Estranho mimo aquele vaso! Vi-o, Casualmente, uma vez, de um perfumado Contador sobre o mármor luzidio, Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado, Nele pusera o coração doentio Em rubras flores de um sutil lavrado, Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura, Quem o sabe?... de um velho mandarim Também lá estava a singular figura.
Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a, Sentia um não sei quê com aquele chim De olhos cortados à feição de amêndoa.
Alberto de Oliveira
Trabalho e luz I
Luz e trabalho, eis a divisa imensa Da nova legião de um mundo novo. Das águias do porvir fecunde-se o ovo No vigor do trabalho unido à crença.
D'árvore humanidade à luz intensa Do livre ensino brota o são renovo Rico de luz se nobilita o povo Do trabalho na santa recompensa.
Trabalham para a luz almas, que alentam O brilho do trabalho. Os benefícios Da luz da educação a Deus contentam.
Trabalho e luz contra o furor dos vícios, No trabalho e na luz que a paz sustentam, Glória ao Liceu de Artes e de Ofícios.
Bernardo Guimarães
Trabalho e luz II
Trabalho e luz, mais luz e mais trabalho! Sem trabalho não pode dar-se a luz, Ao trabalho preside a diva luz E de noite sem luz não há trabalho.
O trabalho é saúde, é vida, é luz; Para ter uma luz, sempre trabalho; Sai sem luz, todo errado, o meu trabalho, Pois não há bom trabalho sem a luz.
Ora, a luz sendo o guia do trabalho Nada faz o trabalho sem a luz, E nem a luz é nada sem trabalho.
à força do trabalho obtém-se a luz Mas a luz não resplande sem trabalho Glória ao trabalho e luz, luz e trabalho.
Bernardo Guimarães
DANTON
PARECE-ME que o vejo iluminado. Erguendo delirante a grande fronte - De um povo inteiro o fúlgido horizonte Cheio de luz, de idéias constelado!
De seu crnio vulcão - a rubra lava Foi que gerou essa sublime aurora - Noventa e três - e a levantou sonora Na fronte audaz da populaça brava!
Olhando para a história - um século e a lente Que mostra-me o seu crnio resplandente Do passado através o véu profundo...
Há muito que tombou, mas inquebrável De sua voz o eco formidável Estruge ainda na razão do mundo!
Euclides da Cunha
MARAT
FOI A ALMA cruel das barricadas!... Misto de luz e lama!... se ele ria, As púrpuras gelavam-se e rangia Mais de um trono, se dava gargalhadas!...
Fanático da luz... porém seguia Do crime as torvas, lívidas pisadas. Armava, à noite, aos corações ciladas, Batia o despotismo à luz do dia.
No seu cérebro tremente negrejavam Os planos mais cruéis e cintilavam As idéias mais bravas e brilhantes.
Há muito que um punhal gelou-lhe o seio. Passou... deixou na história um rastro cheio De lágrimas e luzes ofuscantes.
Euclides da Cunha
ROBESPIERRE
ALMA INQUEBRÁVEL - bravo sonhador De um fim brilhante, de um poder ingente, De seu cérebro audaz, a luz ardente É que gerava a treva do Terror!
Embuçado num lívido fulgor Su'alma colossal, cruel, potente, Rompe as idades, lúgubre, tremente, Cheia de glórias, maldiç5es e dor!
Há muito que, soberba, ess'alma ardida Afogou-se cruenta e destemida - Num dilúvio de luz: Noventa e três...
Há muito já que emudeceu na história Mas ainda hoje a sua atroz memória É o pesadelo mais cruel dos reis!...
Euclides da Cunha
Suavemente Maio se insinua Por entre os véus de Abril, o mês cruel E lava o ar de anil, alegra a rua Alumbra os astros e aproxima o céu.
Até a lua, a casta e branca lua Esquecido o pudor, baixa o dossel E em seu leito de plumas fica nua A destilar seu luminoso mel.
Raia a aurora tão tímida e tão frágil que através de seu corpo transparente Dir-se-ia poder-se ver o rosto
Carregado de inveja e de presságio Dos irmãos Junho e Julho, friamente Preparando as catástrofes de Agosto...
Vinícius de Moraes
Dualismo
Não és bom, nem és mau: és triste e humano... Vives ansiando, em maldições e preces, Como se, a arder, no coração tivesses O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre, no bem como no mal, padeces; E, rolando num vórtice vesano, Oscilas entre a crença e o desengano, Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes, Não ficas das virtudes satisfeito, Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E, no perpétuo ideal que te devora, Residem juntamente no teu peito Um demônio que ruge e um deus que chora.
Olavo Bilac
O poeta descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia.
