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Soneto do trabalho******************************************
Das prensas dos martelos das bigornas
das foices dos arados das charruas
das alfaias doscascos e das dornas
é que nasce a canção que anda nas ruas.
Um povo não é livre em águas mornas
não se abre a liberdade com gazuas
à força do teu braço é que transformas
as fábricas e as terras que são tuas.
Abre os olhos e vê. Sê vigilante
a reacção não passará diante
do teu punho fechado contra o medo.
Levanta-te meu Povo. Não é tarde.
Agora é que o mar canta é que o sol arde
pois quando o povo acorda é sempre cedo.
ARY DOS SANTOS
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Kyrie
Em nome dos que choram, Dos que sofrem, Dos que acendem na noite o facho da revolta E que de noite morrem, Com a esperança nos olhos e arames em volta. Em nome dos que sonham com palavras De amor e paz que nunca foram ditas, Em nome dos que rezam em silêncio E falam em silêncio E estendem em silêncio as duas mãos aflitas. Em nome dos que pedem em segredo A esmola que os humilha e os destrói E devoram as lágrimas e o medo Quando a fome lhes dói. Em nome dos que dormem ao relento Numa cama de chuva com lençóis de vento O sono da miséria, terrível e profundo. Em nome dos teus filhos que esqueceste, Filho de Deus que nunca mais nasceste, Volta outra vez ao mundo!
José Carlos Ary dos Santos
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Cavalo à solta
Minha laranja amarga e doce Meu poema Feito de gomos de saudade Minha pena Pesada e leve Secreta e pura Minha passagem para o breve Breve instante da loucura
Minha ousadia, meu galope Minha rédia Meu potro doido, minha chama Minha réstia De luz intensa De voz aberta Minha denúncia do que pensa Do que sente a gente certa
Em ti respiro Em ti eu provo Por ti consigo esta força que de novo Em ti persigo Em ti percorro Cavalo à solta pela margem do teu corpo
Minha alegria Minha amargura Minha coragem de correr contra a ternura
Minha laranja amarga e doce Minha espada Poema feito de dois gumes Tudo ou nada Por ti renego Por ti aceito Este corsel que não sossego à desfilada no meu peito
Por isso digo Canção, castigo Amêndoa, travo, corpo, alma Amante e amigo Por isso canto Por isso digo Alpendre, casa, cama, arca do meu trigo
Minha alegria Minha ternura Minha coragem de correr contra a ternura
Minha laranja amarga e doce Meu poema Feito de gomos de saudade Minha pena Pesada e leve Secreta e pura Minha passagem para o breve Breve instante da loucura
Ary dos Santos
Fonte ;
http://groups.msn.com/SalaJardim
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A luva
O aceno penumbra da tua mão camurça
a lágrima em branco do teu rosto livro
a página momento que o teu gesto segura
por detrás do vidro.
O chicote
Meu tetravô polaco que era conde
de Nãossesabedonde
legou-me em testamento
uma lança de vento
e um chicote cossaco:
uma lança que lanço quando invento
um galope que pára quando estaco.
A um jovem soldado
Jovem.
Coroam-lhe as giestas os cabelos,
Generosas e loiras como fora.
Jaz no imenso campo
E é um grito
Que o vento, que o incensa
Chora.
Morto.
Seu corpo liso e belo que vivera
Como as papoilas acres, dorme agora.
E seu olhar azul é uma estrela
Que a terra, que o sepulta,
Ignora.
Electronicocólica
.
2 são os olhos do cego
e seta a arma do poeta.
1 é o tiro do mudo
7 o número da cabra
10 a base do sistema
9 setas valem tudo
9s fora uma açucena.
O poeta ausculta a noite
que responde 33
diz estrela sai aroma
pensa nardo sai francês
e a cabra rumina o cardo
que já foi rosa uma vez.
Poeta castrado, não!
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
O poema original
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
in 20 Anos de Poesia
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Ary dos Santos |
Epígrafe
De palavras não sei. Apenas tento desvendar o seu lento movimento quando passam ao longo do que invento como pre-feitos blocos de cimento.
