Todo o país passou a falar do bullying  quando uma criança optou pelo suicídio, para não enfrentar os seus  agressores.  
 Mas a conversa foi mais um show de  demagogia inacreditável para sacudir a responsabilidade de toda uma  sociedade  sem valores em nos transformamo-nos todos os  dias.
  Agora temos um professor que optou  pela mesma via, para não enfrentar a turma que o agredia  psicologicamente em  cada aula.
 Agora, de quem é a  culpa?
 Da direcção da escola que não ligou às  participações disciplinares?
 Dos colegas que não o  apoiaram?
 Dos bons alunos que não impediram os  maus alunos?
 Dos pais que abandonaram os  filhos?
 Das famílias que não educaram as suas  crianças?
 Dos professores que deixaram de  saber aplicar a disciplina?
 Do ministério da educação que produziu  um estatuto do aluno permissivo à  indisciplina?
 Do governo que desacreditou a escola e  os professores?
 De uma sociedade que perdeu os seus  valores?
 Mais uma  vítima...
 Mais uma  notícia...  
 Mais um  show...
 Mais um  dia...
 ... e amanhã,  tudo na  mesma...
  
 
  
  Na véspera  das aulas com aquela turma,  Luís ficava nervoso. Isolava-se no quarto e desejava que o amanhã não  chegasse.  Não queria voltar a ouvir que era um "careca", um "gordo" ou um "cão".  Não  queria que o burburinho constante do 9.º B e as atitudes provocatórias  de alguns  alunos continuassem a fazê-lo sentir aquela angústia. O peso no peito. O   sufocante nó na garganta. Luís não era um aluno. Tinha 51 anos e era  professor  de Música na Escola Básica 2.3 de Fitares, em Rio de Mouro, Sintra. Era.  Na  semana antes do Carnaval, decidiu que não voltaria a ser enxovalhado.  Pegou no  carro e parou na Ponte 25 de Abril. Na manhã do dia 9 de Fevereiro,  atirou-se ao  rio.
 Luís não  avisou ninguém do acto  radical. Mas radicalizou, segundo a família e os colegas, os apelos  junto da  direcção da escola para que resolvesse a indisciplina, em particular  naquela  turma. Fez várias participações que não terão tido seguimento. O PÚBLICO  tentou  ouvir a directora da escola, que justificou que só presta declarações  mediante  autorização da Direcção Regional de Educação de Lisboa. Fizemos o pedido  e não  recebemos resposta. Contudo, foi possível apurar que a Inspecção-Geral  da  Educação tem participações do alegado incumprimento da legislação sobre  questões  disciplinares por parte da direcção daquela  escola.
  Personalidade   frágil
 Na escola,  impera o silêncio e os  funcionários fazem um leve encolher de ombros. Alguns, sob anonimato,  asseguram,  tal como a família, que Luís era alvo de bullying e estava  "profundamente  desesperado e deprimido". A irmã de Luís, também professora, admite que o  irmão  era "uma pessoa complicada, frágil e reservada", mas assevera que era  "um  professor competente", cujos apelos "a escola ignorou". "Apenas lhe  propuseram  assistir a aulas de colegas para aprender a lidar com as provocações",  diz.
 A irmã  descreve a profunda tristeza do  professor nos últimos meses, ao longo dos quais "desabafou muito" com os  pais,  com quem ainda vivia. Nunca deu indícios do acto. Foram encontrados,  depois da  morte, no seu computador. "Se o meu destino é sofrer dando aulas a  alunos que  não me respeitam e me põem fora de mim - e não tendo eu outras fontes de   rendimento -, a única solução apaziguadora será o suicídio." A frase  encontrada  não deixa dúvidas. Há vários desabafos escritos em alturas diferentes  que  convivem lado a lado com as participações sobre alguns  alunos.
 Luís somava à  Música uma licenciatura  em Sociologia e chegou a ser jornalista durante alguns anos. Era também  cronista  no Boletim Actual da Cmara de Oeiras, onde, no ano passado, dedicou  algumas  palavras aos problemas das escolas: "O clima de indisciplina nas escolas  está a  tornar-se insustentável. E ainda há quem culpe os professores, por falta  de  autoridade. Essas pessoas não fazem a mínima ideia do ambiente que se  vive numa  escola. Aconselho-as a verem o filme A Turma". No último boletim, o  autarca  Isaltino Morais dedicou-lhe um texto onde recorda a "perspicácia e  apurado  sentido crítico" de Luís.
 Os alunos  dividem-se sobre o  professor, mas concordam que "era muito calado" e que "não convivia  muito nem  com alunos nem com professores". Uns recordam com saudade as aulas onde  puderam  tocar instrumentos e ver filmes relacionados com música e dança. Outros  insistem  que "ele era estranho" e que "não impunha respeito". Mas não negam que  eram "mal  comportados". "Portava-me sempre mal, mas não era por ser ele. Somos  assim em  todas as aulas, é da idade", reconheceu um dos alunos que tiveram mais  participações por indisciplina.
 Outra aluna, a  única que, no fim das  aulas, ficava para trás para conhecer melhor o silêncio de Luís, lamenta  a  partida "prematura" e arrepende-se de não ter ficado mais tempo a  conversar com  ele. "Tive medo do que as pessoas podiam dizer se me aproximasse.  Sinto-me muito  mal por não ter ajudado mais. Uma vez arrancámos-lhe um sorriso. Quando  sorria  era outra pessoa."
 in  Público