|
|
|
Sentimento do mundo
Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, mas estou cheio de escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor. Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado, eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pntano sem acordes. Os camaradas não disseram que havia uma guerra e era necessário trazer fogo e alimento. Sinto-me disperso, anterior a fronteiras, humildemente vos peço que me perdoeis. Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho desfiando a recordação do sineiro, da viúva e do microscopista que habitavam a barraca e não foram encontrados ao amanhecer esse amanhecer mais noite que a noite.
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond
| | | | | | | | |
|
|
Primer
Anterior
2 a 14 de 14
Siguiente
Último
|
|
|
Enviado: 29/11/2009 15:53 |
AMOR ...
Amor é bicho instruído Olha: o amor pulou o muro o amor subiu na árvore em tempo de se estrepar. Pronto, o amor se estrepou. Daqui estou vendo o sangue que escorre do corpo andrógino. Essa ferida, meu bem às vezes não sara nunca às vezes sara amanhã.
Carlos Drummond de Andrade
| |
|
|
|
|
Tenho razão de sentir saudade, tenho razão de te acusar. Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires foste embora. Detonaste o pacto. Detonaste a vida geral, a comum aquiescência de viver e explorar os rumos de obscuridade sem prazo sem consulta sem provocação até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora. Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas. Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem continuação, o ato em si, o ato que não ousamos nem sabemos ousar porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti, de nossa convivência em falas camaradas, simples apertar de mãos, nem isso, voz modulando sílabas conhecidas e banais que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades. Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade e da natureza nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o fizeste, porque te foste
Drummond de Andrade
| | | | | |
|
|
|
Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos, Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Autoria : Carlos Drumond de Andrade
Formatação : Marte/JCarvalho
| | | | | | |
R |
|
No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra
Autoria : Carlos Drumond de Andrade
Formatação : Marte/JCarvalho
| | | | | | |
|
|
O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige, nem pede. Nada espera, mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas, feitas de sofrimento e de beleza. Por aquelas mergulha no infinito, e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona aquilo que foi grande e deslumbrante, o antigo amor, porém, nunca fenece e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança. Mais triste? Não. Ele venceu a dor, e resplandece no seu canto obscuro, tanto mais velho quanto mais amor.
Autoria : Carlos Drumond de Andrade
Formatação : Marte/JCarvalho
| | | | | | | | | |
|
|
|
|
Enviado: 25/10/2008 17:25 |
Os Ombros que Suportam o Mundo - Antologia Poética -
( Carlos Drummond de Andrade - Biografia - 1902/1987 )
“ Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa, venha a velhice, que é a velhice ? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. ”
| | | | | | | | | | | |
|
|
|
Recomeçar
Não importa onde você parou,
em que momento da vida você cansou,
o que importa é que é sempre possível e necessário "recomeçar".
Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo.
É renovas as esperanças na vida
E o mais importante: acreditar em você de novo.
sofreu muito neste periodo?
Foi aprendizado.
Chorou muito?
Foi limpeza da Alma.
Ficou com raiva das pessoas?
Foi para perdoá-las um dia.
Sentiu-se só por diversas vezes?
É porque fechaste as portas até para os anjos.
Acreditou que tudo estava perdido?
Era o início da tua melhora.
Pois é!
Agora é hora de iniciar,
de pensar na luz,
De encontrar o prazer nas coisas simples de novo.
Que tal um novo emprego?
Uma nova profissão?
Um corte de cabelo arrojado, diferente?
Um novo curso ou aquele velho desejo de aprender a pintar,
desenhar, aprender a dominar o computador, ou qualquer outra coisa?
Olha quanto desafio.
Quanta coisa neste mundão de Deus te esperando.
Tá se sentindo sozinho (a)?
Besteira!
Tem tanta gente que você afastou com teu "período de isolamento",
Tem tanta gente esperando um sorriso teu para "chegar"
perto de você.
Quando nos trancamos na tristeza nem nós mesmos nos suportamos.
Ficamos horríveis.
o mal humor vai comemdo nosso fígado,
até a boca fica amarga.
Recomeçar!
Hoje é um bom dia para começar novos desafios.
Onde você quer chegar?
Ir alto.