De palavras não sei. Apenas quero retomar-lhes o peso a consistência e com elas erguer a fogo e ferro um palácio de força e resistência.
De palavras não sei. Por isso canto em cada uma apenas outro tanto do que sinto por dentro quando as digo.
Palavra que me lavra. Alfaia escrava. De mim próprio matéria bruta e brava --- expressão da multidão que está comigo.
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Ary dos Santos |
Estigma
Filhos dum deus selvagem e secreto E cobertos de lama, caminhamos Por cidades, Por nuvens E desertos. Ao vento semeamos o que os homens não querem. Ao vento arremessamos as verdades que doem E as palavras que ferem. Da noite que nos gera, e nós amamos, Só os astros trazemos. A treva ficou onde Todos guardamos a certeza oculta Do que nós não dizemos, Mas que somos.
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Ary dos Santos |
Auto-Retrato
Poeta é certo mas de cetineta fulgurante de mais para alguns olhos bom artesão na arte da proveta narciso de lombardas e repolhos.
Cozido à portuguesa mais as carnes suculentas da auto-importncia com toicinho e talento ambas partes do meu caldo entornado na infncia.
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O chicote
Meu tetravô polaco que era conde
de Nãossesabedonde
legou-me em testamento
uma lança de vento
e um chicote cossaco:
uma lança que lanço quando invento
um galope que pára quando estaco.
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A um jovem soldado
Jovem.
Coroam-lhe as giestas os cabelos,
Generosas e loiras como fora.
Jaz no imenso campo
E é um grito
Que o vento, que o incensa
Chora.
Morto.
Seu corpo liso e belo que vivera
Como as papoilas acres, dorme agora.
E seu olhar azul é uma estrela
Que a terra, que o sepulta,
Ignora.
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Um homem na cidade
Agarro a madrugada como se fosse uma criança uma roseira entrelaçada uma videira de esperança tal qual o corpo da cidade que manhã cedo ensaia a dança de quem por força da vontade de trabalhar nunca se cansa.
Vou pela rua desta lua que no meu Tejo acende o cio vou por Lisboa maré nua que se deságua no Rossio.
Eu sou um homem na cidade que manhã cedo acorda e canta e por amar a liberdade com a cidade se levanta.
Vou pela estrada deslumbrada da lua cheia de Lisboa até que a lua apaixonada cresça na vela da canoa.
Sou a gaivota que derrota todo o mau tempo no mar alto eu sou o homem que transporta a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada colho a manhã como uma flor à beira mágoa desfolhada um malmequer azul na cor.
O malmequer da liberdade que bem me quer como ninguém o malmequer desta cidade que me quer bem que me quer bem!
Nas minhas mãos a madrugada abriu a flor de Abril também a flor sem medo perfumada com o aroma que o mar tem flor de Lisboa bem amada que mal me quis que me quer bem!
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Cantiga de Amigo
Nem um poema nem um verso nem um canto tudo raso de ausência tudo liso de espanto e nem Camões Virgílio Shelley Dante --- o meu amigo está longe e a distncia é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai tudo calado todos sem mãe nem pai Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!
--- o meu amigo está longe e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso que faz do amor sozinho o amor imenso. Calai Camões Virgílio Shelley Dante: o meu amigo está longe e a saudade é bastante!
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Queixa e imprecações dum condenado à morte
Por existir me cegam, Me estrangulam, Me julgam, Me condenam, Me esfacelam. Por me sonhar em vez de ser me insultam, Por não dormir me culpam E me dão o silêncio por carrasco E a solidão por cela. Por lhes falar, proíbem-me as palavras, Por lhes doer, censuram-me o desejo E marcam-me o destino a vergastadas Pois não ousam morder o meu corpo de beijos.
Passo a passo os encontro no caminho Que os deuses e o sangue me traçaram. E negando-me, bebem do meu vinho E roubam um lugar na minha cama E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram. Com angústia e com lama.
Passo a passo os encontro no caminho. Mas eu sigo sozinho! Dono dos ventos que me arremessaram, Senhor dos tempos que me destruíram, Herói dos homens que me derrubaram, Macho das coisas que me possuíram.
