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notcias: Anatomia de um golpe 
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| From: isaantunes  (Original message) | 
Sent: 04/05/2012 08:50 |   
|      Contado, toda a gente acredita:  o Pingo Doce dá um super-desconto, a população adere em massa, é um golpe  genial. Visto, é inacreditável: uma turba faminta amotina-se, espanca-se,  enlouquece, encena uma pilhagem sórdida. É uma miséria de marketing. É um  marketing da miséria. "O balanço é positivo, considerando-se a acção como  conseguida".   Contado, toda a gente acredita: o Pingo  Doce dá um super-desconto, a população adere em massa, é um golpe genial.  Visto, é inacreditável: uma turba faminta amotina-se, espanca-se, enlouquece,  encena uma pilhagem sórdida. É uma miséria de marketing. É um marketing da  miséria. "O balanço é positivo, considerando-se a acção como conseguida".  
  Primeiro, o acessório: este 1º de Maio alterou o equilíbrio na  distribuição em Portugal. Este não foi um episódio único, foi uma afirmação de  poder da Jerónimo, que vem perdendo para as estratégias agressivas de descontos  da concorrência. O Continente chega aos 75% em certos produtos e horas; o Lidl  está a quebrar 33%; o Pingo Doce entrou no jogo em grande estilo. Arrumou o  assunto com uma bomba de neutrões. Pôs o país a falar disso. Arruinou o mês à  concorrência. E fê-lo provavelmente perdendo dinheiro, o que significaria que  comprou mercado. 
  Dar um desconto de 50% num cabaz significa ter uma  margem média de 100% para ganhar dinheiro. Margens médias de 100% na  distribuição são como manadas de gazelas na Atlântida, não existem. Dir-se-á: e  os clientes com isso? É concorrência e a concorrência é linda. Pois, mas esta é  feia. Porque se é abaixo de custo, a do Pingo Doce ou a do Continente, não é  concorrência, é anti-concorrência. É destruir concorrentes que não suportam  predações. É aniquilar fornecedores que as subsidiam. 
  A distribuição não  é para meninos. É um negócio de margens reduzidas, negociações complexas, de um  conhecimento quase doentio dos hábitos dos clientes. Fazem-se promoções ao  meio-dia porque quem está com fome compra mais. Perfuma-se o ambiente com pão  quente porque se vende mais. Dispõe-se os alhos ao pé dos bugalhos, nivela-se as  prateleiras pela criançada, desnivela-se a iluminação entre dois corredores,  puxa-se o lustro à fruta. É assim. E a Jerónimo  Martins é o melhor grupo português a fazê-lo. É a empresa mais valiosa em  Bolsa. Vale mais que a Galp.
  Agora, o Pingo Doce inicia uma mudança  estratégica. Esta é uma campanha de "hard discount", um posicionamento mais  "baixo" do que o actual desta cadeia. É por isso que esta operação não tem a mão  de Alexandre, o patriarca, mas de Pedro, o sucessor, que carrega uma década de  grande sucesso deste modelo na Polónia. Esta é a  afirmação, surpreendente e bombástica, da sua gestão. Vem aí mais disto. "Hard  discount" quer dizer desconto duro. Assim será: duro. Vale tudo menos arrancar  olhos? 
  Também vale arrancar olhos. Assim foi neste 1º de Maio. Cenas  lúgubres em todo o país. Os gestores viram um livro de marketing a ser  implementado. Os economistas viram um livro com curvas de oferta e procura. Os  juristas viram um livro de direito da concorrência. Eu vi um livro de Saramago a  escrever-se sozinho. 
  Já foi escrito: a reacção dos clientes é racional,  nada a apontar. Faltou escrever: quem organizou o circo romano sabia ao que ia.  E orgulhou-se no dia seguinte. Ficámos a saber como está o país. A violência que  não se vê nas manifestações de rua comprime-se no afã vidrado de uma fila de  supermercado.
  Esta não é uma questão entre direita e esquerda, entre  idiotas e ideólogos, entre moralistas e pragmáticos, não é distracção, não se  compara com saldos de trapos nem com liquidações de livros. Porque nenhuma  dessas promoções provoca estes tumultos descontrolados. Talvez só uma oferta de  gasolinas produzisse a mesma loucura. 
  Numa entrevista notável, a Teresa  de Sousa, publicada no Público este domingo, Rob Riemen, que não tem medo de  falar de fascismo, afirma: "O espírito da democracia quer dizer que a verdadeira  democracia é o oposto da democracia de massas." Riemen refere-se a Tocqueville  ou a Gasset. "Ou Espinosa, para quem uma verdadeira democracia significa que  somos mais do que indivíduos, aspiramos a ser pessoas de carácter, que não somos  apenas motivados pelo medo, pela ganância, pela estupidez, mas capazes de um  pensamento e de escolhas". 
  Acicatar a voragem desumana, como se viu  neste Maio, não faz parte dos valores que Alexandre Soares dos Santos construiu.  De defesa de salários dignos, de criação de postos de trabalho, de assistência  social aos funcionários em dificuldades. Nem serão os valores de Isabel Jonet,  que gere no Banco Alimentar situações de pobreza extrema com tacto social e  dignidade individual. Isto é uma manifestação de poder autoritário.  
  Disse Frei Fernando Ventura, nessa noite, na SIC Notícias: "Quando vi as  imagens do Pingo Doce, fiquei triste e alarmado. Vi isto na Venezuela, com o Chavez,  exactamente o mesmo tipo de reacção. Fiquei com esta imagem como um ícone, ou  como um contra ícone, uma mensagem de sinal contrário daquilo que é uma das  urgências a descobrir hoje". E disse mais: "Nós, em alguns arroubos  místico-gasosos, ficamos muito alarmados e muito agitados interiormente com a  multiplicação dos pães e dos peixes. Se nós percebêssemos o que está ali (…). Só  houve multiplicação porque houve divisão. A solução tem que passar por aqui: é  preciso dividir para multiplicar e é preciso somar sem subtrair nada a ninguém.  O segredo está aqui. A chave está aqui. E por aqui pode construir-se a  esperança. Por aqui pode criar-se redes de relações, por aqui pode dizer-se às  pessoas que a esperança é possível. É preciso organizar esta  esperança."
  Para o Pingo Doce, os descontos do 1º de Maio terão sido um  golpe de marketing ou um anúncio de uma nova estratégia. Mas para os  portugueses, que reviram um país negado e renegado, foi mais do que isso. Foi  uma humilhação. Como no "Rei Lear", de Shakespeare: "Esta é a praga deste tempo,  quando os loucos guiam os cegos".        |  
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