Sonhe alto, queira o melhor do melhor,
Queira boas coisas para a vida.
Pensamentos assim trazem para nós
aquilo que desejamos.
Se pensarmos pequeno, coisas pequenas teremos
já se desejamos fortemente o melhor
e principalmente lutarmos pelo melhor,
o melhor vai se instalar na nossa vida.
É hoje o dia da faxina mental.
Joga fora tudo o que te prende ao passado,
ao mundinho de coisas tristes,
fotos, peças de roupa,
papel de bala,
ingressos de cinema,
bilhetes de viagens,
e toda aquela tranqueira que juntamos quando nos julgamos
apaixonados.
Jogue tudo fora.
mas principalmente esvasie teu coração.
Fique pronto para a vida,
para um novo amor.
Lembre-se somos apaixonáveis,
somos sempre capazes de amar
muitas e muitas vezes
Afinal de contas,
nós somos o "Amor"
"Porque sou dotamanho daquilo que vejo
e não do tamanho da minha altura"
( Carlos Drummond De Andrade)
http://groups.msn.com/CantodaPoesia
http://groups.msn.com/SandraMellohomepage
http://groups.msn.com/AnjoEstelarhomepage
| | | | | | |
|
|
|
|
|
|
A paixão medida
Trocaica te amei, com ternura dáctila e gesto espondeu. Teus iambos aos meus com força entrelacei. Em dia alcmnico, o instinto ropálico rompeu, leonino, a porta pentmetra. Gemido trilongo entre breves murmúrios. E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico, senão a quebrada lembrança de latina, de grega, inumerável delícia?
Carlos Drummond de Andrade
| | | | | | | | | | | | |
|
|
|
|
Enviado: 25/10/2008 16:55 |
AUSêNCIA
Tenho razão de sentir saudade, tenho razão de te acusar. Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires foste embora. Detonaste o pacto. Detonaste a vida geral, a comum aquiescência de viver e explorar os rumos de obscuridade sem prazo sem consulta sem provocação até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora. Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas. Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem continuação, o ato em si, o ato que não ousamos nem sabemos ousar porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti, de nossa convivência em falas camaradas, simples apertar de mãos, nem isso, voz modulando sílabas conhecidas e banais que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades. Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade e da natureza nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o fizeste, porque te foste
| | |
|
|
POEMA ORELHA.
Esta é a orelha do livro por onde o poeta escuta se delem falam mal ou se o amam. Uma orelha ou uma boca sequiosa de palavras? São oito livros velhos e mais um livro novo de um poeta ainda mais velho que a vida viveu e contudo provoca a viver sempre e nunca. Oito livros que o tempo empurrou para longe de mim mais um livro sem tempo em que o poeta se contempla e se diz boa-tarde (ensaio de bom-noite, variante de bom-dia, que tudo é o vasto dia em seus compartimentos nem sempre respiráveis e todos habitados enfim.) Não me leias se buscas flamante novidade ou sopro de Camões. Aquilo que revelo e o mais que segue oculto em vítreos alçapões são notícias humanas, simples estar-no-mundo, e brincos de palavra, um não-estar-estando, mas que tal jeito urdidos o jogo e a confissão que nem ditongo eu mesmo o vivido e o inventado. Tudo vivido? Nada. Nada vivido? Tudo. A orelha pouco explica de cuidados terrenos; e a poesia mais rica é um sinal de menos.
( Drummond de Andrade)
| | | | | | | | | |
|
|
"Para o Sexo a Expirar"
(Carlos Drummond de Andrade)
Para o sexo a expirar, eu me volto, expirante. Raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo. Amor, amor, amor - o braseiro radiante que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.
Pobre carne senil, vibrando insatisfeita, a minha se rebela ante a morte anunciada. Quero sempre invadir essa vereda estreita onde o gozo maior me propicia a amada.
Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo, quem sabe? enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer antes que, deliciosa, a exploração acabe.
Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo, e assim possa eu partir, em plenitude o ser, de sêmen aljofrando o irreparável ermo.
