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Poesia matuta
Helvia Callou
Minino você não sabe O que está me acontecendo Minha fama de poeta Pouco a pouco vai crescendo Pois me botaram num site Agora a turma sosaite Vê o que tô escrevendo E para os meus conterranios Que não conhece o artigo Não tem problema nenhum Presti atenção no que eu digo! O site é um desses pograma Que ajuda a gente a ter fama E distribuir com os amigo."
Homenagem da cordelista "Hélvia Callou" ao CORDEL CAMPINA
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CABRA DA PESTE
Silva Filho
Com certeza faz sentido Um mote bem nordestino Debaixo do sol a pino Um sorriso extrovertido; Com o respeito devido Um mote assim me convém Nordeste aqui também tem E vá guardando na mente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
O Brasil fez o Nordeste E o Nordeste faz cultura Um povo que tem bravura Com o seu Cabra da Peste; Se há fortunas no Leste Aqui tem mais que xerém Fique lá com seu vintém Que eu vou ser convincente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
Um pedaço de Brasil Que tem um povo sofrido Com deboches ofendido Por quem tem a mente vil; Sem ter água no cantil Vai passando por refém Mas não deixa seu sedém Em poltrona deprimente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
Se falta água no pote Sobra coração fraterno Pois mesmo sem ter inverno Nasce a rima de um mote; Vem o arroz com capote Que vai fazer muito bem Sem comprar no Armazém Porque plantou a semente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
Eu defendo essa bandeira Em respeito ao Nordeste Ainda que só me reste Um barraco sem soleira; Mas há gente altaneira Que não fica tão aquém Do que muita gente tem E do que um rico sente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
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NEGRINHO DO PASTOREIO
No Estado do Rio Grande, Da região sul do Brasil, Triste fato aconteceu Sob o céu cor de anil Com um negrinho escravo, Cuja sorte foi tão vil.
No tempo da escravidão, Todo um povo se dobrava Para servir ao Senhor Que nunca se contentava E tirava até o sangue De uma gente tão brava.
Bandeira verde-amarelo, Azul-branca, não ostenta O negro da noite escura, Nem o vermelho apresenta, Por ser este a cor do sangue De uma raça opulenta.
Tantas mães perderam filhos E quantos filhos sem pai, Separados dos irmãos, Ninguém lhes ouvia um ai; Hoje temos um consolo: Esse tempo longe vai.
Só que a história registra Casos dos mais escabrosos, De pobres negros sofrendo Nas mãos de patrões maldosos, Tanto que lhes conto um caso, Tendo meus olhos chorosos.
No Rio Grande do Sul, Estado deste Brasil, Hoje ainda é lembrado Debaixo do céu de anil: Negrinho do Pastoreio, Teve ele um destino vil.
O filho do estancieiro Do seu próprio pai roubou O potro mais valioso E uma venda simulou: O cavalo puro sangue A um guapo entregou.
Ao pai, o malvado filho, Denunciou o pastoureiro* Que por desleixo teria Descuidado do potreiro, Por isso alguém roubara O pingo lá do celeiro.
Seu senhor não duvidou Da estória do filhinho, E aos peões ordenou Surrar o pobre Negrinho, Mandando-o campo afora à procura do potrinho.
Noite e dia ele vagou Sob o frio do Minuano E não encontrando o potro Aquele Senhor Tirano Deu-lhe um novo castigo, Mais cruel e desumano.
Com o seu corpo untado Pelo adocicado mel, Preso sobre um formigueiro, Padeceu a dor cruel, E coberto de formigas Dormiu e acordou no céu.
Eu que sou também escravo Do meu próprio coração, Comparo-me ao Negrinho, Que viveu na escravidão E apanhava todo dia Por ordem de seu patrão.
Estou sendo açoitado, Como foi o bom Negrinho, Dei amor e recebi Traição no meu caminho, Se Ele procura o potro, Eu só busco um carinho.
Igual ao Negrinho escravo, Eu trago aprisionado No peito meu coração, Que bate acelerado Pelo amor de uma bela, Por quem eu fui cativado.
Em busca do amor eu vou, Sem descanso, noite e dia, E se não o encontrar Não terei mais alegria, Mas ao Negrinho eu peço Socorro nesta agonia.
