MESTRE
Mestre, Mestre querido, Pai de Amor, As glórias que conquistas coa razão, Enchendo de prazer teu coração Tatraem grandes bençãos do Senhor!
Os teus louros têm mais vivo fulgor, Que os ganhos ao ribombo do canhão; Que os de um Aníbal, dum Napoleão, Alcançados das mortes entre o horror.
Sim! Que os louros terríveis que Mavorte Ao soldado concede em dura guerra, Todos murcha a idéia só da morte!
Mas nos teus vero mérito se encerra, Que não cede do tempo ao braço forte, E alcançam justo prêmio além da terra!...
Castro Alves
Fados contrários
Castro Alves
DIZ à FLOR a borboleta: "Vamos, irmã, tudo é luz! Há muito prisma doirado Que pelos ares transluz... Tuas pétalas são asas... Das nuvens nas tênues gazas, Daurora nos seios nus Tens um ninho entre perfumes... Vamos boiar, entre lumes Desses páramos azúis". A linda filha dos ares, Responde a silvestre flor: "Eu amo o gemer das auras E o beijo do beija-flor... Se és do céu a violeta, Sigo um destino menor. Buscas o céu — eu a alfombra, Queres a luz — quero a sombra, Pedes glória — eu peço amor.
Antítese
Castro Alves Cintila a festa nas salas! Das serpentinas de prata Jorram luzes em cascata Sobre sedas e rubins. Soa a orquestra ... Como silfos Na valsa os pares perpassam, Sobre as flores, que se enlaçam Dos tapetes nos coxins.
Entanto a névoa da noite No átrio, na vasta rua, Como um sudário flutua Nos ombros da solidão. E as ventanias errantes, Pelos ermos perpassando, Vão se ocultar soluçando Nos antros da escuridão.
Tudo é deserto. . . somente à praça em meio se agita Dúbia forma que palpita, Se estorce em rouco estertor.
— Espécie de cão sem dono Desprezado na agonia, Larva da noite sombria, Mescla de trevas e horror.
É ele o escravo maldito, O velho desamparado, Bem como o cedro lascado, Bem como o cedro no chão. Tem por leito de agonias As lájeas do pavimento, E como único lamento Passa rugindo o tufão.
Chorai, orvalhos da noite, Soluçai, ventos errantes. Astros da noite brilhantes Sede os círios do infeliz! Que o cadáver insepulto, Nas praças abandonado, É um verbo de luz, um brado
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O seu prêmio? — O desprezo e uma carta de alforria quando tens gastas as forças e não pode mais ganhar a subsistência. Maciel Pinheiro
A queimada Castro Alves
MEU NOBRE perdigueiro! vem comigo. Vamos a sós, meu corajoso amigo, Pelos ermos vagar! Vamos Já dos gerais, que o vento açoita, Dos verdes capinais nagreste moita A perdiz levantar!... Mas não!... Pousa a cabeça em meus joelhos... Aqui, meu cão! ... Já de listrões vermelhos O céu se iluminou. Eis súbito da barra do ocidente, Doudo, rubro, veloz, incandescente, O incêndio que acordou! A floresta rugindo as comas curva... As asas foscas o gavião recurva, Espantado a gritar. O estampido estupendo das queimadas Se enrola de quebradas em quebradas, Galopando no ar. E a chama lavra qual jibóia informe, Que, no espaço vibrando a cauda enorme, Ferra os dentes no chão... Nas rubras roscas estortega as matas.... Que espadanam o sangue das cascatas Do roto coração!... O incêndio — leão ruivo, ensangüentado, A juba, a crina atira desgrenhado Aos pampeiros dos céus!... Travou-se o pugilato e o cedro tomba... Queimado..., retorcendo na hecatomba Os braços para Deus. A queimada! A queimada é uma fornalha! A irara — pula; c cascavel — chocalha... Raiva, espuma o tapir! ... E às vezes sobre o cume de um rochedo A corça e o tigre — náufragos do medo — Vão trêmulos se unir ! Então passa-se ali um drama augusto... Núitimo ramo do pau-darco adusto O jaguar se abrigou... Mas rubro é o céu... Recresce o fogo em mares... E após tombam as selvas seculares... E tudo se acabou!...
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HEBRÉIA
Antônio de Castro Alves
Flos campi et lilium convallium (Cntico dos Cnticos)
Pomba desprança sobre um mar descolhos! Lírio do vale oriental, brilhante! Estrela vésper do pastor errante! Ramo de murta a recender cheirosa!. ..
Tu és, ó filha de Israel formosa... Tu és, ó linda, sedutora Hebréia... Pálida rosa da infeliz Judéia Sem ter o orvalho, que do céu deriva!
