Prefiro rosas, meu amor, à pátria, E antes magnólias amo Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo Que a vida por mim passe Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa Que um perca e outro vença, Se a aurora raia sempre,
Se cada ano com a Primavera As folhas aparecem E com o Outono cessam? E o resto, as outras coisas que os humanos Acrescentam à vida, Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indiferença E a confiança mole Na hora fugitiva.
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendos E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e cetim… É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente… É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!
(Florbela Espanca, «Charneca em Flor», in «Poesia Completa»)
*** Soneto do amor total *** - Poema de Vinícius de Moraes
Amo-te tanto meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade.
Amo-te enfim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude.
O meu amor, o meu amor, Maria É como um fio telegráfico da estrada Aonde vêm pousar as andorinhas... De vez em quando chega uma E canta (Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!) Canta e vai-se embora Outra, nem isso, Mal chega, vai-se embora. A última que passou Limitou-se a fazer cocô No meu pobre fio de vida! No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo: As andorinhas é que mudam.
Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida. Se os olhares se cruzarem e, neste momento,houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu. Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês. Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.
Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR.
Meu Amor! Meu Amante! Meu amigo! Colhe a hora que passa, hora divina, Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo! Sinto-me alegre e forte! Sou menina!
Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina... Pele doirada de alabastro antigo... Frágeis mãos de madona florentina... -- Vamos correr e rir por entre o trigo!
Há rendas de gramíneas pelos montes... Papoilas rubras nos trigais maduros... Água azulada a cintilar nas fontes...
E à volta, Amor...tornemos, nas alfombras Dos caminhos selvagens e escuros, Num astro só as nossas duas sombras...
Persegui-a com as mãos, como uma criança a um brinquedo. Era um sonho; era mais: - a alegria que chega, o prazer que nos toma e nos deixa inebriados, atirando à corrente, num gesto, os sentidos...
Ah! Povoou minhas noites de sono sem pálpebras; dançava entre estrelas na distncia, - via-a! Meu destino! pensei, - eis o amor! - É esse sangue que me queima por dentro e me agita: eis o amor!
E alcancei-a! Eis o mar ao redor atordoante! Nos meus braços em concha era como uma pérola escondida, o mistério do oceano a guardar...
E de repente, é estranho! esse vazio, esta nsia! Como a posse do amor está longe do amor e o rumor que há na concha... está longe do mar!
E a Vida foi, e é assim, e não melhora. Esforço inutil, crê! Tudo é illuzão... Quantos não scismam n'isso mesmo a esta hora Com uma taça, ou um punhal na mão!
Mas a Arte, o Lar, um filho, Antonio? Embora! Chymeras, sonhos, bolas de sabão. E a tortura do além e quem lá mora! Isso é, talvez, minha unica afflicção...
Toda a dor pode suspportar-se, toda! Mesmo a da noiva morta em plena boda, Que por mortalha leva... essa que traz...
Mas uma não: é a dor do pensamento! Ai quem me dera entrar n'esse convento Que ha além da Morte e que se chama A Paz!
Eu te peço perdão por te amar de repente Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos Das horas que passei à sombra dos teus gestos Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos Das noites que vivi acalentando Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente. E posso te dizer que o grande afeto que te deixo Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas Nem as misteriosas palavras dos véus da alma... É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias E só te pede que te repouses quieta, muito quieta E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar estático da aurora.
"Ó negro esfarrapado do Harlem / ó dançarino de Chicago / ó negro servidor do South / Ó negro de África / negros de todo o mundo / eu junto ao vosso canto / a minha pobre voz / os meus humildes ritmos."
Poemas: Quitandeira Voz de sangue Mussunda amigo Contratados Aspiração Poesia africana Fogo e ritmo Kinaxixi Noite Consciencialização Civilização ocidental Adeus à hora da largada
Nasceu em Catete, Angola, em 1922, faleceu em 1979. Estudos primários e secundários em Angola, licenciado em Medicina pela Universidade de Lisboa. Em Portugal, sempre esteve ligado à actividade política, onde com Lúcio Lara e Orlando de Albuquerque fundou a revista Momento, em 1950. Como aconteceu a outros escritores africanos foi preso e desterrado para Cabo Verde, tendo mais tarde conseguido a fuga para o continente. Presidente do MPLA, foi o primeiro presidente de Angola.
Obra Poética: Quatro Poemas de Agostinho Neto, 1957, Póvoa do Varzim, e.a.;
Poemas, 1961, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império;
Sagrada Esperança, 1974, Lisboa, Sá da Costa (inclui os poemas dos dois primeiros livros);
A Renúncia Impossível, 1982, Luanda, INALD (edição póstuma).
A quitanda. Muito sol e a quitandeira à sombra da mulemba.
- Laranja, minha senhora, laranjinha boa!
A luz brinca na cidade o seu quente jogo de claros e escuros e a vida brinca em corações aflitos o jogo da cabra-cega.
A quitandeira que vende fruta vende-se.
- Minha senhora laranja, laranjinha boa!
Compra laranja doces compra-me também o amargo desta tortura da vida sem vida.
Compra-me a infncia do espírito este botão de rosa que não abriu princípio impelido ainda para um início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos com que chorava eu já não choro.