Ele não achou o potro, Por isso perdeu a vida, Como não quero morrer, Espero a mulher querida Que venha cicatrizar No meu peito a ferida.
Entre linhas eu contei A vocês uma história Do meu protetor Negrinho, Que hoje vive na glória E haverá de estar comigo Numa nova trajetória.
Enquanto o gaúcho quer à boiada reunido O boi que arribou no campo, Abro o coração ferido, E que nova flor ocupe O lugar do amor perdido.
Negrinho do Pastoreio Foi mártir da crueldade, Injustiçado morreu Sem ter a felicidade De achar o belo potro Que se escondeu na maldade.
Num adeus de esperança, Eu agradeço agora, Primeiramente a Deus, Depois a Nossa Senhora, Em seguida ao Negrinho Que do mundo foi embora.
Quero que ele me traga O amor que eu perdi, Pois que de mim foi roubado No dia que mais sofri; Obrigado, bom Negrinho, Ela está vindo ali...
*Variante em função da rima.
BENEDITO GENEROSO DA COSTA
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POESIA DE CORDEL - 2
Nota : A Poesia de cordel - para além de outras características, tem a de ser escrita com os termos próprios desse rincão
Brasileiro, motivo pelo qual - na maioria das vezes tem "erros" gramaticais, mas ela é assim mesmo ; Genuinamente popular..
Manuel Xudu é o Guia dos Cordéis...
A bênça Manoel Chudu
O meu cordel estradeiro
Vem lhe pedir permissão
Pra se tornar verdadeiro
Pra se tornar mensageiro
Da força do teu trovão
E as asas da tanajura
Fazer voar o sertão
Meu moxotó coroado
De xiquexique e facheiro
Onde a cascavel cochila
Na boca do cangaceiro
Eu também sou cangaceiro
E o meu cordel estradeiro
É cascavel poderosa
É chuva que cai maneira
Aguando a terra quente
Erguendo um véu de poeira
Deixando a tarde cheirosa
É planta que cobre o chão
Na primeira trovoada
A noite que desce fria
Depois da tarde molhada
É seca desesperada
Rasgando o bucho do chão
É inverno e é verão
É canção de lavadeira
Peixeira de Lampião
As luzes do vaga-lume
Alpendre de casarão
A cuia do velho cego
Terreiro de amarração
O ramo da rezadeira
O banzo de fim de feira
Janela de caminhão
Vocês que estão no palácio
Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho
Das frutas frescas do Lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra da Catingueira
Um cantador de primeira
Que nunca foi numa escola
Pois meu verso é feito a foice
Do cassaco cortar cana
Sendo de cima pra baixo
Tanto corta como espana
Sendo de baixo pra cima
Avoa do cabo e se engana
(Fernando Navajo)
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CABRA DA PESTE
Silva Filho
Com certeza faz sentido Um mote bem nordestino Debaixo do sol a pino Um sorriso extrovertido; Com o respeito devido Um mote assim me convém Nordeste aqui também tem E vá guardando na mente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
O Brasil fez o Nordeste E o Nordeste faz cultura Um povo que tem bravura Com o seu Cabra da Peste; Se há fortunas no Leste Aqui tem mais que xerém Fique lá com seu vintém Que eu vou ser convincente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
Um pedaço de Brasil Que tem um povo sofrido Com deboches ofendido Por quem tem a mente vil; Sem ter água no cantil Vai passando por refém Mas não deixa seu sedém Em poltrona deprimente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
Se falta água no pote Sobra coração fraterno Pois mesmo sem ter inverno Nasce a rima de um mote; Vem o arroz com capote Que vai fazer muito bem Sem comprar no Armazém Porque plantou a semente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
Eu defendo essa bandeira Em respeito ao Nordeste Ainda que só me reste Um barraco sem soleira; Mas há gente altaneira Que não fica tão aquém Do que muita gente tem E do que um rico sente Onde tem cabra valente Tem nordestino também.
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POESIA DE CORDEL - 2
Nota : A Poesia de cordel - para além de outras características, tem a de ser escrita com os termos próprios desse rincão
Brasileiro, motivo pelo qual - na maioria das vezes tem "erros" gramaticais, mas ela é assim mesmo ; Genuinamente popular..
Manuel Xudu é o Guia dos Cordéis...
