as moitas escuras... Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado Das que viveram sós, das que morreram puras!
| | | | |
|
|
|
De: FOFUCHA |
Enviado: 04/12/2009 19:32 |
Olavo Bilac
A avó
A avó, que tem oitenta anos, Está tão fraca e velhinha! . . . Teve tantos desenganos! Ficou branquinha, branquinha, Com os desgostos humanos.
Hoje, na sua cadeira, Repousa, pálida e fria, Depois de tanta canseira: E cochila todo o dia, E cochila a noite inteira.
às vezes, porém, o bando Dos netos invade a sala . . . Entram rindo e papagueando: Este briga, aquele fala, Aquele dança, pulando . . . A velha acorda sorrindo, E a alegria a transfigura; Seu rosto fica mais lindo, Vendo tanta travessura, E tanto barulho ouvindo.
Chama os netos adorados, Beija-os, e, tremulamente, Passa os dedos engelhados, Lentamente, lentamente, Por seus cabelos, doirados.
Fica mais moça, e palpita, E recupera a memória, Quando um dos netinhos grita: "Ó vovó! conte uma história! Conte uma história bonita!"
Então, com frases pausadas, Conta historias de quimeras, Em que há palácios de fadas, E feiticeiras, e feras, E princesas encantadas . . .
E os netinhos estremecem, Os contos acompanhando, E as travessuras esquecem, — Até que, a fronte inclinando Sobre o seu colo, adormecem . . .
|
|
POR ESTA NOITES FRIAS ...
Por estas noites frias e brumosas É que melhor se pode amar, querida! Nem uma estrela pálida, perdida Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas
Mas um perfume cálido de rosas Corre a face da terra adormecida ... E a névoa cresce, e, em grupos repartida, Enche os ares de sombras vaporosas:
Sombras errantes, corpos nus, ardentes Carnes lascivas ... um rumor vibrante De atritos longos e de beijos quentes ...
E os céus se estendem, palpitando, cheios Da tépida brancura fulgurante De um turbilhão de braços e de seios.
Olavo Bilac
| | | | | | | | | | | |
|
|
Longe de ti
Olavo Bilac
XXXI
Longe de ti, se escuto, porventura, Teu nome, que uma boca indiferente Entre outros nomes de mulher murmura, Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...
Tal aquele, que, mísero, a tortura Sofre de amargo exílio, e tristemente A linguagem natal, maviosa e pura, Ouve falada por estranha gente...
Porque teu nome é para mim o nome De uma pátria distante e idolatrada, Cuja saudade ardente me consome:
E ouvi-lo é ver a eterna primavera E a eterna luz da terra abençoada, Onde, entre flores, teu amor me espera.
| | | | | | | | |
|
|
|
De: FOFUCHA |
Enviado: 04/12/2009 19:33 |
|
Talvez Sonhasse
I
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via Que, aos raios do luar iluminada Entre as estrelas trêmulas subia Uma infinita e cintilante escada.
E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cada Degrau, que o ouro mais límpido vestia, Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada, Ressoante de súplicas, feria...
Tu, mãe sagrada! vós também, formosas Ilusões! sonhos meus! íeis por ela Como um bando de sombras vaporosas.
E, ó meu amor! eu te buscava, quando Vi que no alto surgias, calma e bela, O olhar celeste para o meu baixando...
Olavo Bilac | | | | | | | | |
|
|
Dentro da noite
Olavo Bilac
Ficas a um canto da sala, Olhas-me e finges que lês... Ainda uma vez te ouço a fala, Olho-te ainda uma vez; Saio... Silêncio por tudo: Nem uma folha se agita; E o firmamento, amplo e mudo, Cheio de estrelas palpita. E eu vou sozinho, pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar.
Mas não sei que luz me banha Todo de um vivo clarão; Não sei que música estranha Me sobre do coração. Como que, em cantos suaves, Pelo caminho que sigo, Eu levo todas as aves, Todos os astros comigo. E é tanta essa luz, é tanta Essa música sem par, Que nem sei se é a luz que canta, Se é o som que vejo brilhar.
Caminho em êxtase, cheio Da luz de todos os sóis, Levando dentro do seio Um ninho de rouxinóis. E tanto brilho derramo, E tanta música espalho, Que acordo os ninhos e inflamo As gotas frias do orvalho. E vou sozinho, pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar.
Caminho. A terra deserta Anima-se. Aqui e ali, Por toda parte desperta Um coração que sorri. Em tudo palpita um beijo, Longo, ansioso, apaixonado, E um delirante desejo De amar e de ser amado. E tudo, - o céu que se arqueia Cheio de estrelas, o mar, Os troncos negros, a areia, - Pergunta, ao ver-me passar:
"O Amor, que a teu lado levas, A que lugar te conduz, Que entras coberto de trevas, E sais coberto de luz? De onde vens? Que firmamento Correste durante o dia, Que voltas lançando ao vento Esta inaudita harmonia? Que país de maravilhas, Que Eldorado singular Tu visitaste, que brilhas Mais do que a estrela polar?"
E eu continua a viagem, Fantasma deslumbrador, Seguido por tua imagem, Seguido por teu amor. Sigo... Dissipo a tristeza De tudo, por todo o espaço, E ardo, e canto, e a Natureza Arde e canta, quando eu passo, - Só porque passo pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar...
***********************************
| | | | | | | | | | | | | | | |
|
|
*****************************************************************
Manhã de verão
Olavo Bilac
As nuvens, que, em bulcões, sobre o rio rodavam, Já, com o vir de manhã, do rio se levantam. Como ontem, sob a chuva, estas águas choravam! E hoje, saudando o sol, como estas águas cantam!