Andando entre eles invento as passadas Que hão-de em triunfo conduzir-me à morte E as horas que sei que me estão contadas, Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe.
Sou eu que me chamo nas vozes que oiço, Sou eu quem se ri nos dentes que ranjo, Sou eu quem me corto a mim mesmo o pescoço, Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo.
Sou eu que passeio as correntes e as asas Por sobre as cidades que vou destruindo, Sou eu o incêndio que lhes devora as casas, O ladrão que entra quando estão dormindo.
Sou eu quem de noite lhes perturba o sono, Lhes frustra o amor, lhes aperta a garganta. Sou eu que os enforco numa corda de sonho Que apodrece e cai mal o sol se levanta.
Sou eu quem de dia lhes cicia o tédio, O tédio que pensam, que bebem e comem, O tédio de serem sem nenhum remédio A perfeita imagem do que for um homem.
Sou eu que partindo aos poucos lhes deixo Uma herança de pragas e animais nocivos. Sou eu que morrendo lhes segredo o horror de serem inúteis e ficarem vivos.
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canta Carlos do Carmo
(a) Putos : Crianças na gíria portuguesa.
Uma bola de pano, num charco Um sorriso traquina, um chuto Na ladeira a correr, um arco O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira a esperança Um pardal de calções, astuto E a força de ser criança Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta Os putos, os putos São como índios, capitães da malta Os putos, os putos Mas quando a tarde cai Vai-se a revolta Sentam-se ao colo do pai É a ternura que volta E ouvem-no a falar do homem novo São os putos deste povo A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando na mão A vontade que salta ao eixo Um puto que diz que não Se a porrada vier não deixo
Um berlinde abafado na escola Um pião na algibeira sem cor Um puto que pede esmola Porque a fome lhe abafa a dor.
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Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.
Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais .
Inês! Inês! Distncia a que não chego
morta tão cedo por viver demais.
Os teus gestos são verdes os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal .
As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.
( José Carlos Ary dos Santos ) | | | | | | | |
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Ary dos Santos
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Na mesa do Santo Ofício
Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos. Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens. Que viemos, amámos, pecámos e partimos Como a água das chuvas.
Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos Do que dizem e pensam E que a nossa aventura, É no vento que passa que a ouvimos, É no nosso silêncio que perdura.
Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos E que enterrámos vivo o fogo que nos queima. Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso, Que nos espreguiçaremos na fogueira.
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Ary dos Santos |
Meu amor, meu amor
Meu amor meu amor meu corpo em movimento minha voz à procura do seu próprio lamento.
Meu limão de amargura meu punhal a escrever nós parámos o tempo não sabemos morrer e nascemos nascemos do nosso entristecer.
Meu amor meu amor meu nó e sofrimento minha mó de ternura minha nau de tormento
este mar não tem cura este céu não tem ar nós parámos o vento não sabemos nadar e morremos morremos devagar devagar.
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Cavalo à solta
Minha laranja amarga e doce
meu poema feito de gomos de saudade minha pena, pesada e leve secreta e pura minha passagem para o breve breve instante da loucura.
Minha ousadia meu galope minha rédea meu potro doido minha chama minha réstia de luz intensa de voz aberta minha denúncia do que pensa do que sente a gente certa.
Em ti respiro em ti eu provo por ti consigo esta força que de novo em ti persigo em ti percorro cavalo à solta pela margem do teu corpo.
Minha alegria minha amargura minha coragem de correr contra a ternura.
Por isso digo canção castigo amêndoa travo corpo alma amante amigo por isso canto por isso digo alpendre casa cama arca do meu trigo.
Meu desafio minha aventura minha coragem de correr contra a ternura.
José Carlos Ary dos Santos
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ESTUDAR
Estudar é muito importante, mas pode-se estudar de várias maneiras... Muitas vezes estudar não é só aprender o que vem nos livros.
Estudar não é só ler nos livros que há nas escolas. É também aprender a ser livres, sem ideias tolas. Ler um livro é muito importante, às vezes, urgente. Mas os livros não são o bastante para a gente ser gente. É preciso aprender a escrever, mas também a viver, mas também a sonhar. É preciso aprender a crescer, aprender a estudar.