ANY®ø?ä
| | | | |
| | | | | |
Responder
|
|
POETA
Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos, Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Carlos Drumond de Andrade
| | | | | | | | | |
|
|
|
APARIçãO AMOROSA
Doce fantasma, por que me visitas como em outros tempos nossos corpos se visitavam? Tua transparência roça-me a pele, convida a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca um beijo recebeu de rosto consumido. Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz, mesma voz, mesmo timbre, mesmas leves sílabas, e aquele mesmo longo arquejo em que te esvaías de prazer, e nosso final descanso de camurça.
Então, convicto, ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve e continua existindo, puro som. Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste e beijo, beijo intensamente o nada. Amado ser destruído, por que voltas e és tão real assim tão ilusório? Já nem distingo mais se és sombra ou sombra sempre foste, e nossa história invenção de livro soletrado sob pestanas sonolentas. Terei um dia conhecido teu vero corpo como hoje o sei de enlaçar o vapor como se enlaça uma idéia platônica no espaço?
O desejo perdura em ti que já não és, querida ausente, a perseguir-me, suave? Nunca pensei que os mortos o mesmo ardor tivessem de outros dias e no-lo transmitissem com chupadas de fogo aceso e gelo matizados.
Tua visita ardente me consola. Tua visita ardente me desola. Tua visita, apenas uma esmola.
Carlos Drummond de Andrade
|
|
FELIZ OLHAR NOVO!!!
Carlos D. de Andrade
"O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho da sua história. O grande lance é viver cada momento como se a receita da felicidade fosse o AQUI e o AGORA. Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o pneu fura, chove demais... Mas, pensa só: tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia? Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho? Quero viver bem. 2006 foi um ano cheio.
Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de problemas e desilusões. Normal. às vezes se espera demais das pessoas. Normal. A grana que não veio, o amigo que decepcionou, o amor que acabou. Normal.2007 não vai ser diferente.
Muda o século, o milênio muda, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí? Fazer o quê? Acabar com seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança? O que eu desejo para todos nós é sabedoria! E que todos saibamos transformar tudo em uma boa experiência! Que todos consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida. Não pode ser responsável por um dia ruim... Entender o amigo que não merece nossa melhor parte. Se ele decepcionou, passe-o para a categoria 3, a dos amigos. Ou mude de classe, transforme-o em colega. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém. O nosso desejo não se realizou? Beleza, não tava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento (me lembro sempre de um lance que eu adoro: CUIDADO COM SEUS DESEJOS, ELES PODEM SE TORNAR REALIDADE.)
Chorar de dor, de solidão, de tristeza, faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso. Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam diferentes. Desejo para todo mundo esse olhar especial. 2007 pode ser um ano especial, muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos e dermos a volta nisso. Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro. 2007 pode ser o bicho, o máximo, maravilhoso, lindo, espetacular... ou... Pode ser puro orgulho! Depende de mim, de você! Pode ser.
E que seja!!! Feliz olhar novo!!! Que a virada do ano não seja somente uma data, mas um momento para repensarmos tudo o que fizemos e que desejamos, afinal sonhos e desejos podem se tornar realidade somente se fizermos jus e acreditamos neles!"
| | | | | | | | | | | |
|
|
Nesta cidade do Rio, de dois milhões de habitantes, estou sozinho no quarto, estou sozinho na América.
Estarei mesmo sozinho? Ainda há pouco um ruído anunciou vida ao meu lado. Certo não é vida humana, mas é vida. E sinto a bruxa presa na zona de luz.
De dois milhões de habitantes! E nem precisava tanto... Precisava de um amigo, desses calados, distantes, que lêem verso de Horácio mas secretamente influem na vida, no amor, na carne. Estou só, não tenho amigo, e a essa hora tardia como procurar amigo?
E nem precisava tanto. Precisava de mulher que entrasse neste minuto, recebesse este carinho, salvasse do aniquilamento um minuto e um carinho loucos que tenho para oferecer.
Em dois milhões de habitantes, quantas mulheres prováveis interrogam-se no espelho medindo o tempo perdido até que venha a manhã trazer leite, jornal e clama. Porém a essa hora vazia como descobrir mulher?
Esta cidade do Rio! Tenho tanta palavra meiga, conheço vozes de bichos, sei os beijos mais violentos, viajei, briguei, aprendi. Estou cercado de olhos, de mãos, afetos, procuras. Mas se tento comunicar-me o que há é apenas a noite e uma espantosa solidão.