A estrela, que ficou por último velando, Noive que espera o noivo e suspira em segredo,
- Desmaia de pudor, apaga, palpitando, - A pupila amorosa, e estremece de medo. Há pelo Paraíba um sussuro de vozes, Tremor de seios nuns, corpos brancos luzindo... E, alvas, a cavalgar broncos monstros ferozes, Passam, como num sonho, as náiades fugindo.
A rosa, que acordou sob as ramas cheirosas, Diz-me: "Acorda com um beijo as outras flores quietas! Poeta! Deus criou as mulheres e as rosas Para os beijos do sol e os beijos dos poetas!"
E a ave diz: "Sabes tu? Conheço-a bem... Parece Que os Gênios de Oberon bailam pelo ar dispersos, E que o céu se abre todo, e que a terra floresce, - Quando ela principia a recitar teus versos!" E diz a luz: "Conheço a cor daquela boca! Bem conheço a maciez daquelas mãos pequenas! Não fosse ela aos jardins roubar, trêfega e louca, O rubor da papoula e o alvor das açucenas!"
Diz a palmeira: "Invejo-a! ao vir a luz radiante, Vem o vento agitar-me e desnastrar-me a coma: E eu pelo vento envio ao seu cabelo ondeante Todo o meu esplendor e todo o meu aroma!"
E a floresta, que canta, e o sol, que abre a coroa De ouro fulvo, espancando a matutina bruma, E o lírio, que estremece, e o pássaro, que voa, E a água, cheia de sons e de flocos de espuma,
Tudo, - a cor, o clarão, o perfume e o gorjeio, Tudo, elevando a voz, nesta manhã de estio, Diz: "Pudesses dormir, poeta! No seu seio, Curvo como este céu, manso como este rio!"
| | | | | | | | | | |
|
|
Os Sinos
Plangei, sinos! A terra ao nosso amor não basta... Cansados de nsias vis e de ambições ferozes, Ardemos numa louca aspiração mais casta, Para transmigrações, para metempsicoses!
Cantai, sinos! Daqui por onde o horror se arrasta, Campas de rebeliões, bronzes de apoteoses, Badalai, bimbalhai, tocai à esfera vasta! Levai os nossos ais rolando em vossas vozes!
Em repiques de febre, em dobres a finados, Em rebates de angústia, ó carrilhões, dos cimos Tangei! Torres da fé, vibrai os nossos brados!
Dizei, sinos da terra, em clamores supremos, Toda a nossa tortura aos astros de onde vimos, Toda a nossa esperança aos astros aonde iremos!
Hino à Bandeira Salve, lindo pendão da esperança, Salve, símbolo augusto da Paz! Tua nobre presença à lembrança A grandeza da Pátria nos traz.
Recebe o afeto que se encerra em nosso peito juvenil, Querido símbolo da terra, Da amada terra do Brasil.
Sobre a imensa nação Brasileira Nos momentos de festa e de dor, Paira sempre, sagrada bandeira Pavilhão da Justiça e do Amor!
Recebe o afeto que se encerra Em nosso peito juvenil, Querido símbolo da terra, Da amada terra do Brasil.
| |
|
|
No Cárcere
Por que hei de, em tudo quanto vejo, vê-la ? Por que hei de eterna assim reproduzida Vê-la na água do mar, na luz da estrela ? Na nuvem de ouro e na palmeira erguida ?
Fosse possível ser a imagem dela Depois de tantas mágoas esquecida!... Pois acaso será, para esquecê-la, Mister e força que me deixe a vida ?
Negra lembrança do passado! lento Martírio, lento e atroz! Por que não há de Ser dado a toda mágoa o esquecimento ?
Por que ? Quem me encadeia sem piedade No cárcere sem luz deste tormento, Com os pesados grilhões dessa saudade ?
| | |
|
|
Inania Verba
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, O que a boca não diz, o que a mão não escreve ? - Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
O pensamento ferve, e é um turbilhão de lava: A forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... E a Palavra pesada abafa a Idéia leve, Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de tudo ? Ai! quem há de dizer as nsias infinitas Do sonho ? e o céu que foge à mão que se levanta ?
E a ira muda ? e o asco mudo ? e o desespero mudo ? E as palavras de fé que nunca foram ditas ? E as confissões de amor que morrem na garganta ?
| | | | |
|
|
|
De: FOFUCHA |
Enviado: 04/12/2009 19:34 |
|
Olavo Bilac
O pássaro cativo
Armas, num galho de árvore, o alçapão E, em breve, uma avezinha descuidada, Batendo as asas cai na escravidão. Dás-lhe então, por esplêndida morada, Gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos e tudo. Por que é que, tendo tudo, há de ficar O passarinho mudo, Arrepiado e triste sem cantar? É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam, Sem que os homens os possam entender; Se os pássaros falassem, Talvez os teus ouvidos escutassem Este cativo pássaro dizer:
"Não quero o teu alpiste! Gosto mais do alimento que procuro Na mata livre em que voar me viste; Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci; Da mata entre os verdores, Tenho frutos e flores Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola! Pois nenhuma riqueza me consola, De haver perdido aquilo que perdi... Prefiro o ninho humilde construído
De folhas secas, plácido, escondido. Solta-me ao vento e ao sol! Com que direito à escravidão me obrigas? Quero saudar as pombas do arrebol! Quero, ao cair da tarde, Entoar minhas tristíssimas cantigas! Por que me prendes? Solta-me, covarde! Deus me deu por gaiola a imensidade! Não me roubes a minha liberdade... Quero voar! Voar!
Estas cousas o pássaro diria, Se pudesse falar, E a tua alma, criança, tremeria, Vendo tanta aflição, E a tua mão tremendo lhe abriria A porta da prisão...
|
|
|
( Fernão Dias Pais Lemes )
O Caçador de Esmeraldas
Olavo Bilac
Episódio da epopéia sertanista no XVIIº século
I
Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada De outono, quando a terra, em sede requeimada, Bebera longamente as águas da estação, - Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata, à frente dos peões filhos da rude mata, Fernão Dias Pais Leme entrou pelo sertão.