A bênça Manoel Chudu
O meu cordel estradeiro
Vem lhe pedir permissão
Pra se tornar verdadeiro
Pra se tornar mensageiro
Da força do teu trovão
E as asas da tanajura
Fazer voar o sertão
Meu moxotó coroado
De xiquexique e facheiro
Onde a cascavel cochila
Na boca do cangaceiro
Eu também sou cangaceiro
E o meu cordel estradeiro
É cascavel poderosa
É chuva que cai maneira
Aguando a terra quente
Erguendo um véu de poeira
Deixando a tarde cheirosa
É planta que cobre o chão
Na primeira trovoada
A noite que desce fria
Depois da tarde molhada
É seca desesperada
Rasgando o bucho do chão
É inverno e é verão
É canção de lavadeira
Peixeira de Lampião
As luzes do vaga-lume
Alpendre de casarão
A cuia do velho cego
Terreiro de amarração
O ramo da rezadeira
O banzo de fim de feira
Janela de caminhão
Vocês que estão no palácio
Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho
Das frutas frescas do Lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra da Catingueira
Um cantador de primeira
Que nunca foi numa escola
Pois meu verso é feito a foice
Do cassaco cortar cana
Sendo de cima pra baixo
Tanto corta como espana
Sendo de baixo pra cima
Avoa do cabo e se engana
(Fernando Navajo)
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Jeca Tatu
Catulo da Paixão Cearense
Não teje vancê jurgando Que eu seje argum canguçu Não sou não, seo conseiêro Sou caboclo... sou violeiro... E vivo naquelas mata Cumo veve um sanhaçu Vanssuncê já me cunhece Eu sou o Jeca Tatu Peguiçoso? Madracero? Não sinhô, seo senadô Não sinhô, seo conseiêro É pruque vancê num sabe O que seje um boiadero Criá com tanto cuidado Com tanto amô e aligria Umas cabeça de gado E despois, a ipidimia Carregá tudo com os diabo Em meno de quatro dia... É pruque vancê num sabe O trabaio desgraçado Que um homi tem, seo dotô Pra incoivará um roçado E quando o ouro do mio Vai ficando imbonecado Pra gente intonce coiê O mio morre de sede Pulo só estorricado Sequinho cumo vancê É pruque vancê num sabe Quanto é duro um pai sofrê Vendo seo fio crescendo Dizendo sempre: papai, Vem me ensiná o A-B-C Preguiçoso? Madracero? Não sinhô, seo conseiêro... Vancê não sabe de nada Vancê não sabe a corage Que é preciso um homi tê Pra corrê nas vaquejada Vossa incelença não sabe O valô de um sertanejo Acerando uma queimada Vancê tem um casarão Tem um jardim, uma chácra Tem criado de casaca E ganha tudos os dia Qué chova, qué faça sór Só pra falá, contos de ré Eu trabaio o ano inteiro Somente quando Deus qué Eu vivo do meu roçado Me estarfando como um burro Pra sustentá oito fio Minha mãe e minha muié Eu drumo im riba de um couro Numa casa de sapé Vancê tem seu artomóve Eu, pra vim no povoado Ando déis légua a pé Neste mês amarfadado Pru via de num chovê Via a roça do feijão Cum farta dágua morrê O sór teve tão ardente Lá pras banda do sertão Que meno de quinze dia Perdi toda criação... Na semana retrasada O vento, tanto ventô Que a páia que cobre a choça Foi pulos mato, avuô Minha muié tá morrendo Só pri farta de mpezinha E pru farta de um dotô Preguiçoso? Madracero? Não sinhô, seo conseiêro De lei, lezes, eu num sei nada Meu palaço é de sapé Quem dá lezes pra famía É minha boa muié Eu sou fromado oito vêis Eu sou também conseiêro Pruque tenho oito fiínho E quem dá lezes pra minha arma É as déis corda do meu pinho Vancê qué sê presidente? Apois seje, meu patrão Nóis já ficava contente Se vancê desse pra gente Um restozinho de pão... A nossa terra, o Brasí Já tem muita intiligença Muito homi de sabença Que só dá pra espertáião Leva o diabo a falação Pra sarvá o mundo intero Abasta tê coração... Pros homi de intiligença Trago comigo essa figa Esses homi tem cabeça Mais porém, o que é mais grande Do que a cabeça, é