Companheiros, escutai-me! Essa presença agitada querendo romper a noite não é simplesmente a bruxa. É antes a confidência exalando-se de um homem.
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond
| | | | |
|
|
|
.
Indagação
Como é o corpo? Como é o corpo da mulher? Onde começa: aqui no chão Ou na cabeleira, e vem descendo? Como é a perna subindo e vai subindo Até onde? Vê-la num corisco é uma dor No peito, a terra treme. Diz-que na mulher tem partes lindas E nunca se revelam.
Maciezas Redondas. Como fazem Nuas, na bacia, se lavando, Para não se verem nuas nuas nuas? Por que dentro do vestido muitos outros vestidos e brancuras e engomados, Até onde? Quando é que já sem roupa É ela mesma, só mulher? E como que faz Quando que faz Se é que faz O que fazemos todos porcamente?
Carlos Drummond de Andrade
| | | | | | | | |
|
|
A DOR DO NãO VIVIDO
Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advêm das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!!! A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e de que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.
(Carlos Drummond de Andrade)
| | | | | | | | | |
|
|
|
|
VERBO SER
Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer?
Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser Esquecer.
(Carlos Drummond de Andrade)
| | | | | | |
|
|
Memória
Carlos Drumond de Andrade
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Não pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
| | | | | | | | | | | |
|
|
Ausência
Carlos Drummond de Andrade
Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim. | | | | | | | | |
|
|
|
Soneto da perdida esperança
Perdi o bonde e a esperança. Volto pálido para casa. A rua é inútil e nenhum auto passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta em que os caminhos se fundem. Todos eles conduzem ao princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo ou se alguém que se diverte por que não? na noite escassa
com um insolúvel flautim Entretanto há muito tempo nós gritamos: sim! ao eterno.
Carlos Drummond de Andrade
| |
|
| | |
|
| | |
| | | |
|
|
Acordar ... Viver ...
Carlos Drummond de Andrade
Como acordar sem sofrimento? Recomeçar sem horror? O sono transportou-me àquele reino onde não existe vida e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte, a fábula inconclusa, suportar a semelhança das coisas ásperas de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas que rasga em mim o acontecimento, qualquer acontecimento que lembra a Terra e sua púrpura demente? E mais aquela ferida que me inflijo a cada hora, algoz do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.
| | | | | | | | | | | |
|
|
Congresso Internacional do Medo
Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, não cantaremos o ódio porque esse não existe, existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond
| | | | | | | | | |
|
|
Receita de Ano Novo
Carlos Drummond de Andrade
Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido) para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) novo, espontneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?)
Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumidas nem parvamente acreditar que por decreto de esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.
| | | | | | | | | | | | | | | | | |
|
|
|
Reverência ao Destino..
|
|
Falar é completamente fácil, quando se tem palavras
em mente que expressem sua opinião. Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente
queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstncias. Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar
fazer diferente algo que já fez muito errado.
Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer
o que ele deseja ouvir. Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre
a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz.
Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar
sobre esta situação. Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer. Ou ter coragem pra fazer.
Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando
algo o deixa irritado. Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente
te conhece, te respeita e te entende. E é assim que perdemos pessoas especiais.
Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar. Difícil é mentir para o nosso coração. Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto. Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil. Fácil é dizer "oi" ou "como vai?" Difícil é dizer "adeus". Principalmente quando somos culpados pela partida
de alguém de nossas vidas...
Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados. Difícil é sentir a energia que é transmitida. Aquela que toma conta do corpo como uma corrente
elétrica quando tocamos a pessoa certa.
Fácil é querer ser amado. Difícil é amar completamente só. Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois.
Amar e se entregar. E aprender a dar valor
somente a quem te ama.
Fácil é ouvir a música que toca. Difícil é ouvir a sua consciência. Acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.
Fácil é ditar regras. Difícil é seguí-las. Ter a noção exata de nossas próprias vidas,
ao invés de ter noção das vidas dos outros.
Fácil é perguntar o que deseja saber. Difícil é estar preparado para escutar esta resposta. Ou querer entender a resposta.
Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade. Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir,
de alegria.
Fácil é dar um beijo. Difícil é entregar a alma. Sinceramente, por inteiro.
Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida. Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como
você é e te fazer feliz por inteiro .
Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica. Difícil é ocupar o coração de alguém. Saber que se é realmente amado. Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho.
Carlos Drumonnd de Andrade
|
| | | | |
|
|
Cometas , Astros com Cabeleira ...
Olho o cometa com delumbrado horror de sua cauda que vai bater na Terra e o mundo explode. Não estou preparado! Quem está, para morrer? O céu é dia, um dia mais bonito do que o dia. O sentimento crava unhas em mim: não tive tempo nem mesmo de pecar, ou pequei bem? Como irei a DEUS sem boas obras, e que são boas obras? O cometa chicoteia de luz a minha vida e tudo que não fiz brilhar em diadema e tudo é lindo. Ninguém chora nem grita. A luz total de nossa morte faz um espetáculo...
Drummond de Andrade | | |
|
|
TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO
Eu também já fui brasileiro Moreno como vocês. Ponteei viola, guiei forde e aprendi na mesa dos bares que o nacionalismo é uma virtude Mas há uma hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta. Bastava olhar para mulher, pensava logo nas estrelas e outros substantivos celestes. Mas eram tantas, o céu tamanho, minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo. Fazia isto, dizia aquilo. E meus amigos me queriam, meus inimigos me odiavam. Eu irônico deslizava satisfeito de ter meu ritmo. Mas acabei confundindo tudo. Hoje não deslizo mais não, não sou irónico mais não, não tenho ritmo mais não.
De Alguma poesia (1930)
| | |
| | | |
|
|
CAMPO DE FLORES
Carlos Drummond de Andrade
Deus me deu um amor no tempo de madureza, quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme. Deus - ou foi talvez o Diabo - deu-me este amor maduro, e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.
Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos e outros acrescento aos que amor já criou. Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.
Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia e cansado de mim julgava que era o mundo um vácuo atormentado, um sistema de erros. Amanhecem de novo as antigas manhãs que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.
Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra imensa e contraída como letra no muro e só hoje presente. Deus me deu um amor porque o mereci. De tantos que já tive ou tiveram em mim, o sumo se espremeu para fazer um vinho ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.
E o tempo que levou uma rosa indecisa a tirar sua cor dessas chamas extintas era o tempo rriais justo. Era tempo de terra. Onde não há jardim, as flores nascem de um secreto investimento em formas improváveis.
Hoje tenho um amor e me faço espaçoso para arrecadar as alfaias de muitos amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes e ao vê-los amorosos e transidos em torno, o sagrado terror converto em jubilação.
Seu grão de angústia amor já me oferece na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura e o mistério que além faz os seres preciosos à visáo extasiada.
Mas, porque me tocou um amor crepuscular, há que amar diferente. De uma grave paciência ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia tenha dilacerado a melhor doação. Há que amar e calar. Para fora do tempo arrasto meus despojos e estou vivo na luz que baixa e me confunde.
| | | | | | | |
|
|
A Verdade
Carlos Drummond de Andrade
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com o mesmo perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
| | | | | | | |
|
|
|
Família que me dei Infncia
(Alguma poesia)
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé
Comprida história que não acabava mais.
No meio dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longe da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso /café bom.
Minha mãe ficara em casa cosendo
Olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que a minha história
era mais bonita que a de Robinson Crosoé.
(Drumond de Andrade)
|
|
|
POEMA-ORELHA
Esta é a orelha do livro por onde o poeta escuta se delem falam mal ou se o amam. Uma orelha ou uma boca sequiosa de palavras? São oito livros velhos e mais um livro novo de um poeta ainda mais velho que a vida viveu e contudo provoca a viver sempre e nunca. Oito livros que o tempo empurrou para longe de mim mais um livro sem tempo em que o poeta se contempla e se diz boa-tarde (ensaio de bom-noite, variante de bom-dia, que tudo é o vasto dia em seus compartimentos nem sempre respiráveis e todos habitados enfim.) Não me leias se buscas flamante novidade ou sopro de Camões. Aquilo que revelo e o mais que segue oculto em vítreos alçapões são notícias humanas, simples estar-no-mundo, e brincos de palavra, um não-estar-estando, mas que tal jeito urdidos o jogo e a confissão que nem ditongo eu mesmo o vivido e o inventado. Tudo vivido? Nada. Nada vivido? Tudo. A orelha pouco explica de cuidados terrenos; e a poesia mais rica é um sinal de menos.