Aprender a crescer quer dizer: aprender a estudar, a conhecer os outros, a ajudar os outros, a viver com os outros. E quem aprende a viver com os outros aprende sempre a viver bem consigo próprio. Não merecer um castigo é estudar. Estar contente consigo é estudar. Aprender a terra, aprender o trigo e ter um amigo também é estudar.
Estudar também é repartir, também é saber dar o que a gente souber dividir para multiplicar. Estudar é escrever um ditado sem ninguém nos ditar; e se um erro nos for apontado é sabê-lo emendar. É preciso, em vez de um tinteiro, ter uma cabeça que saiba pensar, pois, na escola da vida, primeiro está saber estudar.
Contar todas as papoilas de um trigal é a mais linda conta que se pode fazer. Dizer apenas música, quando se ouve um pássaro, pode ser a mais bela redacção do mundo...
Estudar é muito mas pensar é tudo!
José Carlos Ary dos Santos
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Epígrafe
De palavras não sei. Apenas tento desvendar o seu lento movimento quando passam ao longo do que invento como pre-feitos blocos de cimento.
De palavras não sei. Apenas quero retomar-lhes o peso a consistência e com elas erguer a fogo e ferro um palácio de força e resistência.
De palavras não sei. Por isso canto em cada uma apenas outro tanto do que sinto por dentro quando as digo.
Palavra que me lavra. Alfaia escrava. De mim próprio matéria bruta e brava - expressão da multidão que está comigo.
José C. Ary dos Santos
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As Portas Que Abril Abriu
José Carlos Ary dos Santos
Era uma vez um país onde entre o mar e a guerra vivia o mais feliz dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras um povo se debruçava como um vime de tristeza sobre um rio onde mirava a sua própria pobreza.
Era uma vez um país onde o pão era contado onde quem tinha a raíz tinha o fruto arrecadado onde quem tinha o dinheiro tinha o operário algemado onde suava o ceifeiro que dormia com o gado onde tossia o mineiro em Aljustrel ajustado onde morria primeiro quem nascia desgraçado Era uma vez um país de tal maneira explorado pelos consórcios fabris pelo mando acumulado pelas ideias nazis pelo dinhiero estragado pelo dobrar da cerviz pelo trabalho amarrado que até hoje já se diz que nos tempos dos passado se chamava esse país Portugal suicidado.
Ali nas vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras vivia um povo tão pobre que partia para a guerra para encher quem estava podre de comer a sua terra.
Um povo que era levado para Angola nos porões um povo que era tratado como a arma dos patrões um povo que era obrigado a matar por suas mãos sem saber que um bom soldado nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém que dentro de um povo escravo alguém que lhe queria bem um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança feita de força e vontade era ainda uma criança mas já era a liberdade.
Era já uma promessa era a força da razão do coração à cabeça da cabeça ao coração Quem o fez era soldado homem novo capitão mas tabém tinha a seu lado muitos homens na prisão. Esses que tinham lutado a defender um irmão esses que tinham passado o horror da solidão esses que tinham jurado sobre uma côdea de pão ver o povo libertado do terror da opressão. Não tinham armas é certo mas tinham toda a razão quando um homem morre perto tem de haver distanciação uma pistola guardada nas dobras da sua opção uma bala disparada contra a sua própria mão e uma força perseguida que na escolha do mais forte faz com a que a força da vida seja maior do que a morte. Quem o fez era soldado homem novo capitão mas também tinha a seu lado muitos homens na prisão. Posta a semente do cravo começou a floração do capitão ao soldado do soldado ao capitão. Foi então que o povo armado percebeu qual a razão porque o povo despojado lhe punha as armas na mão. Pois também ele humilhado em sua própria grandeza era soldado forçado contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado e no seu próprio país muitas vezes estrangulado pelos generais senis. Capitão que não comanda não pode ficar calado é o povo que lhe manda ser capitão revoltado é o povo que lhe diz que não ceda e não hesite - pode nascer um país do ventre duma chaimite. Porque a força bem empregue contra a posição contrária nunca oprime nem persegue - é a força revolucionária!