Ah! quem te vira assim, no alvorecer da vida, Bruta Pátria, no berço, entre as selvas dormida, No virginal pudor das primitivas eras, Quando, aos beijos do sol, mas compreendendo o anseio Do mundo por nascer que trazias no seio, Reboavas ao tropel dos índios e das feras!
Já lá fora, da ourela azul das enseadas, Das angras verdes, onde as águas repousadas Vêm, borbulhando, à flor dos cachopos cantar; Das abras e da foz dos tumultuosos rios, - Tomadas de pavor, dando contra os baixios, As pirogas dos teus fugiam pelo mar...
De longe, ao duro vento opondo as largas velas, Bailando ao furacão, vinham as caravelas, Entre os uivos do mar e o silêncio dos astros; E tu, do litoral, de rojo nas areias, Vias o oceano arfar, vias as ondas cheias De uma palpitação de proas e de mastros.
Pelo deserto imenso e líquido, os penhascos Feriam-nas em vão, roíam-lhes os cascos... A quantas, quanta vez, rodando aos ventos maus, O primeiro pegão, como a baixéis, quebrava! E lá iam, no alvor da espumarada brava, Despojos da ambição, cadáveres de naus...
Outras vinham, na febre heróica da conquista! E quando, de entre os véus das neblinas, à vista Dos nautas fulgurava o teu verde sorriso, Os seus olhos, ó Pátria, enchiam-se de pranto: Era como se, erguendo a ponto do teu manto, Vissem, à beira d’água, abrir-se o Paraíso!
Mais numerosa, mais audaz, de dia em dia, Engrossava a invasão. Como a enchente bravia, Que sobre as terras, palmo a palmo, abre o lençol De água devastadora, - os brancos avançavam: E os teus filhos de bronze ante eles recuavam, Como a sombra recua ante a invasão do sol.
Já nas faldas da serra apinhavam-se aldeias; Levantava-se a cruz sobre as alvas areias, Onde, ao brando mover dos leques das juçaras, Vivera e progredira a tua gente forte... Soprara a destruição, como um vento de morte, Desterrando os pajés, abatendo as caiçaras.
Mas além, por detrás das broncas serranias, Na cerrada região das florestas sombrias, Cujos troncos, rompendo as lianas e os cipós, Alastravam no céu léguas de rama escura; Nos matagais, em cuja horrível espessura Só corria a anta leve e uivava a onça feroz:
Além da áspera brenha, onde as tribos errantes à sombra material das árvores gigantes Acampavam; além das sossegadas águas Das lagoas, dormindo entre aningais floridos; Dos rios, acachoando em quedas e bramidos, Mordendo os alcantis, roncando pelas fráguas;
- Aí, não ia ecoar o estrupido da luta... E, no seio nutriz da natureza bruta, Resguardava o pudor teu verde coração! Ah! quem te vira assim, entre as selvas sonhando, Quando a bandeira entrou pelo teu seio, quando Fernão Dias Pais Leme invadiu o sertão!
II
Para o norte inclinando a lombada brumosa, Entre os nateiros jaz a serra misteriosa; A azul Vupabuçu beija-lhe as verdes faldas, E águas crespas, galgando abismos e barrancos Atulhados de prata, umedecem-lhe os flancos Em cujos socavões dormem as esmeraldas.
Verde sonho!... é a jornada ao país da Loucura! Quantas bandeiras já, pela mesma aventura Levadas, em tropel, na nsia de enriquecer! Em cada tremedal, em cada escarpa, em cada Brenha rude, o luar beija à noite uma ossada, Que vêm, a uivar de fome, as onças remexer...
Que importa o desamparo em meio do deserto, E essa vida sem lar, e esse vaguear incerto De terror em terror, lutando braço a braço Com a inclemência do céu e a dureza da sorte? Serra bruta! dar-lhe-ás, antes de dar-lhe a morte, As pedras de Cortez, que escondes no regaço!
E sete anos, de fio em fio destramando O mistério, de passo em passo penetrando O verde arcano, foi o bandeirante audaz... - Marcha horrenda! derrota implacável e calma, Sem uma hora de amor, estrangulando na alma Toda a recordação do que ficava atrás!
A cada volta, a Morte, a fiando o olhar faminto, Incansável no ardil, rondando o labirinto Em que às tontas errava a bandeira nas matas, Cercando-a com o crescer dos rios iracundos, Espiando-a no pendor dos boqueirões profundos, Onde vinham ruir com fragor as cascatas.
Aqui, tapando o espaço, entrelaçando as grenhas Em negros paredões, levantavam-se as brenhas, Cuja muralha, em vão, sem a poder dobrar, Vinham acometer os temporais, aos roncos; E os machados, de sol a sol mordendo os troncos, Contra esse adarve bruto em vão rodavam no ar.
Dentro, no frio horror das balseiras escuras, Viscosas e oscilando, úmidas colgaduras Pendiam de cipós na escuridão noturna; E um mundo de reptis silvava no negrume; Cada folha pisada exalava um queixume, E uma pupila má chispava em cada furna.
Depois, nos chapadões, o rude acampamento: As barracas, voando em frangalhos ao vento, Ao granizo, à invernada, à chuva, ao temporal... E quantos deles, nus, sequiosos, no abandono, Iam ficando atrás, no derradeiro sono, Sem chegar ao sopé da colina fatal!
Que importava? Ao clarear da manhã, a companha Buscava no horizonte o perfil da montanha... Quando apareceria enfim, vergando a espalda, Desenhada no céu entre as neblinas claras, A grande serra, mãe das esmeraldas raras, Verde e faiscante como uma grande esmeralda?