Drummond de Andrade
............................................................
|
|
| | | | |
| | | |
|
|
Congresso Internacional do Medo
Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, não cantaremos o ódio porque esse não existe, existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond
| | | | |
|
|
|
|
E agora José ?
Drummond de Andrade
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
E agora ,José?
|
| | | | |
| | | | | | | | | | |
|
|
A Máquina do Mundo
Carlos Drummond de Andrade
E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma ou sopro ou eco ou simples percussão atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável, em colóquio se estava dirigindo: "O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou, mesmo afetando dar-se ou se rendendo, e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza sobrante a toda pérola, essa ciência sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida, esse nexo primeiro e singular, que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente em que te consumiste... vê, contempla, abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios, o que nas oficinas se elabora, o que pensado foi e logo atinge
distncia superior ao pensamento, os recursos da terra dominados, e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre ou se prolonga até nos animais e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios, dá volta ao mundo e torna a se engolfar, na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas, suas verdades altas mais que todos monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene sentimento de morte, que floresce no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance e me chamou para seu reino augusto, afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder a tal apelo assim maravilhoso, pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo de ver desvanecida a treva espessa que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas presto e fremente não se produzissem a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando, e como se outro ser, não mais aquele habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade que, já de si volúvel, se cerrava semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas; como se um dom tardio já não fora apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso, desdenhando colher a coisa oferta que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas, pedregosa, e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo, enquanto eu, avaliando o que perdera, seguia vagaroso, de mãos pensas.
Este poema foi escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os tempos por um grupo significativo de escritores e críticos, a pedido do caderno “
MAIS” (edição de 02-01-2000), publicado aos domingos pelo jornal “Folha de São Paulo”. Publicado originalmente no livro “Claro Enigma”, o texto acima foi extraído do livro “Nova Reunião”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1985, pág. 300.
| | | | | | | | | | | | | | | | | | |
|
|
Estória de João-Joana
Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo
|
|
Meu leitor, o sucedido em Lajes do Caldeirão é caso de muito ensino, merecedor de atenção. Por isso é que me apresento fazendo esta relação.
Vivia em dito arraial do país das Alagoas um rapaz chamado João cuja força era das boas pra sujigar burro bravo, tigres, onças e leoas.
João, lhe deram este nome não foi de letra em cartório pois sua mãe e seu pai viviam de peditório. Gente assim do miserê nunca soube o que é casório.
Ficou sendo João, pois esse é nome de qualquer um. Não carece excogitar, pedir a doutor nenhum, que a sentença vem do Céu, não de lá do Barzabum.
De pequeno ficou órfão, criado por seus dois manos. Foi logo para o trabalho com muitos outros fulanos e seu muque, sem mentira, era o de três otomanos.
Na enxada, quem que vencia aquele tico de gente. No boteco, se ele entrava pra bochechar aguardente, o saudavam com respeito Deus lhe salve, meu parente.
João moço não enjeitava parada com sertanejo. Podiam brincar com ele sem carregar no gracejo. Dizia que homem covarde não é cabra, é percevejo.
Um dia de calor desses que tacam fogo no agreste, João suava que suava sem despir a sua veste. Companheiro, essa camisa não é coisa que moleste?
lhe perguntou um amigo que estava de peito nu. E João se calado estava nem deu pio de nambu. Ninguém nunca viu seu pêlo, nem por trás do murundu.
João era muito avexado na hora de tomar banho. Punha tranca no barraco fugindo a qualquer estranho. Em Lajes nenhum varão tinha recato tamanho.
João nas últimas semanas entrou a sofrer de inchaço. Mesmo assim arranca toco sem se carpir de cansaço. Um dia, não güenta mais, exclama: O que é que eu faço?
Os manos vendo naquilo coisa mei desimportante, logo receitam de araque meizinha sem variante para qualquer macacoa: Carece tomar purgante.