Foi então que Abril abriu as portas da claridade e a nossa gente invadiu a sua própria cidade. Disse a primeira palavra na madrugada serena um poeta que cantava o povo é quem mais ordena. E então por vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras desceram homens sem medo marujos soldados "páras" que não queriam o degredo de um povo que se separa. E chegaram à cidade onde os monstros se acoitavam era a hora da verdade para as hienas que mandavam a hora da claridade para os sóis que despontavam e a hora da vontade para os homens que lutavam. Em idas vindas esperas encontros esquinas e praças não se pouparam as feras arrancaram-se as mordaças e o povo saiu à rua com sete pedras na mão e uma pedra de lua no lugar do coração. Dizia soldado amigo meu camarada e irmão este povo está contigo nascemos do mesmo chão trazemos a mesma chama temos a mesma razão dormimos na mesma cama comendo do mesmo pão. Camarada e meu amigo soldadinho ou capitão este povo está contigo a malta dá-te razão. Foi esta força sem tiros de antes quebrar que torcer esta ausência de suspiros esta fúria de viver este mar de vozes livres sempre a crescer a crescer que das espingardas fez livros para aprendermos a ler que dos canhões fez enxadas para lavrarmos a terra e das balas disparadas apenas o fim da guerra. Foi esta força viril de antes quebrar que torcer que em vinte e cinco de Abril fez Portugal renascer.
E em Lisboa capital dos novos mestres de Aviz o povo de Portugal deu o poder a quem quis. Mesmo que tenha passado às vezes por mãos estranhas o poder que ali foi dado saiu das nossas entranhas. Saiu das vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras onde um povo se curvava como um vime de tristeza sobre um rio onde mirava a sua prórpia pobreza. E se esse poder um dia o quiser roubar alguém não fica na burguesia volta à barriga da mãe. Volta à barriga da terra que em boa hora o pariu agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu. Essas portas que em Caxias se escancararam de vez essas janelas vazias que se encheram outra vez e essas celas tão frias tão cheias de sordidez que espreitavam como espias todo o povo português. Agora que já floriu a esperança na nossa terra as portas que Abril abriu nunca mais ninguém as cerra.
Contra tudo o que era velho levantado como um punho em Maio surgiu vermelho o cravo de mês de Junho. Quando o povo desfilou nas ruas em procissão de novo se processou a própria revolução. Mas era olhos as balas abraços punhais e lanças enamoradas as alas dos soldados e crianças. E o grito que foi ouvido tantas vezes repetido dizia que o povo unido jamais seria vencido.
Contra tudo o que era velho levantado como um punho em Maio surgiu vermelho o cravo do mês de Junho. E então operários mineiros pescadores e ganhões marçanos e carpinteiros empregados dos balcões mulheres a dias pedreiros reformados sem pensões dactilógrafos carteiros e outras muitas profissões souberam que o seu dinheiro era presa dos patrões. A seu lado também estavam jornalistas que escreviam actores que desbobravam cientistas que aprendiam poetas que estrebuchavam cantores que não se vendiam mas enquanto estes lutavam é certo que não sentiam a fome com que apertavam os cintos dos que os ouviam. Porém cantar é ternura escrever constrói liberdade e não há coisa mais pura do que dizer a verdade. E uns e outros irmanados na mesma luta de ideias ambos sectores explorados ficaram partes iguais. Entanto não descansavam entre pragas e perjúrios agulhas que se espetavam silêncios boatos murmúrios risinhos que se calavam palácios contra tugúrios fortunas que levantavam promessas de maus augúrios os que em vida se enterravam por serem falsos e espúrios maiorais da minoria que diziam silenciosa e que em silêncio faziam a coisa mais horrorosa: minar como um sinapismo e com ordenados régios o alvor do socialismo e o fim dos privilégios. Foi então se bem vos lembro que sucedeu a vindima quando pisámos Setembro a verdade veio acima. E foi um mosto tão forte que sabia tanto a Abril que nem o medo da morte nos fez voltar ao redil. Ali ficámos de pé juntos soldados e povo para mostrarmos como é que se faz um país novo. Ali dissemos não passa! E a reacção não passou. Quem já viveu a desgraça odeia a quem desgraçou. Foi a força do Outono mais forte que a Primavera que trouxe os homens sem dono de que o povo estava à