Avante! e os aguaçais seguiam-se às florestas... Vinham os mamarões, as leziras funestas, De água paralisada e decomposta ao sol, Em cuja face, como um bando de fantasmas, Erravam dia e noite as febres e os miasmas, Numa ronda letal sobre o podre lençol.
Agora, o áspero morro, os caminhos fragosos... Leve, de quando em quando, entre os troncos nodosos Passa um plúmeo cocar, como uma ave que voa... Uma flecha, subtil, silva e zarguncha... É a guerra! São os índios! Retumba o eco da bruta serra Ao tropel... E o estridor da batalha reboa.
Depois, os ribeirões, nas levadas, transpondo As ribas, rebramando, e de estrondo em estrondo Inchando em macaréus o seio destruidor, E desenraizando os troncos seculares, No esto da aluvião estremecendo os ares, E indo torvos rolar nos vales com fragor...
Sete anos! combatendo índios, febres, paludes, Feras, reptis, - contendo os sertanejos rudes, Dominando o furor da amotinada escolta... Sete anos!... E ei-lo de volta, enfim, com o seu tesouro! Com que amor, contra o peito, a sacola de couro Aperta, a transbordar de pedras verdes! – volta...
Mas um desvão da mata, uma tarde, ao sol posto, Pára. Um frio livor se lhe espalha no rosto... É a febre! O Vencedor não passará dali! Na terra que venceu há de cair vencido: É a febre: é a morte! E o Herói, trôpego e envelhecido, Roto, e sem forças, cai junto do Guicuí...
Continua ...
|
|
|
|
CONTINUAçãO
E FINAL
Partes III e IV
III
Fernão Dias Pais Leme agoniza. Um lamento Chora longo, a rolar na longa voz do vento. Mugem soturnamente as águas. O céu arde. Transmonta fulvo o sol. E a natureza assiste, Na mesma solidão e na mesma hora triste, à agonia do herói e à agonia da tarde.
Piam perto, na sombra, as aves agoireiras. Silvam as cobras. Longe, as feras carniceiras Uivam nas lapas. Desce a noite, como um véu... Pálido, no palor da luz, o sertanejo Estorce-se no crebro e derradeiro arquejo. - Fernão Dias Pais Leme agoniza, e olha o céu.
Oh! esse último olhar ao firmamento! A vida Em surtos de paixão e febre repartida, Toda, num só olhar, devorando as estrelas! Esse olhar, que sai como um beijo da pupila, - Que as implora, que bebe a sua luz tranqüila, Que morre. E nunca mais, nunca mais há de vê-las!
Ei-las todas, enchendo o céu, de canto a canto... Nunca assim se espalhou, resplandecendo tanto, Tanta constelação pela planície azul! Nunca Vênus assim fulgiu! Nunca tão perto, Nunca com tanto amor sobre o sertão deserto Pairou tremulamente o Cruzeiro do Sul!
Noites de outrora!... Enquanto a bandeira dormia Exausta, e áspero o vento em derredor zunia, E a voz do noitibó soava como um agouro, - Quantas vezes Fernão, do cabeço de um monte, Via lenta subir do fundo do horizonte Aclara procissão dessas bandeiras de ouro!
Adeus, astros da noite! Adeus, frescas ramagens Que a aurora desmanchava em perfumes selvagens! Ninhos cantando no ar! suspensos gineceus Ressoantes de amor! outonos benfeitores! Nuvens e aves, adeus! Adeus, feras e flores! Fernão Dias Pais Leme espera a morte... Adeus!
O Sertanista ousado agoniza, sozinho... Empasta-lhe o suor a barba em desalinho; E com a roupa de couro em farrapos, deitado, Com a garganta afogada em uivos, ululante, Entre os troncos da brenha hirsuta, - o Bandeirante Jaz por terra, à feição de um tronco derribado...
E o delírio começa. A mão, que a febre agita, Ergue-se, treme no ar, sobe, descamba aflita, Crispa os dedos, e sonda a terra, a escarva o chão: Sangra as unhas, revolve as raízes, acerta, Agarra o saco, e apalpa-o, e contra o peito o aperta, Como para o enterrar dentro do coração.
Ah! mísero demente! o teu tesouro é falso! Tu caminhaste em vão, por sete anos, no encalço De uma nuvem falaz, de um sonho malfazejo! Enganou-te a ambição! mais pobre que um mendigo, Agonizas, sem luz, sem amor, sem amigo, Sem ter quem te conceda a extrema-unção de um beijo!
E foi para morrer de cansaço e de fome, Sem ter quem, murmurando em lágrimas teu nome, Te dê uma oração e um punhado de cal, - Que tantos corações calcaste sob os passos, E na alma da mulher que te estendia os braços Sem piedade lançaste um veneno mortal!
E ei-la, a morte! E ei-lo, o fim! A palidez aumenta; Fernão Dias se esvai, numa síncope lenta... Mas, agora, um clarão ilumina-lhe a face: E essa face cavada e magra, que a tortura Da fome e das privações maceraram, - fulgura, Como se a asa ideal de um arcanjo a roçasse.
IV
Adoça-lhe o olhar, num fulgor indeciso: Leve, na boca aflante, esvoaça-lhe um sorriso... - E adelgaça-se o véu das sombra. O luar Abre no horror da noite uma verde clareira, Como para abraçar a natureza inteira, Fernão Dias Pais Leme estira os braços no ar...
Verdes, os astros no alto abrem-se em verdes chamas; Verdes, na verde mata, embalançam-se as ramas; E flores verdes no ar brandamente se movem; Chispam verdes fuzis riscando o céu sombrio; Em esmeraldas flui a água verde do rio, E do céu, todo verde, as esmeraldas chovem...
