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Castro Alves
Mater dolorosa
Deixa-me murmurar à tua ali adeus eterno, em vez de lá chorar sangue, chorar o sangue! meu coração sobre meu filho; tu deves morrer, meu filho, tu deves morrer.
Nathaniel Lee
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Meu Filho, dorme, dorme o sono eterno No berço imenso, que se chama - o céu. Pede às estrelas um olhar materno, Um seio quente, como o seio meu.
Ai! borboleta, na gentil crisálida, As asas de ouro vais além abrir. Ai! rosa branca no matiz tão pálida, Longe, tão longe vais de mim florir.
Meu filho, dorme Como ruge o norte Nas folhas secas do sombrio chão! Folha destalma como dar-te à sorte? É tredo, horrível o feral tufão!
Não me maldigas... Num amor sem termo Bebi a força de matar-te a mim Viva eu cativa a soluçar num ermo Filho, sê livre... Sou feliz assim...
- Ave - te espera da lufada o açoite, - Estrela - guia-te uma luz falaz. - Aurora minha - só te aguarda a noite, - Pobre inocente - já maldito estás.
Perdão, meu filho... se matar-te é crime Deus me perdoa... me perdoa já. A fera enchente quebraria o vime... Velem-te os anjos e te cuidem lá.
Meu filho dorme... dorme o sono eterno No berço imenso, que se chama o céu. Pede às estrelas um olhar materno, Um seio quente, como o seio meu.
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Fados contrários
NUM ÁLBUM
DIZ à FLOR a borboleta: "Vamos, irmã, tudo é luz! Há muito prisma doirado Que pelos ares transluz... Tuas pétalas são asas... Das nuvens nas tênues gazas, Daurora nos seios nus Tens um ninho entre perfumes... Vamos boiar, entre lumes Desses páramos azúis".
A linda filha dos ares, Responde a silvestre flor: "Eu amo o gemer das auras E o beijo do beija-flor... Se és do céu a violeta, Sigo um destino menor. Buscas o céu — eu a alfombra, Queres a luz — quero a sombra, Pedes glória — eu peço amor.
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MESTRE
Mestre, Mestre querido, Pai de Amor, As glórias que conquistas coa razão, Enchendo de prazer teu coração Tatraem grandes bençãos do Senhor!
Os teus louros têm mais vivo fulgor, Que os ganhos ao ribombo do canhão; Que os de um Aníbal, dum Napoleão, Alcançados das mortes entre o horror.
Sim! Que os louros terríveis que Mavorte Ao soldado concede em dura guerra, Todos murcha a idéia só da morte!
Mas nos teus vero mérito se encerra, Que não cede do tempo ao braço forte, E alcançam justo prêmio além da terra!...
Castro Alves |
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Antítese
CASTRO ALVES
O seu prêmio? — O desprezo e uma carta de alforria quando tens gastas as forças e não pode mais ganhar a subsistência. Maciel Pinheiro
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Cintila a festa nas salas! Das serpentinas de prata Jorram luzes em cascata Sobre sedas e rubins. Soa a orquestra ... Como silfos Na valsa os pares perpassam, Sobre as flores, que se enlaçam Dos tapetes nos coxins.
Entanto a névoa da noite No átrio, na vasta rua, Como um sudário flutua Nos ombros da solidão. E as ventanias errantes, Pelos ermos perpassando, Vão se ocultar soluçando Nos antros da escuridão.
Tudo é deserto. . . somente à praça em meio se agita Dúbia forma que palpita, Se estorce em rouco estertor.
— Espécie de cão sem dono Desprezado na agonia, Larva da noite sombria, Mescla de trevas e horror.
É ele o escravo maldito, O velho desamparado, Bem como o cedro lascado, Bem como o cedro no chão. Tem por leito de agonias As lájeas do pavimento, E como único lamento Passa rugindo o tufão.
Chorai, orvalhos da noite, Soluçai, ventos errantes. Astros da noite brilhantes Sede os círios do infeliz! Que o cadáver insepulto, Nas praças abandonado, É um verbo de luz, um brado Que a liberdade prediz.
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Castro Alves
A queimada
MEU NOBRE perdigueiro! vem comigo. Vamos a sós, meu corajoso amigo, Pelos ermos vagar! Vamos Já dos gerais, que o vento açoita, Dos verdes capinais nagreste moita A perdiz levantar!...
Mas não!... Pousa a cabeça em meus joelhos... Aqui, meu cão! ... Já de listrões vermelhos O céu se iluminou. Eis súbito da barra do ocidente, Doudo, rubro, veloz, incandescente, O incêndio que acordou!
A floresta rugindo as comas curva... As asas foscas o gavião recurva, Espantado a gritar. O estampido estupendo das queimadas Se enrola de quebradas em quebradas, Galopando no ar.
E a chama lavra qual jibóia informe, Que, no espaço vibrando a cauda enorme, Ferra os dentes no chão... Nas rubras roscas estortega as matas.... Que espadanam o sangue das cascatas Do roto coração!...