A cada canto um grande conselheiro, Que nos quer governar cabana e vinha; Não sabem governar sua cozinha, E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem freqüentado olheiro, Que a vida do vizinho e da vizinha Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha, Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados, Trazidos sob os pés os homens nobres, Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados, Todos os que não furtam muito pobres: E eis aqui a cidade da Bahia.
Gregório de Mattos
I
Para cantar de amor tenros cuidados, Tomo entre vós, ó montes, o instrumento; Ouvi pois o meu fúnebre lamento; Se é, que de compaixão sois animados:
Já vós vistes, que aos ecos magoados Do trácio Orfeu parava o mesmo vento; Da lira de Anfião ao doce acento Se viram os rochedos abalados. Bem sei, que de outros gênios o Destino, Para cingir de Apolo a verde rama, Lhes influiu na lira estro divino:
O canto, pois, que a minha voz derrama, Porque ao menos o entoa um peregrino, Se faz digno entre vós também de fama.
Cláudio Manuel da Costa
III
Pastores, que levais ao monte o gado, Vêde lá como andais por essa serra; Que para dar contágio a toda a terra, Basta ver se o meu rosto magoado:
Eu ando (vós me vêdes) tão pesado; E a pastora infiel, que me faz guerra, É a mesma, que em seu semblante encerra A causa de um martírio tão cansado.
Se a quereis conhecer, vinde comigo, Vereis a formosura, que eu adoro; Mas não; tanto não sou vosso inimigo:
Deixai, não a vejais; eu vo-lo imploro; Que se seguir quiserdes, o que eu sigo, Chorareis, ó pastores, o que eu choro.
Cláudio Manuel da Costa
A despedida do mau governo que fez o governador da Bahia.
Senhor Antão de Sousa de Menezes, Quem sobe ao alto lugar, que não merece, Homem sobe, asno vai, burro parece, Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes Transpõe em burro o herói que indigno cresce: Desanda a roda, e logo homem parece, Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi vossenhoria, Quando o pisava da fortuna a roda, Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois, alto! Vá descendo onde jazia, Verá quanto melhor se lhe acomoda Ser homem embaixo do que burro em cima.
Desponta a estrela d'alva, a noite morre. Pulam no mato alígeros cantores, E doce a brisa no arraial das flores Lnguidas queixas murmurando corre.
Volúvel tribo a solidão percorre Das borboletas de brilhantes cores; Soluça o arroio; diz a rola amores Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.
Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma às carícias da aurora, ao céu risonho, Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!
Porém minh'alma triste e sem um sonho Repete olhando o prado, o rio, a espuma: - Oh! mundo encantador, tu és medonho!
Roça
Cercada de mestiças, no terreiro, Cisma a Senhora Moça; vem descendo A noite, e pouco e pouco escurecendo O vale umbroso e o monte sobranceiro.
Brilham insetos no capim rasteiro, Vêm das matas os negros recolhendo; Na longa estrada ecoa esmorecendo O monótono canto de um tropeiro.
Atrás das grandes, pardas borboletas, Crianças nuas lá se vão inquietas Na varanda correndo ladrilhada.
Desponta a lua; o sabiá gorjeia; Enquanto às portas do curral ondeia A mugidora fila da boiada...
Gonçalves Crespo
Retrato de Mulher Triste
Vestiu-se para um baile que não há. Sentou-se com suas últimas jóias. E olha para o lado, imóvel.
Está vendo os salões que se acabaram, embala-se em valsas que não dançou, levemente sorri para um homem. O homem que não existiu.
Se alguém lhe disser que sonha, levantará com desdém o arco das sobrancelhas, Pois jamais se viveu com tanta plenitude.
Mas para falar de sua vida tem de abaixar as quase infantis pestanas, e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.
Cecília Meireles, in 'Poemas (1942-1959)'
SONETO 1
Pensas tu, bela Anarda, que os poetas Vivem d'ar, de perfumes, d'ambrosia? Que vagando por mares d'harmonia São melhores que as próprias borboletas?
Não creias que eles sejam tão patetas. Isso é bom, muito bom mas em poesia, São contos com que a velha o sono cria No menino que engorda a comer petas!
Talvez mesmo que algum desses brejeiros Te diga que assim é, que os dessa gente Não são lá dos heróis mais verdadeiros.
Eu que sou pecador, - que indiferente Não me julgo ao que toca aos meus parceiros, Julgo um beijo sem fim cousa excelente.
Gonçalves Dias
SONETO 2
Baixel veloz, que ao úmido elemento A voz no nauta experto afoito entrega, Demora o curso teu, perto navega Da terra onde me fica o pensamento!
Enquanto vais cortando o salso argento, Desta praia feliz não se desprega (Meus olhos, não, que amargo pronto os rega) Minha alma, sim, e o amor que é meu tormento.