E é uma ressurreição! O corpo se levanta: Nos olhos, já sem luz, a vida exsurge e canta! E esse destroço humano, esse pouco de pó Contra a destruição se aferra à vida, e luta, E treme, e cresce, e brilha, e a fia o ouvido, e escuta A voz, que na solidão só ele escuta, - só:
"Morre! morrem-te às mãos as pedras desejadas, Desfeitas como um sonho, e em lodo desmanchadas... Que importa? dorme em praz, que o teu labor é findo! Nos campos, no pendor das montanhas fragosas, Como um grande colar de esmeraldas gloriosas, As tuas povoações se estenderão fulgindo!
Quando do acampamento o bando peregrino Saía, antemanhã, ao sabor do destino, Em busca, ao norte e ao sul, de jazida melhor, - No cômoro de terra, em que teu pé poisara, Os colmados de palha aprumavam-se, e clara A luz de uma clareira espancava o arredor.
Nesse louco vagar, nessa marcha perdida, Tu foste, como o sol, uma fonte de vida: Cada passada tua era um caminho aberto! Cada pouso mudado, uma nova conquista! E enquanto ias, sonhando o teu sonho egoísta, Teu pé, como o de um deus, fecundava o deserto!
Morre! tu viverás nas estradas que abriste! Teu nome rolará no largo choro triste Da água do Guaicuí... Morre, Conquistador! Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares Numa ramada verde entre um ninho e uma flor!
Morre! germinarão as sagradas sementes Das gotas de suor, das lágrimas ardentes! Hão de frutificar as fomes e as vigílias! E um dia, povoada a terra em que te deitas, Quando, aos beijos do sol, sobrarem as colheitas, Quando, aos beijos do amor, crescerem as famílias,
Tu cantarás na voz dos sinos, nas charruas, No esto da multidão, no tumultuar das ruas, No clamor do trabalho e nos hinos da paz! E, subjugando o olvido, através das idades, Violador de sertões, plantador de cidades, Dentro do coração da Pátria viverás!"
Cala-se a estranha voz. Dorme de novo tudo. Agora, a deslizar pelo arvoredo mudo, Como um choro de prata algente o luar escorre. E sereno, feliz, no maternal regaço Da terra, sob a paz estrelada do espaço, Fernão Dias Pais Leme os olhos cerra. E morre.
FIM
| | | | | |
|
|
|
De: FOFUCHA |
Enviado: 04/12/2009 19:40 |
|
Alma Inquieta
Olavo Bilac
A avenida das lágrimas
A um Poeta morto
Quando a primeira vez a harmonia secreta De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira, - Dentro do coração do primeiro poeta Desabrochou a flor da lágrima primeira.
E o poeta sentiu os olhos rasos de água; Subiu-lhe à boca, ansioso, o primeiro queixume: Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa, Que possui, como a rosa, espinhos e perfume.
E na terra, por onde o sonhador passava, Ia a roxa corola espalhando as sementes: De modo que, a brilhar, pelo solo ficava Uma vegetação de lágrimas ardentes.
Foi assim que se fez a Via Dolorosa, A avenida ensombrada e triste da Saudade, Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa Dos órgãos do carinho e da felicidade.
Recalcando no peito os gritos e os soluços, Tu conheceste bem essa longa avenida, - Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços, Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida.
Teu pé também deixou um sinal neste solo; Também por este solo arrastaste o teu manto... E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo, Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto.
Mas tua alma ficou, livre da desventura, Docemente sonhando, às delícias da lua: Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura, Guardando na corola uma lembrança tua...
O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra, Se imortalizará, pelas almas disperso: - Porque purificou a torpeza da terra Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso.
|
Art By:Márcia Maia | | | | | | |
|
|
COM UM BEIJO
"E logo que chegou, aproximou-se Dele e disse-lhe: - Rabi, Rabi. E beijou-O". Marcos, 14:45.
Ninguém pode turvar a fonte doce da afetividade em que todas as criaturas se dessedentam sobre o mundo.
A amizade é a sombra amiga da árvore do amor fraterno. Ao bálsamo de sua suavidade, o tormento das paixões atenua os rigores ásperos. É pela realidade do amor que todas as forças celestes trabalham.
Com isso, reconhecemos as manifestações de fraternidade como revelações dos traços sublimes da criatura.
Um homem estranho à menor expressão de afeto é um ser profundamente desventurado. Mas, aprendiz algum deve olvidar quanta vigilncia é indispensável nesse capítulo.
Jesus, nas horas derradeiras, deixa uma lição aos discípulos do futuro.
Não são os inimigos declarados de Sua Missão Divina que vêm buscá-Lo em Gethsemani.
É um companheiro amado. Não é chamado à angústia da traição com violência. Sente-se envolvido na grande amargura por um beijo.
O Senhor conhecia a realidade amarga. Conhecera previamente a defecção de Judas: "É assim que me entregas"? - falou ao discípulo. O companheiro frágil perturba-se e treme.
E a lição ficou gravada no Evangelho, em silêncio, atravessando os séculos.
É interessante que não se veja um sacerdote do templo, adversário franco de Cristo, afrontando-lhe o olhar sereno ao lado das oliveiras contemplativas.
É um amigo que lhe traz o veneno amargo.
Não devemos comentar o quadro, em vista de que, quase todos nós, temos sido frágeis, mais que Judas, mas não podemos esquecer que o Mestre foi traído com um beijo.
Emmanuel
(De "Alma e Luz", de Francisco Cndido Xavier, pelo Espírito Emmanuel)
|
| | | | | | | |
| | |
|
|
( Via Láctea - Rubens )
POR TANTO TEMPO
Por tanto tempo, desvairado e aflito, Fitei naquela noite o firmamento, Que inda hoje mesmo, quando acaso o fito, Tudo aquilo me vem ao pensamento.