João entrou no purgativo louco de dor e de medo se entorcendo e contorcendo na solidão do arvoredo pois ele em sua aflição lá se escondera bem cedo.
O gemido que exalava do peito de João sozinho alertou os seus dois manos que foram ver de mansinho como é que aquele bravo se tornara tão fraquinho.
No chão de terra, essa terra que a todos nós vai comer, chorava uma criancinha acabada de nascer, E João, de peito desnudo, acarinhava este ser.
Aquela cena imprevista causou a maior surpresa. O que tanto se ocultara se mostrava sem defesa. João deixara de ser João por força da natureza.
A mulher surgia nele ao mesmo tempo que o filho, tal qual se brotassem junto a espiga com o pé de milho, ou como bala que estoura sem se puxar o gatilho.
Se os manos levaram susto, até eu, que apenas conto. E o povo todo, assuntando a estória ponto por ponto, ficou em breve inteirado do que aí vai sem desconto.
Nem menino nem menina era João quando nasceu. A mãe, sem saber ao certo, o nome de João lhe deu, dizendo: Vai vestir calça e não saia que nem eu.
à proporção que crescia feito animal na campina, em João foi-se acentuando a condição feminina, mas ele jamais quis ser tratado feito menina.
Pois nesse triste povoado e cem léguas ao redor, ser homem não é vantagem mas ser mulher é pior. Quem vê claro já conclui: de dois males o menor.
Homem é grão de poeira na estrada sem horizonte; mulher nem chega a ser isso e tem de baixar a fronte ante as ruindades da vida, de altura maior que um monte.
A sorte, se presenteia a todos doença e fome, para as mulheres capricha num privilégio sem nome. Colhe miséria maior e diz à coitada: Tome.
É forma de escravidão a infinita pobreza, mas duas vezes escrava é a mulher com certeza, pois escrava de um escravo pode haver maior dureza?
Por isso aquela mocinha fez tudo para iludir aos outros e ao seu destino. Mas rola não é tapir e chega lá um momento da natureza explodir.
João vira Joana: acontecem dessas coisas sem preceito. No seu colo está Joãozinho mamando leite de peito. Pelo menos esse aqui de ser homem tem direito.
De ser homem: de escolher o seu próprio sofrimento e de escrever com peixeira a lei do seu mandamento quando à falta de outra lei ou eu fujo ou arrebento.
Joana desiste de tudo que ganhara por mentira. Sabe que agora lhe resta apenas do saco a embira. E nem mesmo lhe aproveita esta minha pobre lira.
Saibam quantos deste caso houverem ciência, que a vida não anda, em favor e graça, igualmente repartida, e que dor ensombra a falta de amor, de paz e comida.
Meu leitor (não eleitor, que eu nada te peço a ti senão me ler com paciência de Minas ao Piauí): tendo contado meu conto, adeus, me despeço aqui.
Esse cordel musical de autoria de Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo, foi gravado no Estúdio Transamérica - Rio de Janeiro, em fevereiro, março e abril de 1985, com voz e arranjo de Sérgio Ricardo, orquestração de Radamés Gnattali e regência de Alexandre Gnattali.
Foi extraído do livro "Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 2002, pág. 617.
| | | | | | | |
|
|
|
|
Estória de João-Joana
Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo
|
|
Meu leitor, o sucedido em Lajes do Caldeirão é caso de muito ensino, merecedor de atenção. Por isso é que me apresento fazendo esta relação.
Vivia em dito arraial do país das Alagoas um rapaz chamado João cuja força era das boas pra sujigar burro bravo, tigres, onças e leoas.
João, lhe deram este nome não foi de letra em cartório pois sua mãe e seu pai viviam de peditório. Gente assim do miserê nunca soube o que é casório.
Ficou sendo João, pois esse é nome de qualquer um. Não carece excogitar, pedir a doutor nenhum, que a sentença vem do Céu, não de lá do Barzabum.
De pequeno ficou órfão, criado por seus dois manos. Foi logo para o trabalho com muitos outros fulanos e seu muque, sem mentira, era o de três otomanos.
Na enxada, quem que vencia aquele tico de gente. No boteco, se ele entrava pra bochechar aguardente, o saudavam com respeito Deus lhe salve, meu parente.