a barriga... Vancê leva nesses livros Lendo, lendo a tuda hora Mas porém eu só queria Cunhecê, seo conseiêro O que vancê ignora E abasta, já vô mimbora... e ó! Se um dia vancê quisé Passá uns dia de fome De fome e tarveis de sede E drumi lá numa rede Numa casa de sapé Vá passá cumigo uns tempo Nos mato do meu sertão Que eu hei de lhe abri a porta Da choça e do coração Eu vorto pros matagá Mas porém oiça premero Vancê pode nois xingá Nois chamá de madracero Pruque nós, seo conseiêro Num qué mais sê bestaião Vá tratá das inleição E voismecê hai de vê Pitando seu cachimbão O Jeca Tatu se rindo, aqui Cuspindo, sempre cuspindo Cum queixo im riba da mão... Eu sei que sô um animá Eu não sei memo o que eu sô... Mais porém eu lhe agaranto Que o que vancê já falô E o que ainda tem de falá E o que tem de escrevê... Todo, todo o seu sabê E toda a sua saranha Num vale uma palavrinha Daquelas coisa bonita Que Jesus numa tardinha Disse em riba da montanha
(Em Boldrin, Rolando (org.). Empório Brasil; atos e artefatos. São Paulo, Clube do Livro / Melhoramentos, 1988, p.92-97)
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CONFISSãO DE CABôCO
Zé da Luz
Seu duotô, sou criminoso. Sou criminoso de morte. Tou aqui pra mim intregá. Voimicê fique sabendo: - Quando a muié traz a sorte De atraiçoá o isposo Só presta para se matá. Nunca pensei, seu doutô Qui a mão nêga do distino, Merguiasse as minhas mão No sangue dos assarcino! Vô li pidí um favô Ante de vossamercê Mim butá daqui pra fora: - É a licença do doutô Preu li contá minha histora. Sinhô dotô delegado, Digo a vossa sinhuria Qui inté onte fui casado Cum a muié qui im vida Se chamô ROSA MARIA. Faz dez mês qui se gostemo, Faz oito qui fumo noivo Faz sete qui nós casêmo. Nós casêmo e nós vivia Cuma pobre, é verdade, Mas a gente se sentia Rico de filicidade! Pras banda qui nós morava, No lugá Chã da Cutia, Morava tombém um cabra Chamado Chico Faria. Esse cabra, antigamente, Tinha gostado de Rosa, Chegaro, inté a sê noivo, Mas num fizero a "introza" Do casamento, prumode Mané Uréia de bode, Qui era padrim de Maria Tê dismanchado essa prosa. Entoce, o Chico Faria, Adispois qui nós casêmo, In cunversa, as vez dizia, Qui ainda mi dava fim Pra se casá cum Maria. Dessa coisa eu sabia, Mas nunca dei importança. Tinha toda cunfiança Na muié qui eu tanto amava, Ou mais mió, adorava... Cum toda a minha sustança! Dispois disso, o meu custume Era vivê trabaiando Sem da muié tê ciume. A muié pru sua vez Nunca me deu cabimento Deu pensá qui ela fizesse Um dia um farcejamento. Mas, seu doutô, tome tento No resto da minha histora, Qui o ruim chegô agora: Se não me farta a mimora, Já faz assim uns três mêis, Qui o cabra, Chico Faria, Todo prosa, todo ancho, Quage sempre, mais das vêz, Avistava o meu rancho. Puralí, discunfiado Como quem qué e não qué, Eu fui vendo qui o marvado Tentava a minha muié. Ou tentação ou engano, Eu fui vendo a coisa feia! Pru derradêro eu já tava Ca mosca detrás da uréia. Os tempo foi se passando E o meu arriceiamento Cada vez ia omentano. Seu dotô, vá iscutano: Onte, já de tardezinha O meu cumpade, Quinca Arruda, Mi chamô pra nós dança Num samba - lá na Varginha, Na casa do mestre Duda. Mestre Duda é um cabôco, Um tocado de premêra. É o imboladô de côco Mió daquela rebêra. Entonce Rosa Maria, Sempre gostou de samba, Mas, porém, de tardezinha Me disse discunfiada, Qui pru samba ela não ia, Qui tava munto infadada, Percisava se deita... Eu fiquei discunfiado Cum a preposta da muié! Dispois qui tomei café, Cuage puro sem mistura, Cum a faca na cintura Fui pru samba, fui sambá. Cheguei no samba, dotô. Repare agora, o sinhô, Quem era qui tava lá? O cabra Chico Faria. Qui quano foi me