Sal, no peito o derradeiro grito Calcando a custo, sem chorar, violento... E o céu fulgia plácido e infinito, E havia um choro no rumor do vento...
Piedoso céu, que a minha dor sentiste! A áurea esfera da lua o ocaso entrava. Rompendo as leves nuvens transparentes;
E sobre mim, silenciosa e triste, A via-láctea se desenrolava Como um jorro de lágrimas ardentes.
Olavo Bilac | |
|
|
DEIXA QUE O OLHAR DO MUNDO ...
Deixa que o olhar do mundo enfim devasse Teu grande amor que é teu maior segredo! Que terias perdido, se, mais cedo, Todo o afeto que sentes se mostrasse?
Basta de enganos! Mostra-me sem medo Aos homens, afrontando-os face a face: Quero que os homens todos, quando eu passe, Invejosos, apontem-me com o dedo.
Olha: não posso mais! Ando tão cheio Deste amor, que minhalma se consome De te exaltar aos olhos do universo...
Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio: E, fatigado de calar teu nome, Quase o revelo no final de um verso.
Olavo Bilac | |
|
|
O cometa
Olavo Bilac
Um cometa passava... Em luz, na penedia, Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava; Entregava-se ao sol a terra, como escrava; Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia...
Assolavam a terra o terremoto, a lava, A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia; Mas renascia o amor, o orgulho revivia, Passavam religiões... E o cometa passava.
E fugia, riçando a ígnea cauda flava... Fenecia uma raça; a solidão bravia Povoava-se outra vez. E o cometa voltava...
Escoava-se o tropel das eras, dia a dia: E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava A sua eternidade ! E o cometa sorria...
********************************************************************* | | |
| | | |
| | | | | |
|
|
|
|
Dentro da noite
Olavo Bilac
Ficas a um canto da sala, Olhas-me e finges que lês... Ainda uma vez te ouço a fala, Olho-te ainda uma vez; Saio... Silêncio por tudo: Nem uma folha se agita; E o firmamento, amplo e mudo, Cheio de estrelas palpita. E eu vou sozinho, pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar.
Mas não sei que luz me banha Todo de um vivo clarão; Não sei que música estranha Me sobre do coração. Como que, em cantos suaves, Pelo caminho que sigo, Eu levo todas as aves, Todos os astros comigo. E é tanta essa luz, é tanta Essa música sem par, Que nem sei se é a luz que canta, Se é o som que vejo brilhar.
Caminho em êxtase, cheio Da luz de todos os sóis, Levando dentro do seio Um ninho de rouxinóis. E tanto brilho derramo, E tanta música espalho, Que acordo os ninhos e inflamo As gotas frias do orvalho. E vou sozinho, pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar.
Caminho. A terra deserta Anima-se. Aqui e ali, Por toda parte desperta Um coração que sorri. Em tudo palpita um beijo, Longo, ansioso, apaixonado, E um delirante desejo De amar e de ser amado. E tudo, - o céu que se arqueia Cheio de estrelas, o mar, Os troncos negros, a areia, - Pergunta, ao ver-me passar:
"O Amor, que a teu lado levas, A que lugar te conduz, Que entras coberto de trevas, E sais coberto de luz? De onde vens? Que firmamento Correste durante o dia, Que voltas lançando ao vento Esta inaudita harmonia? Que país de maravilhas, Que Eldorado singular Tu visitaste, que brilhas Mais do que a estrela polar?"
E eu continua a viagem, Fantasma deslumbrador, Seguido por tua imagem, Seguido por teu amor. Sigo... Dissipo a tristeza De tudo, por todo o espaço, E ardo, e canto, e a Natureza Arde e canta, quando eu passo, - Só porque passo pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar...
***********************************
| | | | | | | | | | | | | |
|
|
Romeu e Julieta
Olavo Bilac
(Ato III, cena V)
JULIETA: Por que partir tão cedo? inda vem longe o dia... Ouves? é o rouxinol. Não é da cotovia Esta encantada voz. Repara, meu amor: Quem canta é o rouxinol na romãzeira em flor. Toda a noite essa voz, que te feriu o ouvido, Povoa a solidão como um longo gemido. Abracemo-nos! fica! Inda vem longe o sol! Não canta a cotovia: é a voz do rouxinol!
ROMEU: É a voz da cotovia anunciando a aurora! Vês? há um leve tremor pelo horizonte afora... Das nuvens do levante abre-se o argênteo véu, E apagam-se de todo as lmpadas do céu. Já sobre o cimo azul das serras nebulosas, Hesitante, a manhã coroada de rosas Agita os leves pés, e fica a palpitar Sobre as asas de luz, como quem quer voar. Olha! mais um momento, um rápido momento, E o dia sorrirá por todo o firmamento! Adeus! devo partir! partir para viver... Ou ficar a teus pés para a teus pés morrer!
JULIETA: Não é o dia! O espaço inda se estende, cheio Da noite caridosa. Exala do ígneo seio O sol, piedoso e bom, este vivo clarão Só para te guiar por entre a cerração... Fica um minuto mais! por que partir tão cedo?
ROMEU: Mandas? não partirei! esperarei sem medo Que a morte, com a manhã, venha encontrar-me aqui! Sucumbirei feliz, sucumbindo por ti! Mandas? não partirei! queres? direi contigo Que é mentira o que vejo e mentira o que digo! Sim! tens razão! não é da cotovia a voz Este encantado som que erra em torno de nós! É um reflexo da luz a claridade estranha Que aponta no horizonte acima da montanha! Fico para te ver, fico para te ouvir, Fico para te amar, morro por não partir! Mandas? não partirei! cumpra-se a minha sorte! Julieta assim o quis: bem-vinda seja a morte! Meu amor, meu amor! olha-me assim! assim!
