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Enviado: 21/10/2006 06:24 |
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ELA VEIO!
Como a Luz, como a Sombra, como a Vaga,
como a Noite...
Foi assim que ela veio. Subtilmente
me enredou na volúpia misteriosa
de suas falas mansas quase mudas.
Não mais teve sentido o meu relógio.
Eram folhas no Outono as folhas brancas
do calendário.
Afogado e perdido, sem remédio,
só me ficou de fora a mão direita
para deixar escritos...
estes meus derradeiros versos...
(Sebastião da Gama )
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GRAçA
Aquele abraço
Aquele beijo de nós dois,
Senhor !,
foi tão sincero
que, quando agora digo : «Quero...»
já não sou eu que falo
somos nós.
(Sebastião da Gama
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A COMPANHEIRA
Não te busquei, não te pedi : vieste.
E desde que eu nasci houve mil coisas
que a meus olhos se deram com igual
simplicidade : o Sol, a manhã de hoje,
essa flor que é tão grácil que a não quero,
o milagre das fontes pelo Estio ...
Vieste ( o Sol veio também, a flor,
a manhã de hoje, as águas ...) Alegria,]
mas calada alegria, mas serena,
entendimento puro, natural
encontro, natural como a chegada
do Sol, da flor, das águas, da manhã,
de ti, que eu nem buscara nem pedira.
E o Amor ? E o Amor ? E o Amor ?
- : Vieste.
(Sebastião da Gama)
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JANELA
Não basta abrir a janela
para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
para ver as árvores e as flores .
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores : há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora ;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
(Sebastião da Gama) | | | | | | | | | | | |
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PUREZA
Vem toda nua
ou, se o não consentir o teu pudor,
vestida de vermelho.
*
Teus tules brancos,
o azul, que desmaia,
de tuas sedas finais,
guarda-os pra outros dias.
*
Pra quando, Amor! , teu ventre, já redondo,
merecer a pureza do azul ...
Sebastião da Gama
in, " Cabo da Boa Esperança "
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PUREZA
Vem toda nua
ou, se o não consentir o teu pudor,
vestida de vermelho.
*
Teus tules brancos,
o azul, que desmaia,
de tuas sedas finais,
guarda-os pra outros dias.
*
Pra quando, Amor! , teu ventre, já redondo,
merecer a pureza do azul ...
Sebastião da Gama
in, " Cabo da Boa Esperança "
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CANçãO DO VENTO NORTE
Vento Norte !,
Vento Norte !
Não quero já, noutro berço
que o Vento Norte !
O que estilhaça os navios
e enche de pranto os rosais ;
me traz notícias de crimes
e faz tremer como vimes
os meus lábios ...
Não mais a vida pacata,
Sentadinha, sentadinha,
que não é vida nem é nada .
Que me doa, mas que eu viva !
Que importa os gritos que der,
se bem maiores os deu
minha Mãe, pra me parir ?
Vem-me embalar, Vento Norte !,
nem que me quebres o berço.
Vamos os dois por i fora
pregar partidas aos lagos.
Minhas horas descansadas,
minhas horas morrinhentas,
só vividas
no mostrador do relógio,
eu vos renego e acuso
por crime de alta traição
contra a minha mocidade.
Agora que venha o Vento
apagar vossa lembrança !
O vento Norte ...
O que desfolha os rosais
e põe barcos em frangalhos
e rasga nossos cabelos
como a bandeira de Guerra,
mas varre as nuvens
para a gente ver o Sol
e segreda a meus ouvidos
coisas de tanta verdade
que já não creio que o Vento
não seja da minha idade ...
( Sebastião da Gama )
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A B C
"Quantas horas perdi
foi por ti
que as perdi."
Vai o meu coração
repetiu a lição:
- "Quantas horas perdi
foi por ti
que as ganhei..."
Sebastião da Gama
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MELODIA
Sebastião da Gama
Há uma música qualquer,
nos meus sentidos, que eu não digo.
Quero escutá-la só comigo.
De que me serve, se a disser?
Não mais a música persiste
se eu tiver contado a alguém;
de o não-ouvir que sobrevivem,
silêncio triste...
Ai não te cales, melodia!
Quero que sejas meu bafo;
dos gestos todos que aqui faço,
a alma oculta que nos guia.
(SG)
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Sem Título 2. Senastião da Gama
Da minha janela
vê-se a Poesia.
Não te digo, não,
se é bonita ou feia,
se é azul ou branca,
nem que formas tem.
Queres conhecê-la?
Deixa o teu bordado,
vem para o meu lado,
que já podes vê-la
com teus próprios olhos.
Da minha janela
vê-se a Poesia...
Outro que te diga
se é bonita ou feia.
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PARAÍSO PERDIDO
Éramos duas crianças descuidadas. Éramos duas flores nascidas num jardim,
ao lado uma da outra, tão perto uma da outra,
que confundiam seus perfumes, sua cor, suas raízes.
Éramos ... Mas sei lá bem o que nós éramos !
Sei lá eu se em verdade fomos o que fomos !
Raiz, perfume, cor,
já só existem na dor de querer em vão lembrá-los.