espera. Foi a força dos mineiros pescadores e ganhões operários e carpinteiros empregados dos balcões mulheres a dias pedreiros reformados sem pensões dactilógrafos carteiros e outras muitas profissões que deu o poder cimeiro a quem não queria patrões. Desde esse dia em que todos nós repartimos o pão é que acabaram os bodos - cumpriu-se a revolução. Porém em quintas vivendas palácios e palacetes os generais com prebendas caciques e cacetetes os que montavam cavalos para caçarem veados os que davam dois estalos na cara dos empregados os que tinham bons amigos no consórcio dos sabrões e coçavam os umbigos como quem coça os galões os generais subalternos que aceitavam os patrões os generais inimigos os genarais garanhões teciam teias de aranha e eram mais camaleões que a lombriga que se amanha com os próprios cagalhões. Com generais desta apanha já não há revoluções. Por isso o onze de Março foi um baile de Tartufos uma alternncia de terços entre ricaços e bufos. E tivemos de pagar com o sangue de um soldado o preço de já não estar Portugal suicidado. Fugiram como cobardes e para terras de Espanha os que faziam alardes dos combates em campanha. E aqui ficaram de pé capitães de pedra e cal os homens que na Guiné apenderam Portugal. Os tais homens que sentiram que um animal racional opões àqueles que o firam consciência nacional. Os tais homens que souberam fazer a revolução porque na guerra entenderam o que era a libertação. Os que viram claramente e com os cinco sentidos morrer tanta tanta gente que todos ficaram vivos. Os tais homens feitos de aço temperado com a tristeza que envolveram num abraço toda a história portuguesa. Essa história tão bonita e depois tão maltratada por quem herdou a desdita da história colonizada. Dai ao povo o que é do povo pois o mar não tem patrões. - Não havia estado novo nos poemas de Camões! Havia sim a lonjura e uma vela desfraldada para levar a ternura à distncia imaginada. Foi este lado da história que os capitães descobriram que ficará na memória das naus que de Abril partiram das naves que transportaram o nosso abraço profundo aos povos que agora deram novos países ao mundo. Por saberem como é ficaram de pedra e cal capitães que na Guiné descobriram Portugal. Em em sua pátria fizeram o que deviam fazer: ao seu povo devolveram o que o povo tinha a haver: Bancos seguros petróleos que ficarão a render ao invés dos monopólios para o trabalho crescer. Guindastes portos navios e outras coisas para erguer antenas centrais e fios de um país que vai nascer. Mesmo que seja com frio é preciso é aquecer pensar que somos um rio que vai dar onde quiser pensar que somos um mar que nunca mais tem fronteiras e havemos de navegar de muitíssimas maneiras. No Minho com pés de linho no Alentejo com pão no Ribatejo com vinho na Beira com requeijão e trocando agora as voltas ao vira da produção no Alentejo bolotas no Algarve maçapão vindimas no Alto Douro tomates em Azeitão azeite da cor do ouro que é verde ao pé do Fundão e fica amarelo puro nos campos do Baleizão. Quando a terra for do povo o povo deita-lhe a mão! É isto a reforma agrária em sua própria expressão: a maneira mais primária de que nós temos um quinhão da semente proletária da nossa revolução. Quem a fez era soldado homem novo capitão mas também tinha a seu lado muitos homens na prisão. De tudo o que Abril abriu ainda pouco se disse um menino que sorriu uma porta que se abrisse um fruto que se expandiu um pão que se repartisse um capitão que seguiu o que história lhe predisse e entre vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras um povo que levantava sobre um rio de pobreza a bandeira em que ondulava a sua prórpia grandeza! De tudo o que Abril abriu ainda pouco se disse e só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse. Só nos faltava que os cães viesses ferrar o dente na carne dos capitães que se arriscaram na frente. Na frente de todos nós povo soberano e total e ao mesmo tempo é a voz e o braço de Portugal. Ouvi banqueiros fascistas agiotas do lazer latifundiários machistas balofos verbos de encher e outras coisa em istas que não cabe dizer aqui que aos capitães progressistas o povo deu o poder! E se esse poder um dia o quiser roubar alguém não fica na burguesia volta à barriga da mãe! Volta à barriga da terra que em boa hora o pariu agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu!