JULIETA: Não! é o dia! é a manhã! Parte! foge de mim! Parte! apressa-te! foge! A cotovia canta E do nascente em fogo o dia se levanta... Ah! reconheço enfim estas notas fatais! O dia!... a luz do sol cresce de mais em mais Sobre a noite nupcial do amor e da loucura!
ROMEU: Cresce ... E cresce com ela a nossa desventura! ...............................................................................................
| | | | | | | | |
|
|
Vinha de Nabot
Olavo Bilac
Maldito aquele dia, em que abriste em meu seio, Cruel, esta paixão, como, ampla e iluminada, Uma clareira verde, aberta ao sol, no meio Da espessa escuridão de uma selva cerrada!
Ah! três vezes maldito o amor que me avassala, E me obriga a viver dentro de um pesadelo, Louco! por toda a parte ouvindo a tua fala, Vendo por toda a parte a cor do teu cabelo!
De teu colo no vale embalsamado e puro Nunca descansarei, como num paraíso, Sob a tenda aromal desse cabelo escuro, Olhando o teu olhar, sorrindo ao teu sorriso.
Desvairas-me a razão, tiras-me a calma e o sono! Nunca te possuirei, bela e invejada vinha, Ó vinha de Nabot que tanto ambiciono! Ó alma que procuro e nunca serás minha!
| | | | | | | | | | |
|
|
|
"Nel mezzo del camin...
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada E triste, e triste e fatigado eu vinha. Tinhas a alma de sonhos povoada, E a alma de sonhos povoada eu tinha...
E paramos de súbito na estrada Da vida: longos anos, presa à minha A tua mão, a vista deslumbrada Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje, segues de novo... Na partida Nem o pranto os teus olhos umedece, Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e tremo, Vendo o teu vulto que desaparece Na extrema curva do caminho extremo."
...................................................................................................................................... Olavo Bilac | | | | | | | |
|
|
Sonho
Olavo Bilac
Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade Solto para onde estás, e fico de ti perto! Como, depois do sonho, é triste a realidade! Como tudo, sem ti, fica depois deserto!
Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça. Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma: De cada estrela de ouro um anjo se debruça, E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.
Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado. Em torno a cada ninho anda bailando uma asa. E, como sobre um leito um alvo cortinado, Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.
Porém, subitamente, um relmpago corta Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta E, sorrindo, serena, aparecer à porta, Como numa moldura a imagem de uma Santa...
| | |
| | |
|
|
Noite de inverno
Olavo Bilac
Sonho que estás à porta... Estás – abro-te os braços! – quase morta, Quase morta de amor e de ansiedade... De onde ouviste o meu grito, que voava, E sobre as asas trêmulas levava As preces da saudade?
Corro à porta... ninguém! Silêncio e treva. Hirta, na sombra, a Solidão eleva Os longos braços rígidos, de gelo... E há pelo corredor ermo e comprido O suave rumor de teu vestido, E o perfume subtil de teu cabelo.
Ah! se agora chegasses! Se eu sentisse bater em minhas faces A luz celeste que teus olhos banha; Se este quarto se enchesse de repente Da melodia, e do clarão ardente Que os passos te acompanha:
Beijos, presos no cárcere da boca, Sofreando a custo toda a sede louca, Toda a sede infinita que os devora, - Beijos de fogo, palpitando, cheios De gritos, de gemidos e de anseios, Transbordariam por teu corpo afora!...
Rio aceso, banhando Teu corpo, cada beijo, rutilando, Se apressaria, acachoado e grosso: E, cascateando, em pérolas desfeito, Subiria a colina de teu peito, Lambendo-te o pescoço...
Estrela humana que do céu desceste! Desterrada do céu, a luz perdeste Dos fulvos raios, amplos e serenos; E na pele morena e perfumada Guardaste apenas essa cor dourada Que é a mesma cor de Sírius e de Vênus.
Sob a chuva de fogo De meus beijos, amor! terias logo Todo o esplendor do brilho primitivo; E, eternamente presa entre meus braços, Bela, protegerias os meus passos, -Astro formoso e vivo!
Mas... talvez te ofendesse o meu desejo... E, ao teu contacto gélido, meu beijo Fosse cair por terra, desprezado... Embora! que eu ao menos te olharia, E, presa do respeito, ficaria Silencioso e imóvel a teu lado.
Fitando o olhar ansioso No teu, lendo esse livro misterioso, Eu descortinaria a minha sorte... Até que ouvisse, desse olhar ao fundo, Soar, num dobre lúgubre e profundo, A hora da minha morte!
Longe embora de mim teu pensamento, Ouvirias aqui, louco e violento, Bater meu coração em cada canto; E ouvirias, como uma melopéia, Longe embora de mim a tua idéia, A música abafada de meu pranto.
Dormirias, querida... E eu, guardando-te, bela e adormecida, Orgulhoso e feliz com o meu tesouro, Tiraria os meus versos do abandono, E eles embalariam o teu sono, Como uma rede de ouro.
Mas não vens! não virás! Silêncio e treva... Hirta, na sombra, a Solidão eleva Os longos braços rígidos de gelo; E há, pelo corredor ermo e comprido, O suave rumor de teu vestido E o perfume subtil de teu cabelo...
| | | | | | | |
|
|
SONHO DE UMA NOITE DE ESTIO
Olavo Bilac
Midsummer’s night’s dream
Quem o encanto dirá destas noites de estio? Corre de estrela a estrela um leve calefrio, Há queixas doces no ar... Eu, recolhido e só, Ergo o sonho da terra, ergo a fronte do pó, Para purificar o coração manchado, Cheio de ódio, de fel, de angústia e de pecado...