avistando, Foi logo mi preguntando: - Cadê siá dona Maria, Num veio não, pra dançá? - Não sinhô. Ficô im casa. Pru cabôco arrispondí. Senti, entonce uma brasa Queimano meu coração, Nunca mais pude tirá As palavra desse cabra Da minha maginação. Perdí o gosto da festa E dançá num pude não. O cabra, pru sua vez Num dançava, seu doutô. De vez im quando me oiva Cum um oiá de traidô. Meia noite, mais ou meno, Se dispidino do povo Disse: - Adeus, qui eu já vô. Quando ele se arritirô, Eu tombem me arritirei Atraiz dele, sim sinhô. Ele na frente, eu atrais. Se o cabra andava ligêro, Eu andava munto mais! Noite iscura qui nem breu! Nem eu avistava o cabra, Nem o cabra via eu! Sempre andando, sempre andando. Ele na frente, eu atrais. Já nem se iscutava mais A voz do fole tocando Na casa do mestre Duda! A noite tava mais preta Qui a cunciênça de Judá! Sempre andando, sempre andando. Eu fui vendo, seu doutô, Qui o marvado ia tumando Direção da minha casa! Minha casa!... Sim sinhô! Já pertinho, no terrero Eu mim iscundí pru detraiz De um pé de trapiazêro. Abaixadim, iscundido, Prendi a suspiração, Abri os óio, os ouvido, Pra mió vê e ouvi Qua era a sua intenção. Seu doutô, repare bem: O cabra oiando pra traiz, Do mermo jeito, qui faiz Um ladrão pra vê arguém, Num tendo visto ninguém, Na minha porta bateu! De lá de dentro uma voiz Bem baixim arrispondeu... Ele entonce, cá de fora: - Quem ta bateno sou eu! De repente abriu-se a porta! Aí seu doutô, nessa hora A isperança tava morta, Tava morto o meu amô... No iscuro uma voiz falô: - Taqui, seu Chico, essa carta, Qui a tempo tinha iscrivido Pra mandá pra voismicê. Pru favô num leia agora, Vá simbora, vá simbora, Qui quando chegá im casa Tem munto tempo pra lê. Quando minhas oiça ouviu, As palavra qui Maria Dizia pru disgraçado, Eu fiquei amalucado, Fiquei quage cuma loco, Ou mio, cumo um cabôco Quando ta chêi de isprito! Dum sarto, cumo um cabrito, Eu tava nos pés do cabra E sem querer dei um grito: - Miserave! E arrastei Minha faca da cintura. Naquela hora dotô, Eu vi o Chico Faria, Na bêra da sipurtura! Mas o cabra têve sorte. Sempre nessas circunstança Os home foge da morte. Correu o cabra, dotô Tão vexado, qui dêxou A carta caí no chão! Dei de garra do papé, O portadô da traição! Machuquei nas minha mão, A honra, douto, a honra Daquela farsa muié! Dispois oiando pra carta Tive pena, pode crer, De num tê prindido a lê. Nas letra alí iscrivida O qui dizia Maria Pru marvado traidô. Tive pena, sim sinhô. Mas, qui haverá de fazê Se eu nunca prindí a lê? Maria mi atraiçuô! Essa muié qui um dia, Juêiada nos pé do artá Jurou im nome de Deus Qui inquanto tivesse vida, Haverá de mim honrá E mim amá cum todo amo. Cum perdão do seu doutô. Quando eu vi a miserave Na iscurideza da noite Dos meu oio se iscondê Sem dêxá nem sombra inté Entrei pra dentro de casa Pra mi vingá da muié. Douto, qui hora minguada! Maria tava ajuêiada, Chorando, cum as mão posta Cumo quem faz oração. Oiando pra eu pedia, Pelo cali, pela osta, Pru Jesus crucificado, Pelo amo qui eu li amava Qui num fizesse isso não. Eu tava, doutô, eu tava Cego de raiva e paixão. Sem dizê uma palavra, Agarrei nas suas mão, Levantei ela pra riba E interrei inté o cabo, O ferro da parnaíba Pru riba do coração! Sarvei a honra, doutô, Sarvei a honra, apois não! Dispois qui vi a Maria Caí sem vida no chão, Vim fala cum vosmicê, Vim cunfessá o meu crime E mim intregá as prisão. Se o sinhô num acredita Se eu sô criminoso ou não, Tá aqui a faca assarcina E o sangue nas minhas mão. Cumo prova da traição, Tá aqui a carta, doutô. Li peço um grande favô: Ante de vossa-sinhuria Mi mandá lá para prisão Me lêia aqui essa carta Preu sabê cumo Maria Perparava essa trição!