O incêndio — leão ruivo, ensangüentado, A juba, a crina atira desgrenhado Aos pampeiros dos céus!... Travou-se o pugilato e o cedro tomba... Queimado..., retorcendo na hecatomba Os braços para Deus.
A queimada! A queimada é uma fornalha! A irara — pula; c cascavel — chocalha... Raiva, espuma o tapir! ... E às vezes sobre o cume de um rochedo A corça e o tigre — náufragos do medo — Vão trêmulos se unir !
Então passa-se ali um drama augusto... Núitimo ramo do pau-darco adusto O jaguar se abrigou... Mas rubro é o céu... Recresce o fogo em mares... E após tombam as selvas seculares... E tudo se acabou!...
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HEBRÉIA
Antônio de Castro Alves
Flos campi et lilium convallium (Cntico dos Cnticos)
Pomba desprança sobre um mar descolhos! Lírio do vale oriental, brilhante! Estrela vésper do pastor errante! Ramo de murta a recender cheirosa!. ..
Tu és, ó filha de Israel formosa... Tu és, ó linda, sedutora Hebréia... Pálida rosa da infeliz Judéia Sem ter o orvalho, que do céu deriva!
Por que descoras, quando a tarde esquiva Mira-se triste sobre o azul das vagas? Serão saudades das infindas plagas, Onde a oliveira no Jordão se inclina?
Sonhas acaso, quando o sol declina, A terra santa do Oriente imenso? E as caravanas no deserto extenso? E os pegureiros da palmeira à sombra?!...
Sim, fora belo na relvosa alfombra, Junto da fonte, onde Raquel gemera, Viver contigo qual Jacó vivera Guiando escravo teu feliz rebanho..
Depois nas águas de cheiroso banho Como Susana a estremecer de frio -- Fitar-te, ó flor do babilônio rio, Fitar-te a medo no salgueiro oculto...
Vem pois!... Contigo no deserto inculto, Fugindo às iras de Saul embora, Davi eu fora, -- se Micol tu foras, Vibrando na harpa do profeta o canto...
Não vês?... Do seio me goteja o pranto Qual da torrente do Cédron deserto!... Como lutara o patriarca incerto Lutei, meu anjo, mas caí vencido.
Eu sou o lótus para o chão pendido. Vem ser o orvalho oriental, brilhante!. Ai! guia o passo ao viajor perdido, Estrela vésper do pastor errante!...
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A CRUZ DA ESTRADA
Invideo quia quiescunt.
LUTHERO
( Tu que passas, descobre-te! Ali dorme O forte que morreu.
A. HERCULANO (Trad.)
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A CRUZ NA ESTRADA
Castro Alves
CAMINHEIRO que passa pela estrada, Seguindo pelo rumo do sertão, Quando vires a cruz abandonada, Deixa-a em paz dormir na solidão.
Que vale o ramo do alecrim cheiroso Que lhe atiras nos braços ao passar? Vais espantar o bando buliçoso Das borboletas, que lá vão pousar.
É de um escravo humilde sepultura, Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz. Deixa-o dormir no leito de verdura, Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.
Não precisa de ti. O gaturamo Geme, por ele, à tarde, no sertão. E a juriti, do taquaral no ramo. Povoa, soluçando a solidão.
Dentre os braços da cruz, a parasita, Num abraço de flores, se prendeu. Chora orvalhos a grama, que palpita; Lhe acende o vaga-lume o facho seu.
Quando, à noite, o silêncio habita as matas, A sepultura fala a sós com Deus. Prende-se a voz na boca das cascatas, E as asas de ouro aos astros lá nos céus.
Caminheiro! do escravo desgraçado O sono agora mesmo começou! Não lhe toques no leito de noivado, Há pouco a liberdade o desposou.
Recife, 22 de junho de 1865.
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Art by Iara
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4a SOMBRA - FABÍOLA
Como teu riso dói... como na treva Os lêmures respondem no infinito: Tens o aspecto do pássaro maldito, Que em snie de cadáveres se ceva!
Filha da noite! A ventania leva Um soluço de amor pungente, aflito... Fabíola!... É teu nome!... Escuta é um grito, Que lacerante para os céus seleva!...
E tu folgas, Bacante dos amores, E a orgia que a mantilha te arregaça, Enche a noite de horror, de mais horrores...
É sangue, que referve-te na taça! É sangue, que borrifa-te estas flores! E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!
Castro Alves
| | | Art by Iara | | | | |
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5a e 6a SOMBRAS -
CNDIDA E LAURA
Como no tanque de um palácio mago, Dous alvos cisnes na bacia lisa, Como nas águas que o barqueiro frisa, Dous nenúfares sobre o azul do lago,
Como nas hastes em balouço vago Dous lírios roxos que acalenta a brisa, Como um casal de juritis que pisa O mesmo ramo no amoroso afago....
Quais dous planetas na cerúlea esfera, Como os primeiros pmpanos das vinhas, Como os renovos nos ramais da hera,
Eu vos vejo passar nas noites minhas, Crianças que trazeis-me a primavera... Crianças que lembrais-me as andorinhas! ...