João moço não enjeitava parada com sertanejo. Podiam brincar com ele sem carregar no gracejo. Dizia que homem covarde não é cabra, é percevejo.
Um dia de calor desses que tacam fogo no agreste, João suava que suava sem despir a sua veste. Companheiro, essa camisa não é coisa que moleste?
lhe perguntou um amigo que estava de peito nu. E João se calado estava nem deu pio de nambu. Ninguém nunca viu seu pêlo, nem por trás do murundu.
João era muito avexado na hora de tomar banho. Punha tranca no barraco fugindo a qualquer estranho. Em Lajes nenhum varão tinha recato tamanho.
João nas últimas semanas entrou a sofrer de inchaço. Mesmo assim arranca toco sem se carpir de cansaço. Um dia, não güenta mais, exclama: O que é que eu faço?
Os manos vendo naquilo coisa mei desimportante, logo receitam de araque meizinha sem variante para qualquer macacoa: Carece tomar purgante.
João entrou no purgativo louco de dor e de medo se entorcendo e contorcendo na solidão do arvoredo pois ele em sua aflição lá se escondera bem cedo.
O gemido que exalava do peito de João sozinho alertou os seus dois manos que foram ver de mansinho como é que aquele bravo se tornara tão fraquinho.
No chão de terra, essa terra que a todos nós vai comer, chorava uma criancinha acabada de nascer, E João, de peito desnudo, acarinhava este ser.
Aquela cena imprevista causou a maior surpresa. O que tanto se ocultara se mostrava sem defesa. João deixara de ser João por força da natureza.
A mulher surgia nele ao mesmo tempo que o filho, tal qual se brotassem junto a espiga com o pé de milho, ou como bala que estoura sem se puxar o gatilho.
Se os manos levaram susto, até eu, que apenas conto. E o povo todo, assuntando a estória ponto por ponto, ficou em breve inteirado do que aí vai sem desconto.
Nem menino nem menina era João quando nasceu. A mãe, sem saber ao certo, o nome de João lhe deu, dizendo: Vai vestir calça e não saia que nem eu.
à proporção que crescia feito animal na campina, em João foi-se acentuando a condição feminina, mas ele jamais quis ser tratado feito menina.
Pois nesse triste povoado e cem léguas ao redor, ser homem não é vantagem mas ser mulher é pior. Quem vê claro já conclui: de dois males o menor.
Homem é grão de poeira na estrada sem horizonte; mulher nem chega a ser isso e tem de baixar a fronte ante as ruindades da vida, de altura maior que um monte.
A sorte, se presenteia a todos doença e fome, para as mulheres capricha num privilégio sem nome. Colhe miséria maior e diz à coitada: Tome.
É forma de escravidão a infinita pobreza, mas duas vezes escrava é a mulher com certeza, pois escrava de um escravo pode haver maior dureza?
Por isso aquela mocinha fez tudo para iludir aos outros e ao seu destino. Mas rola não é tapir e chega lá um momento da natureza explodir.
João vira Joana: acontecem dessas coisas sem preceito. No seu colo está Joãozinho mamando leite de peito. Pelo menos esse aqui de ser homem tem direito.
De ser homem: de escolher o seu próprio sofrimento e de escrever com peixeira a lei do seu mandamento quando à falta de outra lei ou eu fujo ou arrebento.
Joana desiste de tudo que ganhara por mentira. Sabe que agora lhe resta apenas do saco a embira. E nem mesmo lhe aproveita esta minha pobre lira.
Saibam quantos deste caso houverem ciência, que a vida não anda, em favor e graça, igualmente repartida, e que dor ensombra a falta de amor, de paz e comida.
Meu leitor (não eleitor, que eu nada te peço a ti senão me ler com paciência de Minas ao Piauí): tendo contado meu conto, adeus, me despeço aqui.
Esse cordel musical de autoria de Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo, foi gravado no Estúdio Transamérica - Rio de Janeiro, em fevereiro, março e abril de 1985, com voz e arranjo de Sérgio Ricardo, orquestração de Radamés Gnattali e regência de Alexandre Gnattali.
Foi extraído do livro "Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 2002, pág. 617.
| |
|
|
Primer
Anterior
2 a 14 de 14
Siguiente
Último
|