Por que descoras, quando a tarde esquiva Mira-se triste sobre o azul das vagas? Serão saudades das infindas plagas, Onde a oliveira no Jordão se inclina?
Sonhas acaso, quando o sol declina, A terra santa do Oriente imenso? E as caravanas no deserto extenso? E os pegureiros da palmeira à sombra?!...
Sim, fora belo na relvosa alfombra, Junto da fonte, onde Raquel gemera, Viver contigo qual Jacó vivera Guiando escravo teu feliz rebanho..
Depois nas águas de cheiroso banho Como Susana a estremecer de frio -- Fitar-te, ó flor do babilônio rio, Fitar-te a medo no salgueiro oculto...
Vem pois!... Contigo no deserto inculto, Fugindo às iras de Saul embora, Davi eu fora, -- se Micol tu foras, Vibrando na harpa do profeta o canto...
Não vês?... Do seio me goteja o pranto Qual da torrente do Cédron deserto!... Como lutara o patriarca incerto Lutei, meu anjo, mas caí vencido.
Eu sou o lótus para o chão pendido. Vem ser o orvalho oriental, brilhante!. Ai! guia o passo ao viajor perdido, Estrela vésper do pastor errante!...
A CRUZ NA ESTRADA
Castro Alves
CAMINHEIRO que passa pela estrada, Seguindo pelo rumo do sertão, Quando vires a cruz abandonada, Deixa-a em paz dormir na solidão.
Que vale o ramo do alecrim cheiroso Que lhe atiras nos braços ao passar? Vais espantar o bando buliçoso Das borboletas, que lá vão pousar.
É de um escravo humilde sepultura, Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz. Deixa-o dormir no leito de verdura, Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.
Não precisa de ti. O gaturamo Geme, por ele, à tarde, no sertão. E a juriti, do taquaral no ramo. Povoa, soluçando a solidão.
Dentre os braços da cruz, a parasita, Num abraço de flores, se prendeu. Chora orvalhos a grama, que palpita; Lhe acende o vaga-lume o facho seu.
Quando, à noite, o silêncio habita as matas, A sepultura fala a sós com Deus. Prende-se a voz na boca das cascatas, E as asas de ouro aos astros lá nos céus.
Caminheiro! do escravo desgraçado O sono agora mesmo começou! Não lhe toques no leito de noivado, Há pouco a liberdade o desposou.
Recife, 22 de junho de 1865.
Mater dolorosa
Castro Alves
Meu Filho, dorme, dorme o sono eterno No berço imenso, que se chama - o céu. Pede às estrelas um olhar materno, Um seio quente, como o seio meu.
Ai! borboleta, na gentil crisálida, As asas de ouro vais além abrir. Ai! rosa branca no matiz tão pálida, Longe, tão longe vais de mim florir.
Meu filho, dorme Como ruge o norte Nas folhas secas do sombrio chão! Folha destalma como dar-te à sorte? É tredo, horrível o feral tufão!
Não me maldigas... Num amor sem termo Bebi a força de matar-te a mim Viva eu cativa a soluçar num ermo Filho, sê livre... Sou feliz assim...
- Ave - te espera da lufada o açoite, - Estrela - guia-te uma luz falaz. - Aurora minha - só te aguarda a noite, - Pobre inocente - já maldito estás.
Perdão, meu filho... se matar-te é crime Deus me perdoa... me perdoa já. A fera enchente quebraria o vime... Velem-te os anjos e te cuidem lá.
Meu filho dorme... dorme o sono eterno No berço imenso, que se chama o céu. Pede às estrelas um olhar materno, Um seio quente, como o seio meu.
Hino ao sono
Ó SONO! ó noivo pálido Das noites perfumosas, Que um chão de nebulosas Trilhas pela amplidão! Em vez de verdes pmpanos, Na branca fronte enrolas As lnguidas papoulas, Que agita a viração.
Nas horas solitárias, Em que vagueia a lua, E lava a planta nua Na onda azul do mar, Com um dedo sobre os lábios No vôo silencioso, Vejo-te cauteloso No espaço viajar!
Deus do infeliz, do mísero! Consolação do aflito! Descanso do precito, Que sonha a vida em ti! Quando a cidade tétrica De angústia e dor não geme... É tua mão que espreme A dormideira ali.
Em tua branca túnica Envolves meio mundo... E teu seio fecundo De sonhos e visões, Dos templos aos prostíbulos, Desde o tugúrio ao Paço, Tu lanças lá no espaço Punhados de ilusões!...
Da vide o sumo rúbido, Do hatchiz a essência, O ópio, que a indolência Derrama em nosso ser, Não valem, gênio mágico, Teu seio, onde repousa A placidez da lousa E o gozo de viver...