Castro Alves
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7a SOMBRA - DULCE
Se houvesse ainda talismã bendito Que desse ao pntano - a corrente pura, Musgo - ao rochedo, festa - à sepultura, Das águias negras - harmonia ao grito...,
Se alguém pudesse ao infeliz precito Dar lugar no banquete da ventura... E tocar-lhe o velar da insônia escura No poema dos beijos - infinito...,
Certo. . . serias tu, donzela casta, Quem me tomasse em meio do Calvário A cruz de angústias que o meu ser arrasta!. . .
Mas ,se tudo recusa-me o fadário, Na hora de expirar, ó Dulce, basta Morrer beijando a cruz de teu rosário!...
Castro Alves
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Fábula - O pássaro e a flor
Antônio de Castro Alves
Era num dia sombrio Quando um pássaro erradio Veio parar num jardim. Aí fitando uma rosa, Sua voz triste e saudosa, Pôs-se a improvisar assim.
"ó Rosa, ó Rosa bonita! Ó Sultana favorita Deste serralho de azul: Flor que vives num palácio, Como as princesas de Lácio, Como as filhas de Stambul.
Corno és feliz! Quanto eu dera Pela eterna primavera Que o teu castelo contém... Sob o cristal abrigada, Tu nem sentes a geada Que passa raivosa além.
Junto às estátuas de pedra Tua vida cresce, medra, Ao fumo dos narguillés, No largo vaso da China Da porcelana mais fina Que vem do Império Chinês.
O Inverno ladra na rua, Enquanto adormeces nua Na estufa até de manhã. Por escrava - tens a aragem O sol - é teu louro pajem. Tu és dele - a castelã.
Enquanto que eu desgraçado, Pelas chuvas ensopado, Levo o tempo a viajar, - Boêmio da média idade, Vou do castelo à cidade, Vou do mosteiro ao solar!
Meu capote roto e pobre Mal os meus ombros encobre Quanto à gorra... tu bem vês! ... Ai! meu Deus! se Rosa fora Como eu zombaria agora Dos louros dos menestréis!. . .
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Então por entre a folhagem Ao passarinho selvagem A rosa assim respondeu: "Cala-te, bardo dos bosques! Ai! não troques os quiosques Pela cúpula do céu.
Tu não sabes que delírios Sofrem as rosas e os lírios Nesta dourada prisão. Sem falar com as violetas. Sem beijar as borboletas, Sem as auras do sertão.
Molha-te a fria geada... Que importa? A loura alvorada Virá beijar-te amanhã. Poeta, romperás logo, A cada beijo de fogo, Na cantilena louçã.
Mas eu?! Nas salas brilhantes Entre as tranças deslumbrantes A virgem me enlaçará Depois cadáver de rosa A valsa vertiginosa Por sobre mim rolará.
Vai, Poeta... Rompe os ares Cruza a serra, o vale, os mares Deus ao chão não te amarrou! Eu calo-me - tu descansas, Eu rojo - tu te levantas, Tu és livre - escrava eu sou! ...
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MULHER DO MEU AMOR
Mulher do meu amor : quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas do teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento.
(Castro Alves) | | | |
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AQUI
Aqui, onde o talento verdadeiro Não nega o povo o merecido preito; Aqui onde no público respeito Se conquista o brasão mais lisonjeiro.
Aqui onde o gênio sobranceiro E, de torpes calúnias, ao efeito, Jesuína, dos zoilos a despeito, És tu que ocupas o lugar primeiro!
Repara como o povo te festeja... Vê como em teu favor se manifesta, Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!
Fazes bem desprezar quem te molesta; Ser indifrente ao regougar da inveja, "Das almas grandes a nobreza é esta."
Castro Alves | | | | | |
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SONETO - 1 - Aqui, onde o talento verdadeiro Não nega o povo o merecido preito; Aqui onde no público respeito Se conquista o brasão mais lisonjeiro. Aqui onde o gênio sobranceiro E, de torpes calúnias, ao efeito, Jesuína, dos zoilos a despeito, És tu que ocupas o lugar primeiro! Repara como o povo te festeja... Vê como em teu favor se manifesta, Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja! Fazes bem desprezar quem te molesta; Ser indif'rente ao regougar da inveja, "Das almas grandes a nobreza é esta." Castro Alves |
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2a SOMBRA - BÁRBORA Erguendo o cálix que o Xerez perfuma. Loura a trança alastrando-lhe os joelhos, Dentes níveos em lábios tão vermelhos, Como boiando em purpurina escuma; Um dorso de Valquíria... alvo de bruma, Pequenos pés sob infantis artelhos, Olhos vivos, tão vivos, como espelhos, Mas como eles também sem chama alguma; Garganta de um palor alabastrino, Que harmonias e músicas respira... No lábio - um beijo... no beijar - um hino; Harpa eólia a esperar que o vento a fira, - Um pedaço de mármore divino... - É o retrato de Bárbara - a Hetaira. Castro Alves |
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