Lisboa, Julho-Agosto de 1975
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ESTRELA DA TARDE - Era a tarde mais longa de todas as tardes eu nos acontecia Eu esperava por ti, tu não vinhas Tardavas e eu entardecia - Era tarde, tão tarde Que a boca tardando no beijo mordia Quando à boca da noite Surgiste na tarde tal rosa tardia - Quando nós nos olhamos Tardamos no beijo que a boca pedia E na tarde ficamos Unidos ardendo na luz que morria Em nós dois nessa tarde Em que tanto tardaste o sol amanhecia Era tarde demais para haver outra noite Para haver outro dia - Meu amor, meu amor, minha estrela da tarde Que o luar te amanheça e o meu corpo de guarde Meu amor, meu amor, eu não tenho a certeza Se tu és alegria ou se és a tristeza - Foi a noite mais bela De todas as noites que me adormeceram Nos nocturnos silêncios Que à noite de beijos se encheram - Foi a noite em que os nossos dois corpos Cansados não adormeceram Numa estrada mais linda da noite Uma festa de fogo fizeram Foram noites e noites Que numa só noite nos aconteceram Era o dia da noite De todas as noites que nos precederam Era a noite mais clara Daqueles que à noite amando se deram Entre os braços da noite De tanto se amarem vivendo morreram - Eu não sei, meu amor Se o que digo é ternura se é riso se é pranto É por ti que adormeço e acordo E acordado recordo no canto Essa tarde em que tarde Surgiste dum triste e profundo recanto Essa noite em que cedo nasceste Despida, de mágoa e de espanto Meu amor, nunca é tarde nem cedo Para quem se quer tanto. - José Carlos Ary dos Santos | |
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Estado Velho
Ah! não há dúvida vocês existem, vocês persistem vocês existem com grémios e tribunais medidas de segurança e capitais plenários mercenários festivais grades torturas verbenas cativeiros de longas penas com vista para o mar para matar
Palhaço lacrimogénio capacete de aço
Vocês existem bordados a ponto de cruz fazendo a guerra sugando o povo sorvendo a luz com estoris, coktails, recepções canastas e ralys whisky, coktails, cherries trapeiras, esconsos, saguões discursos, salmão, lagostas pão duro, desespero e crostas sorrisos de hospedeiras e assassínios de ceifeiras
Palhaço lacrimogénio capacete de aço
Vocês existem, baionetas e chá com bolos cooperativas, clubes de mães concursos de gatos e cães cães de luxo para lamber cães polícias - polícias cães para morder barracas de lata para viver salários de fome para sofrer trapos, suor e lodo amáveis conversas de casaca e sobre as nossas cabeças a matraca
Palhaço lacrimogénio capacete de aço
Ah! Não há dúvida vocês continuam ainda a existir até ao raio que vos há-de partir
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A cidade é um chão
de palavras pisadas
A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distncia e a palavra medo.
A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira pela palavra sangue pela palavra ira.
A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.
A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.
José Carlos Ary dos Santos |
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Ao meu falecido Irmão
Manuel Maria Barbosa du Bocage
Ary dos Santos
Meu sacana de versos! Meu vadio. Fazes falta ao Rossio. Falta ao Nicola. Lisboa é uma sarjeta. É um vazio. E é raro o poeta que entre nós faz escola. Mastigam ruminando o desafio. São uns merdosos que nos pedem esmola. Aos vinte anos cheiram a bafio têm joanetes culturais na tola. Que diria Camões nosso padrinho ou o Primo Fernando que acarinho como Pessoa viva à cabeceira? O que me vale é que não estou sozinho ainda se encontram alguns pés de linho crescendo não sei como na estrumeira!
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A Liturgia do Sangue
Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
o gosto a sol e a sangue dos sentidos.
Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.
No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.
(...)
Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!
Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.
Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.
Nus e esnsaguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
e coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.
in SANTOS, Ary dos, A Liturgia do Sangue, Lisboa, 1963.
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