Baixel, que vais fugindo despiedado, Sem temor dos contrastes da procela, Volta ao menos, que vais tão apressado,
Encontre-a eu gentil, mimosa e bela! E o pranto qu'ora verto amargurado, Possa eu verter então nos lábios dela!
Gonçalves Dias
SONETO
FAGUNDES VARELA
Eu passava na vida errante e vago Como o nauta perdido em noite escura, Mas tu teergueste peregrina e pura Como o cisne inspirado em manso lago.
Beijava a onda num soluço mago Das moles plumas e brilhante alvura, E a vos ungida de eternal docura Roçava as nuvens em divino afago.
Vi-te; e nas chamas de fervor profundo A teus pés afoguei a mocidade Esquecido de mim, de Deus, do mundo!
Mas ai cedo fugiste!... da soidade, Hoje te imploro desse amor tão fundo Uma idéia, uma queixa, uma saudade
SONETO 2
Baixel veloz, que ao úmido elemento A voz no nauta experto afoito entrega, Demora o curso teu, perto navega Da terra onde me fica o pensamento!
Enquanto vais cortando o salso argento, Desta praia feliz não se desprega (Meus olhos, não, que amargo pronto os rega) Minha alma, sim, e o amor que é meu tormento.
Baixel, que vais fugindo despiedado, Sem temor dos contrastes da procela, Volta ao menos, que vais tão apressado,
Encontre-a eu gentil, mimosa e bela! E o pranto qu'ora verto amargurado, Possa eu verter então nos lábios dela!
Gonçalves Dias
Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
Ao mundo esconde o Sol seus resplendores, e a mão da Noite embrulha os horizontes; não cantam aves, não murmuram fontes, não fala Pã na boca dos pastores.
Atam as Ninfas, em lugar de flores, mortais ciprestes sobre as tristes frontes; erram chorando nos desertos montes, sem arcos, sem aljavas, os Amores.
Vênus, Palas e as filhas da Memória, deixando os grandes templos esquecidos, não se lembram de altares nem de glória.
Andam os elementos confundidos: ah, Jônia, Jônia, dia de vitória sempre o mais triste foi para os vencidos!
Alvarenga Peixoto
FLOR DO MAR
És da origem do mar, vens do secreto, Do estranho mar espumaroso e frio Que põe rede de sonhos ao navio, E o deixa balouçar, na vaga, inquieto.
Possuis do mar o deslumbrante afeto, As dormências nervosas e o sombrio E torvo aspecto aterrador, bravio Das ondas no atro e proceloso aspecto.
Num fundo ideal de púrpuras e rosas Surges das águas mucilaginosas Como a lua entre a névoa dos espaços...
Trazes na carne o eflorescer das vinhas, Auroras, virgens musicas marinhas, Acres aromas de algas e sargaços...
Cruz e Souza
NIRVANA
Viver assim: sem ciúmes, sem saudades, Sem amor, sem anseios, sem carinhos, Livre de angústias e felicidades, Deixando pelo chão rosas e espinhos;
Poder viver em todas as idades; Poder andar por todos os caminhos; Indiferente ao bem e às falsidades, Confundindo chacais e passarinhos;
Passear pela terra, e achar tristonho Tudo que em torno se vê, nela espalhado; A vida olhar como através de um sonho;
Chegar onde eu cheguei, subir à altura Onde agora me encontro - é ter chegado Aos extremos da Paz e da Ventura!
Humberto de Campos
II
Celeste... É assim, divina, que te chamas. Belo nome tu tens, Dona Celeste... Que outro terias entre humanas damas, Tu que embora na terra do céu vieste?
Celeste... E como tu és do céu não amas: Forma imortal que o espírito reveste De luz, não temes sol, não temes chamas, Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.
Incoercível como a melancolia, Andas em tudo: o sol no poente vasto Pede-te a mágoa do findar do dia.
E a lua, em meio à noite constelada, Pede-te o luar indefinido e casto Da tua palidez de hóstia sagrada.
Alphonsus de Guimaraens
IV
Vagueiam suavemente os teus olhares Pelo amplo céu franjado em linho: Comprazem-te as visões crepusculares... Tu és uma ave que perdeu o ninho.
Em que nichos doirados, em que altares Repoisas, anjo errante, de mansinho? E penso, ao ver-te envolta em véus de luares, Que vês no azul o teu caixão de pinho.
És a essência de tudo quanto desce Do solar das celestes maravilhas... - Harpa dos crentes, cítola da prece...
Lua eterna que não tivesse fases, Cintilas branca, imaculada brilhas, E poeiras de astros nas sandálias trazes...