|  
      Os Grandes Forjam-se na Adversidade  Todo 
o ambiente é favorável ao forte; de um modo ou de outro ele o ajuda a cumprir a 
missão que se impôs e a conseguir ir porventura mais além das barreiras 
marcadas. A derrota deve mais atribuir-se à invalidez do impulso interior do que 
aos obstáculos que lhe ponham diante, mais à alma incapaz de se bater com vigor 
e tenazmente do que às resistências, às invejas e às dificuldades que o mundo 
possa levantar perante Hércules que luta. O mal que se vê é aguilhão para o 
bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito 
de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso; o querer se apura, 
a visão do futuro nos surge mais intensa a cada golpe novo; o contentamente e a 
mansa quietude são estufa para homens; por aí se habituaram a ser escravos de 
outros homens, ou da cega Natureza; e eu quero a terra povoada de rijos corações 
que seguem os calmos pensamentos e a mais nada se curvam.
   Mais 
custa quebrar rochar do que escavar a terra; mais sólido, porém, o edifício que 
nela se firmou. A grandeza da obra é quase sempre devida à dificuldade que se 
encontra nos meios a empregar, à indiferença que cerra os ouvidos do povo, e aos 
mil braços que logo se levantam para deter o arquitecto. Se cai em batalha, 
pobre dele, podemos lamentá-lo; não o chamara o Senhor para as grandes empresas; 
mas se pelo menos a voz se lhe erguer clara, firme, heróica no meio do 
turbilhão, não foram inúteis as dores e os esforços: algum dia um novo mundo se 
erguerá das brumas e o terá como profeta. Quem ia a perturbar ficará 
perturbado, quem ia a matar ficará morto. Não é com os mesquinhos artifícios, 
nem com o desprezo, nem com a mentira, nem pelo cansaço, nem pela opressão, nem 
pela miséria que se vencem os que pensaram num futuro e, amorosamente, com 
cuidados de artista, continuamente, com firmeza de atleta, o vão erguendo pedra 
a pedra. É necessário que se resista enquanto houver um fôlego de vida, mas que 
essa resistência seja sobretudo o contacto com a realidade da força criadora; é 
esta que afinal tudo leva de vencida e reduz oposições a pó inútil e ligeiro.
 
 Agostinho da Silva,
 in 'Textos e Ensaios 
Filosóficos'      
 |