Ó sono! Unge-me as pálpebras... Entorna o esquecimento Na luz do pensamento Que abrasa o crnio meu. Como o pastor da Arcádia, Que uma ave errante aninha... Minhalma é uma andorinha... Abre-lhe o seio teu.
Tu, que fechaste as pétalas Do lírio, que pendia, Chorando a luz do dia E os raios do arrebol, Também fecha-me as pálpebras... Sem Ela o que é a vida? Eu sou a flor pendida Que espera a luz do sol.
O leite das eufórbias Pra mim não é veneno... Ouve-me, ó Deus sereno! Ó Deus consolador! Com teu divino bálsamo Cala-me a ansiedade! Mata-me esta saudade, Apaga-me esta dor.
Mas quando, ao brilho rútilo Do dia deslumbrante, Vires a minha amante Que volve para mim, Então ergue-me súbito... É minha aurora linda... Meu anjo... mais ainda... É minha amante enfim!
Ó sono! Ó Deus noctívago! Doce influência amiga! Gênio que a Grécia antiga Chamava de Morfeu, Ouve!... E se minhas súplicas Em breve realizares... Voto nos teus altares Minha lira de Orfeu!
Castro Alves
Fábula
O pássaro e a flor
Antônio de Castro Alves
Era num dia sombrio Quando um pássaro erradio Veio parar num jardim. Aí fitando uma rosa, Sua voz triste e saudosa, Pôs-se a improvisar assim.
"ó Rosa, ó Rosa bonita! Ó Sultana favorita Deste serralho de azul: Flor que vives num palácio, Como as princesas de Lácio, Como as filhas de Stambul.
Corno és feliz! Quanto eu dera Pela eterna primavera Que o teu castelo contém... Sob o cristal abrigada, Tu nem sentes a geada Que passa raivosa além.
Junto às estátuas de pedra Tua vida cresce, medra, Ao fumo dos narguillés, No largo vaso da China Da porcelana mais fina Que vem do Império Chinês.
O Inverno ladra na rua, Enquanto adormeces nua Na estufa até de manhã. Por escrava - tens a aragem O sol - é teu louro pajem. Tu és dele - a castelã.
Enquanto que eu desgraçado, Pelas chuvas ensopado, Levo o tempo a viajar, - Boêmio da média idade, Vou do castelo à cidade, Vou do mosteiro ao solar!
Meu capote roto e pobre Mal os meus ombros encobre Quanto à gorra... tu bem vês! ... Ai! meu Deus! se Rosa fora Como eu zombaria agora Dos louros dos menestréis!. . .
Então por entre a folhagem Ao passarinho selvagem A rosa assim respondeu: "Cala-te, bardo dos bosques! Ai! não troques os quiosques Pela cúpula do céu.
Tu não sabes que delírios Sofrem as rosas e os lírios Nesta dourada prisão. Sem falar com as violetas. Sem beijar as borboletas, Sem as auras do sertão.
Molha-te a fria geada... Que importa? A loura alvorada Virá beijar-te amanhã. Poeta, romperás logo, A cada beijo de fogo, Na cantilena louçã.
Mas eu?! Nas salas brilhantes Entre as tranças deslumbrantes A virgem me enlaçará Depois cadáver de rosa A valsa vertiginosa Por sobre mim rolará.
Vai, Poeta... Rompe os ares Cruza a serra, o vale, os mares Deus ao chão não te amarrou! Eu calo-me - tu descansas, Eu rojo - tu te levantas, Tu és livre - escrava eu sou! ...
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Aqui, onde o talento verdadeiro Não nega o povo o merecido preito; Aqui onde no público respeito Se conquista o brasão mais lisonjeiro.
Aqui onde o gênio sobranceiro E, de torpes calúnias, ao efeito, Jesuína, dos zoilos a despeito, És tu que ocupas o lugar primeiro!
Repara como o povo te festeja... Vê como em teu favor se manifesta, Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!
Fazes bem desprezar quem te molesta; Ser indifrente ao regougar da inveja, "Das almas grandes a nobreza é esta."
Castro Alves |
SOMBRA - BÁRBORA
Erguendo o cálix que o Xerez perfuma. Loura a trança alastrando-lhe os joelhos, Dentes níveos em lábios tão vermelhos, Como boiando em purpurina escuma;
Um dorso de Valquíria... alvo de bruma, Pequenos pés sob infantis artelhos, Olhos vivos, tão vivos, como espelhos, Mas como eles também sem chama alguma;
Garganta de um palor alabastrino, Que harmonias e músicas respira... No lábio - um beijo... no beijar - um hino;
Harpa eólia a esperar que o vento a fira, - Um pedaço de mármore divino... - É o retrato de Bárbara - a Hetaira.
Castro Alves
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