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MEDITAçãO
Monte.
Uma palavra, sol e sensação
De que é um largo horizonte
O fosso que nos mede o coração.
Cobrem-se de balidos e ternura
Os tojos onde o corpo se rasgou;
Uma brisa de paz e de frescur
Ondula o que há-de vir e o que passou.
Mas um moinho ao longo moi a vida...
Sem se deter, o malmequer da vela
Desfolha sobre a alma ressequida
A poeira do sonho que esfarela
Miguel Torga
(In) "Diário" | | | | | | | |
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De: FOFUCHA |
Enviado: 05/12/2009 13:57 |
História Antiga
Miguel Torga
Era uma vez, lá na Judeia, um rei. Feio bicho, de resto: Uma cara de burro sem cabresto E duas grandes tranças. A gente olhava, reparava, e via Que naquela figura não havia Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia. Porque um dia, O malvado, Só por ter o poder de quem é rei Por não ter coração, Sem mais nem menos, Mandou matar quantos eram pequenos Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas, Por acaso ou milagre, aconteceu Que, num burrinho pela areia fora, Fugiu Daquelas mãos de sangue um pequenito Que o vivo sol da vida acarinhou; E bastou Esse palmo de sonho Para encher este mundo de alegria; Para crescer, ser Deus; E meter no inferno o tal das tranças, Só porque ele não gostava de crianças.
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De: FOFUCHA |
Enviado: 05/12/2009 13:57 |
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Paraísos Não havia ...
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Paraísos, não havia,
Purgatórios, não mostrava,
Limbos, sim, é que dizia
Que os sentia,
Pesados de covardia,
Lá na terra onde morava.
E morava neste mundo
Aquela voz.
Morava mesmo no fundo
Dum poço dentro de nós.
(Miguel Torga)
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Miguel Torga
(1907-1995)
Aos Poetas
Somos nós As humanas cigarras! Nós, Desde os tempos de Esopo conhecidos. Nós, Preguiçosos insectos perseguidos. Somos nós os ridículos comparsas Da fábula burguesa da formiga. Nós, a tribo faminta de ciganos Que se abriga Ao luar. Nós, que nunca passamos A passar!...
Somos nós, e só nós podemos ter Asas sonoras, Asas que em certas horas Palpitam, Asas que morrem, mas que ressuscitam Da sepultura! E que da planura Da seara Erguem a um campo de maior altura A mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto A taça fraternal deste meu canto, E bebo em vossa honra o doce vinho Da amizade e da paz! Vinho que não é meu, mas sim do mosto que a beleza traz!
E vos digo e conjuro que canteis!
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Exame
Feiticeiro sem deuses, reconheço O limite dos meus encantamentos. Só em raros momentos De inspiração Eu consigo o milagre dum poema, Teorema Indemonstrável pela multidão.
Mas é desse limite que me ufano: Ser humano E poeta. Humildemente, Com toda a paciência da terra, Com toda a impaciência do mar, Aguardo o transe, a hora desmedida; E é o próprio rosto universal da vida Que se ilumina, Quando o primeiro verso me fulmina.
Miguel Torga
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Perplexidade
Hesito no caminho. Ninguém segue este rumo... É noutra direcção Que o vento leva o fumo Das paixões... Chegar, sei que não chego, De nenhuma maneira; Mas queria ao menos ir no lírico sossego De quem não se enganou na estrada verdadeira.
E não vou. Cada vez mais sozinho Na solidão, Duvido da certeza dos meus passos. Vejo a sede ancestral da multidão Voltar costas às fontes que pressinto, E fico na mortal indecisão De afirmar ou negar o cego instinto Que me serve de guia e de bordão.
Miguel Torga
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Colóquio
Duvida das palavras... Nunca disseram nada. Palmeira no deserto Da expressão, O mais que dão É sombra aos sentimentos, Nos momentos Em que o sol é uma cruz de expiação.
Ouve o silêncio - a voz universal. Só ele é o verdadeiro confidente Do coração de tudo. Poeta angustiado E penitente, Mudo A teu lado É que eu sou transparente...
Miguel Torga
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De: FOFUCHA |
Enviado: 05/12/2009 13:58 |
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Ciganos
Tudo o que voa é ave. Desta janela aberta A pena que se eleva é mais suave E a folha que plana é mais liberta.
Nos seus braços azuis o céu aquece Todo o alado movimento. É no chão que arrefece O que não pode andar no firmamento.