A CARTA "Seu Chico: Chã da Cutia. Digo a vossa senhoria Que só lhe escrevo essa carta Pru senhor ficar sabendo Que eu não sou a mulher Que o senhor tá entendendo. Se o senhor continuar Com os seus disbiques atrevidos O jeito que tem é contar Tudo, tudo a meu marido. O senhor fique sabendo Que com seu discaramento, Não faz nunca eu quebrar O sagrado juramento Que eu jurei nos pés do altar, No dia do casamento. Se o senhor é inxirido, Encontrou ua mulher forte, O nome do meu marido Eu honro até minha morte! Sou de vossa senhoria, Sua criada. MARIA." - Doutô! Doutô mi arresponda O qui é qui eu tô ouvindo? Vosmicê leu a carta, Ou num leu, ta mi inludindo? - Doutô! Meu Deus! Seu doutô, Maria tava inucente? Me arresponda pru favo! Inocente! Sim, senhor! Matei Maria inucente! Pru que, seu doutô, pru que? Matei Maria somente Pruque num aprendi a lê! Infiliz de quem num leu Uma carta de ABC. Magine agora o doutô, Quanto é grande o meu sofrê! Sou duas veiz criminoso, Qui castigo, seu doutô! Qui mizera! Qui horrô! Qui crime num sabê lê!
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( O FARMACEUTICO DE CARAÚBAS )
Cidade de Caraúbas De pequeníssimo porte Na zona oeste do Estado Do Rio Grande do Norte Lá da serra do Martins Já beirando os contrafortes
Sem precisar passaporte, Saindo de Mossoró, O seu FRANCISCO MINAN Já morara em Caicó E em Jardim de Piranhas; Até então sempre só.
Na região em redor, Muitas criações de bois... MINAN também teve reses, Mas somente anos depois. Foi morar em Caraúbas No ano de vinte e dois.
Tinha o seu feijão com arroz, Mesmo em fase propedêutica, No tratamento de enfermos, Na ciência farmacêutica. Desenvolveu-se bem rápido Com sua boa hermenêutica.
Na tarefa terapêutica Começara muito cedo, Desde os vinte e quatro anos Sem demonstrar qualquer medo Lá da PHARMÁCIA ROSADO, Ficou conhecendo os segredos
O seu primeiro degredo Por ele mesmo escolhido, Foi no ano dezessete, Mas já antes decidido. Pôs Farmácia em Caicó Era homem resolvido
Como sempre tinha sido Sua vida até então, Foi morar em Caraúbas Ao comprar do capitão Luís Guerra uma farmácia Da qual fez seu ganha-pão.
Abraçou essa missão: Ser o clínico da cidade Pois ali não tinha medico, E toda enfermidade Era ele que curava Mesmo de mor gravidade
Olhava a necessidade De tanta gente a sofrer De muitos pobres matutos Que sequer sabiam ler Ele aviava as receitas E o pagamento... cadê
Eu vou dizer a você Pois é a pura verdade: A muitos que receitava Lhes fazia a caridade De também dar o remédio, Conforme a necessidade.
Já conhecido na cidade, Foi atender a um chamado De seu Delmiro Fernandes Um fazendeiro abastado Que sofria de uma hérnia, A qual tinha estrangulado.
Logo viu-se apresentado Na casa do fazendeiro: Eu sou o senhor Francisco Minan Sales de Medeiros Disse, antes de entrar, Ainda estando no terreiro.