E no entanto, Amor, o que fomos nós ?
Esta angústia, vaga mas persistente, a que devemos ? ...
Deus fugiu-nos, não fomos nós que Lhe fugimos,
mas não deixámos nunca de rezar-Lhe nem de acatar Seu nome.
Quase que não saímos do jardim.
Não matámos, não dissemos mal dos outros,
Eu declinei convites que Deus me proibia ...
Simplesmente, ao amar-te pensei no nosso Amor.
Vi no Amor uma fonte de alegria – não de tristezas.
Acreditei que teus lábios eram frutos
que eu devia trincar antes de amadurecerem ...
Amei com a mesma ternura o teu corpo e a tua alma.
Amei-te, flor !, raiz e caule e pétalas e folhas,
tão carinhosamente, tão religiosamente,
como amei teu perfume.
Mas hoje, inexplicável, oiço em tudo
uma tremenda acusação : o azul das ondas
a meiguice infantil das miosótis
o céu balsmico, as cariciosas nuvens,
tudo que é meigo, azul, caricioso, balsmico
só por hábito o sinto ainda assim. E tudo me pergunta :
« Que é de ti ? Que fizeste
do que olhava para nós enternecidamente"?"
Vou-te amando por hábito !
Mas a continuando a parecer deslumbrado e sincero.
E o mais triste é que chego a acreditar em mim,
e o mais irónico é que todos me gabam e me invejam.
Pudesse eu regressar ... Mas como,
Se quase não saí de onde estava ?
Pudesse (mas como não pequei ?)
não voltar a pecar,
e novamente ser a flor ingénua do jardim ...
Ou será, minha vida maravilhosamente apaixonada
por tudo quanto é belo, será que o teu destino frutos que são teus
e torturada olhar de longe a água que mereces ?
Ah !, se o Amor me é vedado como preço de amar ardentemente,
de comovidamente olhar, ouvir, sentir , cantar,
abençoada angustia !
Levem a água para longe dos meus lábios.
E pareçam meus lábios, eles que não beberam água puríssima intacta ;
levem para bem longe das minhas mãos os frutos
- e que pareçam elas frutos sempre maduros e magníficos
que nem a mão dos Homens nem a foice do Tempo maltrataram.
(Sebastião da Gama )
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APONTAMENTO
É tão bom
sentir a ventania lá fora
e a calma cá por dentro !...
Ou o contrário disto :
vento e raiva por dentro, e, lá por fora, uma calma
que mais parece um gesto ou um olhar
de Cristo ...
Ou, então,
chegar a esta confusão
se não saber se o vento é lá por fora
se é cá por dentro ...
Sebastião da Gama ,
in " Serra-Mãe "
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NARCISO
Curvei, sobre o regato, o corpo todo ...
Porém, mal entrevi o meu retrato,
que foi olhar e as águas do regato
se turvaram, manchadas no meu lodo.
Depois, cavei cá dentro com denodo ;
perfumei-me de flores azuis do mato
e, quando cri expulso o lodo inato,
mais uma vez curvei meu corpo todo.
E as águas tardaram em toldar ...
Mas debruço-me ainda, pois espero
que me hão de um dia, claras espelhar.
Tanto faz ver-me belo ou feio, então ;
só cristalinas, límpidas, as quero ...
(Sebastião daGama) | | | | | | | |
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Serra - Mãe
Quando eu nasci, ficou tudo como estava, Nem homens cortaram veias, nem o Sol escureceu, nem houve Estrelas a mais... Somente, esquecida das dores, a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci, não houve nada de novo senão eu.
As nuvens não se espantaram, não enlouqueceu ninguém...
Pra que o dia fosse enorme, bastava toda a ternura que olhava nos olhos de minha Mãe...
Sebastião da Gama
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NASCI PARA SE IGNORANTE
Nasci para ser ignorante mas os parentes teimaram (e dali não arrancaram) em fazer de mim estudante.
Que remédio? Obedeci. Há já três lustros que estudo. Aprender, aprendi tudo, mas tudo desaprendi.
Perdi o nome às Estrelas, aos nossos rios e aos de fora. Confundo fauna com flora. Atrapalham-me as parcelas.
Mas passo dias inteiros a ver um rio passar. Com aves e ondas do Mar tenho amores verdadeiros.
Rebrilha sempre uma Estrela por sobre o meu parapeito; pois não sou eu que me deito sem ter falado com ela.
Conheço mais de mil flores. Elas conhecem-me a mim. Só não sei como em latim as crismaram os doutores.
No entanto sou promovido, mal haja lugar aberto, a mestre: julgam-me esperto, inteligente e sabido.
O pior é se um director espreita pla fechadura: lá se vai licenciatura se ouve as lições do doutor.
Lá se vai o ordenado de tuta-e-meia por mês. Lá fico eu de uma vez um Poeta desempregado.
Se me não lograr o fado porém, com tais directores, e de rios, aves e flores somente for vigiado,
enquanto as aulas correrem não sentirei calafrios, que flores, aves e rios ignorante é que me querem.
Sebastião da Gama
Cabo da Boa Esperança, 2ª Ed.(1959)
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