Outro levante, pois, ciganos! Outra tenda sem pátria mais além! Desumanos São os sonhos, também...
Miguel Torga
Fonte:secrel.com
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Fronteira
De um lado terra, doutro lado terra;
De um lado gente; doutro lado gente;
Lados e filhos desta mesma serra,
O mesmo c´ú os olha e os consente.
O mesmo beijo aqui; o mesmo beijo além;
Uivos iguais de cão ou de alcateia.
E a mesma lua lírica que vem
Corar meadas de uma velha teia.
Mas uma força que não tem razão,
Que não tem olhos, que não tem sentido,
Passa e reparte o coração
Do mais pequeno tojo adormecido.
Miguel Torga | | | | | |
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BRASIL
Miguel Torga
Pátria de emigração. É num poema que te posso ter... A terra - possessiva inspiração; E os rios - como versos a correr.
Achada na longínqua meninice, Perdida na perdida juventude, Guardei-te como podia: na doce quietude Da força represada da poesia.
E assim consigo ver-te Como te sinto: Na doirada moldura de lembrança, O retrato da pura imensidade A que dei a possível semelhança Com palavras e rimas de saudade.
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Brinquedo
Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
um cordel
e um menino de bibe.
O menino tinha lançado a estrela
com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
presa pelo cordel à sua mão.
Mas tão alto subiu
que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
e cortou-lhe o cordel.
Miguel Torga
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De: FOFUCHA |
Enviado: 05/12/2009 14:05 |
--- Alta traição !
Se morro cheio de fome
neste país sitiado !
R-7 vendido !
O R-7 vencido
e julgado !
Eu não cheguei, camaradas,
porque os meus passos
davam em terra alheia e movediça !...
Mas gastei toda a energia
que trazia
no coração...
Nem falhei por covardia
nem preguiça:
Falhei por condenação !...
Digo-vos esta verdade,
que é tão vossa
como a Mulher é do Homem
em certas horas danadas...
(certas horasem que as almas são geradas...)
É falso! É falso! Juro-vos, Juizes!
Nada me prometeram nem pediram !
Quando cheguei,
nem me patearam
nem me aplaudiram !
Havia neles o sono dos cansados,
e não me puderam ver!...
Havia neles a paz, e eu era a Guerra
(aquela Guerra de dentro,
que todo o Guerreiro traz
ao nascer !...)
Então,
como um louco bati a cada porta,
e em nome de Zaratustra
falei da quimera morta
e da nova Ressurreição...
"E aqui há sentido", acrescentava.
Mas a Besta devorava
palha... e grão.
Meu corpo foi o drama do mistério
que é mistério
mas que se quer revelar...
Foi tudo como se um morto
quisesse ressuscitar!...
Não! Bem fiquei adormecido
Entre as coxas duma espia,
nem me vendi; nesta terra
um homem como eu não se vendia! ...
Seus olhos eram daqueles
que não olham para o Sol,
e eu cheguei de noite!
E nem assim!...
Agora, venha o desterro
para as Sibérias da Vida...
Já tenho a missão cumprida,
já disse para que vim !
(Miguel Torga)
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LIVRO DE HORAS
Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
de virtudes teologais,
que são três,
dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas
E de ser de qualquer modo
Andanças
do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
que atira setas acima
e abaixo da
minha altura.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim !
(Miguel Torga)
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Acuso-te, Destino !
A própria abelha às vezes se alimenta
Do mel que fabricou...
eu leio o que escrevi
Como um notário um testamento alheio.
Esvazio o coração, cuido que me exprimi,
E vou a olhar o poço, e ele continua cheio !
Acuso-te protesto.
É manifesto
Que existe malvadez ou má vontade !
Com a mais humilíssima humildade,
Requero, peço, imploro...
Mas trago às costas esta maldição :
De sofrer com razão ou sem razão,
E de não ter alívio nas lágrimas que choro !
(Miguel Torga) - in Denúncia
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Matei o Luar ...
Matei a lua e o luar difuso
Quero os versos de ferro e de cimento
Em vez de rimas, uso
As consonncias que há no sofrimento.
Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo coração que se debate aflito
e luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.
Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.
(Miguel Torga)
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Responder
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SEGREDO (Miguel Torga)
Sei um ninho. E o ninho tem um ovo. E o ovo, redondinho, Tem lá dentro um passarinho Novo.
Mas escusam de me atentar: Nem o tiro, nem o ensino. Quero ser um bom menino E guardar Este segredo comigo. E ter depois um amigo Que faça o pino A voar...
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