É que, pra seu desespero, Avistou, antes de entrar, Na janela, bela jovem , Que absorveu-lhe o olhar Pensou consigo: “-Esta jovem É com quem quero casar.”
Depois de ali receitar, Ao seu Delmiro, afinal, Prescreveu-lhe analgésicos E uma funda escrotal O tratamento correto Naquele casos o normal
Mas o que era anormal, Naquela ocasião, Era o seu tremor nas pernas Bastando ver no oitão Da casa do seu Delmiro, A jovem varrendo o chão.
Prestando mais atenção, Enquanto ali conversava Observou que a jovem Pra ele também olhava Com invulgar insistência Como quem o namorava.
No seu peito acalentava, Já sendo jovem maduro, Casar. Ter mulher e filhos É como via o futuro; Trabalhava desde há muito Pisava num chão seguro.
Com muito esmero e apuro, Numa esperança profunda Gravou o nome da moça Que disseram ser Raimunda Uma alegria intensa O seu coração inunda.
O júbilo mais se lhe abunda Quando já se despedia, Da casa de seu Delmiro, Pois a jovem lhe sorria, Embora um sorriso tímido Que fraternal parecia.
E logo no outro dia, Seu Minan já retornou Á casa de seu Delmiro, E os remédios lhe entregou - Analgésicos para que Lhe aliviassem a dor.
Outro tanto se passou Como a visita passada, Os olhares entre os moços, Os pais sem perceber nada Seu Minan puxou assunto Fez conversa demorada.
Mas a farmácia fechada O fez despedir-se, enfim... Prometeu que voltaria, Não era tão longe assim; Só demoraria um pouco Se fizesse tempo ruim.
Em pouco tempo, por fim, Foram visitas freqüentes à casa de seu Delmiro, Seu mais novo paciente. Achava sempre um motivo Para voltar novamente.
Já estava impaciente Pra ter azado o momento De falar aos pais da jovem Lhes pedir consentimento Pra namorar com Raimunda, Depois propor casamento.
Havia um impedimento, Porém, um grave problema, Raimunda já era noiva E ela estava num dilema Pra desfazer o noivado Sem urdir estratagema.
Juntou ela força extrema E foi falar ao rapaz, Que era Raimundo Rosendo; Lhe disse não ser capaz De casar-se, amando a outro, Pois nunca teria paz.
Rosendo sofreu demais Ao ser assim informado, Mas entendeu as razões Da noiva e, conformado, Logo casou-se com outra E esqueceu o passado.
Assim, ficou acertado O enlace nupcial De seu Minan e Raimunda; Completou-se o enxoval. Dona Júlia e seu Delmiro Abençoaram o casal.
O casamento, afinal, Pra vinte e sete de junho, Foi marcado. E seu Minan Escreveu de próprio punho Os convites aos amigos Para darem testemunho.
Um relato deste cunho Me pede um final feliz. De um total de doze filhos, Somente um Deus não quis Que viesse vivo ao mundo, Ter os direitos civis.
Esta poesia eu fiz Após ter lido “LEMBRANçAS” A obra do Doutor Delby, Que, bom filho, não se cansa De nos trazer as memórias De seu tempo de criança.
* * * * * J-acira, o seu presente O-doutor Delby agradece. A-tendi a seu pedido... Q-ue melhor rima tivesse! U-ma poesia assim I-nda não é coisa pra mim, M-as Deus querendo, acontece. RMACêUTICO DE CARAÚBAS ) |
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Estória de João-Joana
Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo
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Meu leitor, o sucedido em Lajes do Caldeirão é caso de muito ensino, merecedor de atenção. Por isso é que me apresento fazendo esta relação.
Vivia em dito arraial do país das Alagoas um rapaz chamado João cuja força era das boas pra sujigar burro bravo, tigres, onças e leoas.
João, lhe deram este nome não foi de letra em cartório pois sua mãe e seu pai viviam de peditório. Gente assim do miserê nunca soube o que é casório.
Ficou sendo João, pois esse é nome de qualquer um. Não carece excogitar, pedir a doutor nenhum, que a sentença vem do Céu, não de lá do Barzabum.
De pequeno ficou órfão, criado por seus dois manos. Foi logo para o trabalho com muitos outros fulanos e seu muque, sem mentira, era o de três otomanos.