Que esquisita saudade! - Uma lembrança estranha De ter vivido já no alto de uma montanha, Tão alta, que tocava o céu... Belo país, Onde, em perpétuo sonho, eu vivia feliz, Livre da ingratidão, livre da indiferença, No seio maternal da Ilusão e da Crença!
Que inexorável mão, sem piedade, cativo, Estrelas, me encerrou no cárcere em que vivo? Louco, em vão, do profundo horror deste atascal, Bracejo, e peno em vão, para fugir do mal! Por que, para uma ignota e longínqua paragem, Astros, não me levais nessa eterna viagem?
Ah! quem pode saber de que outras vida veio?... Quantas vezes, fitando a Via-Láctea, creio Todo o mistério ver aberto ao meu olhar! Tremo... e cuido sentir dentro de mim pesar Uma alma alheia, uma alma em minha alma escondida, - O cadáver de alguém de quem carrego a vida...
| language=javascript>var bMB=true; | |
Responder
|
|
Sacrilégio
Olavo Bilac
Como a alma pura, que teu corpo encerra, Podes, tão bela e sensual, conter? Pura demais para viver na terra, Bela demais para no céu viver...
Amo-te assim! – exulta, meu desejo! É teu grande ideal que te aparece, Oferecendo loucamente o beijo, E castamente murmurando a prece!
Amo-te assim, à fronte conservando A parra e o acanto, sob o alvor do véu, E para a terra os olhos abaixando, E levantando os braços para o céu.
Ainda quando, abraçados, nos enleva O amor em que abraso e em que te abrasas, Vejo o teu resplandor arder na treva E ouço a palpitação das tuas asas.
Em vão sorrindo, plácidos, brilhantes, Os céus se estendem pelo teu olhar, E, dentro dele, os serafins errantes Passam nos raios claros do luar:
Em vão! – descerrar úmidos, e cheios De promessas, os lábios sensuais, E, à flor do peito, empinam-se-te os seios, Ameaçadores como dois punhais.
Como é cheirosa a tua carne ardente! Toco-a, e sinto-a ofegar, ansiosa e louca... Beijo-a, aspiro-a.. Mas sinto, de repente, As mãos geladas e gelada a boca:
Parece que uma santa imaculada Desce do altar pela primeira vez, E pela vez primeira profanada Tem por olhos humanos a nudez...
Embora! hei de adorar-te nesta vida, Já que, fraco demais para perde-la, Não posso um dia, deusa foragida, Ir amar-te no seio de uma estrela.
Beija-me! Ficarei purificado Com o que de puro no teu beijo houver; Ficarei anjo, tendo-te ao meu lado: Tu, ao meu lado, ficarás mulher.
Que me fulmine o horror desta impiedade! Serás minha! Sacrílego e profano, Hei de manchar a tua castidade E dar-te aos lábios um gemido humano!
E à sombria mudez do santuário Preferirás o cálido fulgor De um cantinho da terra, solitário, Iluminado pelo meu amor...
RESPETAR AUTORIA Y SELLO SI DESEAS UTILIZARLO
| | | | | | | | | | |
|
|
|
|
O cometa
Olavo Bilac
Um cometa passava... Em luz, na penedia, Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava; Entregava-se ao sol a terra, como escrava; Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia...
Assolavam a terra o terremoto, a lava, A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia; Mas renascia o amor, o orgulho revivia, Passavam religiões... E o cometa passava.
E fugia, riçando a ígnea cauda flava... Fenecia uma raça; a solidão bravia Povoava-se outra vez. E o cometa voltava...
Escoava-se o tropel das eras, dia a dia: E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava A sua eternidade ! E o cometa sorria...
********************************************************************* | | |
| | | |
| | |
|
|
Vanitas
Olavo Bilac
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria, Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada, E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada De gritos de triunfo e gritos de agonia.
Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia, Trabalha... E a obra, por fim, resplandece acabada: "Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada! Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!
Cheia da minha febre e da minha alma cheia, Arranquei-te da vida ao ádito profundo, Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!
Posso agora morrer, porque vives!" E o Poeta Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo, E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia...
****************************************************************
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | |
|
|
Tercetos
Olavo Bilac
I
Noite ainda, quando ela me pedia Entre dois beijos que me fosse embora, Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:
"Espera ao menos que desponte a aurora! Tua alcova é cheirosa como um ninho... E olha que escuridão há lá por fora!
Como queres que eu vá, triste e sozinho, Casando a treva e o frio de meu peito Ao frio e à treva que há pelo caminho?!
Ouves? é o vento! é um temporal desfeito! Não arrojes à chuva e à tempestade! Não me exiles do vale do teu leito!
Morrerei de aflição e de saudade... Espera! até que o dia resplandeça, Aquece-me com a tua mocidade!
Sobre o teu colo deixa-me a cabeça Repousar, como há pouco repousava... Espera um pouco! deixa que amanheça!"
- E ela abria-me os braços. E eu ficava.
II
E, já manhã, quando ela me pedia Que de seu claro corpo me afastasse, Eu, com os olhos em lágrimas , dizia:
"Não pode ser! não vês que o dia nasce? A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta... Que diria de ti quem me encontrasse?
Ah! nem me digas que isso pouco importa!... Que pensariam, vendo-me, apressado, Tão cedo assim, saindo a tua porta,
Vendo-me exausto, pálido, cansado, E todo pelo aroma de teu beijo Escandalosamente perfumado?
O amor, querida, não exclui o pejo... Espera! até que o sol desapareça, Beija-me a boca! mata-me o desejo!
Sobre o teu colo deixa-me a cabeça Repousar, como há pouco repousava! Espera um pouco! deixa que anoiteça!"
- E ela abria-me os braços. E eu ficava.
Copyright©2006_La Novia_All rights
| | | | | | | | | | | |
|
|
Primer
Anterior
2 a 9 de 9
Siguiente
Último
|