Na enxada, quem que vencia aquele tico de gente. No boteco, se ele entrava pra bochechar aguardente, o saudavam com respeito Deus lhe salve, meu parente.
João moço não enjeitava parada com sertanejo. Podiam brincar com ele sem carregar no gracejo. Dizia que homem covarde não é cabra, é percevejo.
Um dia de calor desses que tacam fogo no agreste, João suava que suava sem despir a sua veste. Companheiro, essa camisa não é coisa que moleste?
lhe perguntou um amigo que estava de peito nu. E João se calado estava nem deu pio de nambu. Ninguém nunca viu seu pêlo, nem por trás do murundu.
João era muito avexado na hora de tomar banho. Punha tranca no barraco fugindo a qualquer estranho. Em Lajes nenhum varão tinha recato tamanho.
João nas últimas semanas entrou a sofrer de inchaço. Mesmo assim arranca toco sem se carpir de cansaço. Um dia, não güenta mais, exclama: O que é que eu faço?
Os manos vendo naquilo coisa mei desimportante, logo receitam de araque meizinha sem variante para qualquer macacoa: Carece tomar purgante.
João entrou no purgativo louco de dor e de medo se entorcendo e contorcendo na solidão do arvoredo pois ele em sua aflição lá se escondera bem cedo.
O gemido que exalava do peito de João sozinho alertou os seus dois manos que foram ver de mansinho como é que aquele bravo se tornara tão fraquinho.
No chão de terra, essa terra que a todos nós vai comer, chorava uma criancinha acabada de nascer, E João, de peito desnudo, acarinhava este ser.
Aquela cena imprevista causou a maior surpresa. O que tanto se ocultara se mostrava sem defesa. João deixara de ser João por força da natureza.
A mulher surgia nele ao mesmo tempo que o filho, tal qual se brotassem junto a espiga com o pé de milho, ou como bala que estoura sem se puxar o gatilho.
Se os manos levaram susto, até eu, que apenas conto. E o povo todo, assuntando a estória ponto por ponto, ficou em breve inteirado do que aí vai sem desconto.
Nem menino nem menina era João quando nasceu. A mãe, sem saber ao certo, o nome de João lhe deu, dizendo: Vai vestir calça e não saia que nem eu.
à proporção que crescia feito animal na campina, em João foi-se acentuando a condição feminina, mas ele jamais quis ser tratado feito menina.
Pois nesse triste povoado e cem léguas ao redor, ser homem não é vantagem mas ser mulher é pior. Quem vê claro já conclui: de dois males o menor.
Homem é grão de poeira na estrada sem horizonte; mulher nem chega a ser isso e tem de baixar a fronte ante as ruindades da vida, de altura maior que um monte.
A sorte, se presenteia a todos doença e fome, para as mulheres capricha num privilégio sem nome. Colhe miséria maior e diz à coitada: Tome.
É forma de escravidão a infinita pobreza, mas duas vezes escrava é a mulher com certeza, pois escrava de um escravo pode haver maior dureza?
Por isso aquela mocinha fez tudo para iludir aos outros e ao seu destino. Mas rola não é tapir e chega lá um momento da natureza explodir.
João vira Joana: acontecem dessas coisas sem preceito. No seu colo está Joãozinho mamando leite de peito. Pelo menos esse aqui de ser homem tem direito.
De ser homem: de escolher o seu próprio sofrimento e de escrever com peixeira a lei do seu mandamento quando à falta de outra lei ou eu fujo ou arrebento.
Joana desiste de tudo que ganhara por mentira. Sabe que agora lhe resta apenas do saco a embira. E nem mesmo lhe aproveita esta minha pobre lira.
Saibam quantos deste caso houverem ciência, que a vida não anda, em favor e graça, igualmente repartida, e que dor ensombra a falta de amor, de paz e comida.
Meu leitor (não eleitor, que eu nada te peço a ti senão me ler com paciência de Minas ao Piauí): tendo contado meu conto, adeus, me despeço aqui.
Esse cordel musical de autoria de Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo, foi gravado no Estúdio Transamérica - Rio de Janeiro, em fevereiro, março e abril de 1985, com voz e arranjo de Sérgio Ricardo, orquestração de Radamés Gnattali e regência de Alexandre Gnattali.
Foi extraído do livro "Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 2002, pág. 617.
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