E aí vão as minhas esperanças como foi o sangue dos meus filhos amassado no pó das estradas enterrado nas roças e o meu suor embebido nos fios de algodão que me cobrem.
Como o esforço foi oferecido à segurança das máquinas à beleza das ruas asfaltadas de prédios de vários andares à comodidade de senhores ricos à alegria dispersa por cidades e eu me fui confundindo com os próprios problemas da existência.
Aí vão as laranjas como eu me ofereci ao álcool para me anestesiar e me entreguei às religiões para me insensibilizar e me atordoei para viver.
Tudo tenho dado.
Até mesmo a minha dor e a poesia dos meus seios nus entreguei-as aos poetas.
Agora vendo-me eu própria. - Compra laranjas minha senhora! Leva-me para as quitandas da Vida o meu preço é único: - sangue.
Talvez vendendo-me eu me possua.
- Compra laranjas!
(Sagrada esperança)
Voz do sangue
Palpitam-me os sons do batuque e os ritmos melancólicos do blue
Ó negro esfarrapado do Harlem ó dançarino de Chicago ó negro servidor do South
Ó negro de África
negros de todo o mundo
eu junto ao vosso canto a minha pobre voz os meus humildes ritmos.
Eu vos acompanho pelas emaranhadas áfricas do nosso Rumo
Eu vos sinto negros de todo o mundo eu vivo a vossa Dor meus irmãos.
(A renúncia impossível) Mussunda amigo
Para aqui estou eu Mussunda amigo Para aqui estou eu
Contigo Com a firme vitória da tua alegria e da tua consciência
O ió kalunga ua mu bangele! O ió kalunga ua mu bangele-lé-leleé...
Lembras-te?
Da tristeza daqueles tempos em que íamos comprar mangas e lastimar o destino das mulheres da Funda dos nossos cantos de lamento dos nossos desesperos e das nuvens dos nossos olhos Lembras-te?
Para aqui estou eu Mussunda amigo
A vida a ti a devo à mesma dedicação ao mesmo amor com que me salvaste do abraço da jibóia
à tua força que transforma os destinos dos homens
A ti Mussunda amigo a ti devo a vida
E escrevo versos que não entendes compreendes a minha angústia?
Para aqui estou eu Mussunda amigo escrevendo versos que tu não entendes
Não era isto o que nós queríamos, bem sei
Mas no espírito e na inteligência nós somos!
Nós somos Mussunda amigo Nós somos
Inseparáveis e caminhando ainda para o nosso sonho
No meu caminho e no teu caminho os corações batem ritmos de noites fogueirentas os pés dançam sobre palcos de místicas tropicais Os sons não se apagam dos ouvidos
O ió kalunga ua mu bangele...
Nós somos!
(Sagrada esperança)
Contratados
Longa fila de carregadores domina a estrada com os passos rápidos
Largos meses os separam dos seus e vão cheios de saudades e de receio mas cantam
Fatigados esgotados de trabalhos mas cantam
Cheios de injustiças calados no imo das suas almas e cantam
Com gritos de protesto mergulhados nas lágrimas do coração e cantam
Lá vão perdem-se na distncia na distncia se perdem os seus cantos tristes
Ah! eles cantam...
(Sagrada esperança)
Aspiração
Ainda o meu canto dolente e a minha tristeza no Congo, na Geórgia, no Amazonas
Ainda o meu sonho de batuque em noites de luar
ainda os meus braços ainda os meus olhos ainda os meus gritos
Ainda o dorso vergastado o coração abandonado a alma entregue à fé ainda a dúvida
E sobre os meus cantos os meus sonhos os meus olhos os meus gritos sobre o meu mundo isolado o tempo parado
Ainda o meu espírito ainda o quissange a marimba a viola o saxofone ainda os meus ritmos de ritual orgíaco
Ainda a minha vida oferecida à Vida ainda o meu desejo
Ainda o meu sonho o meu grito o meu braço a sustentar o meu Querer
E nas sanzalas nas casas no subúrbios das cidades para lá das linhas nos recantos escuros das casas ricas onde os negros murmuram: ainda
O meu desejo transformado em força inspirando as consciências desesperadas.
(Sagrada esperança)
Poesia Africana
Lá no horizonte o fogo e as silhuetas escuras dos imbondeiros de braços erguidos No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas
Poesia africana
Na estrada a fila de carregadores bailundos gemendo sob o peso da crueira No quarto a mulatinha dos olhos meigos retocando o rosto com rouge e pó de arroz A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas Na cama o homem insone pensando em comprar garfos e facas para comer à mesa
No céu o reflexo do fogo e as silhuetas dos negros batucando de braços erguidos No ar a melodia quente das marimbas
Poesia africana
E na estrada os carregadores no quarto a mulatinha na cama o homem insone
Os braseiros consumindo consumindo a terra quente dos horizontes em fogo.
(No reino de Caliban II - antologia panormica de poesia africana de ex- pressão portuguesa) Fogo e ritmo
Sons de grilhetas nas estradas cantos de pássaros sob a verdura úmida das florestas frescura na sinfonia adocicada dos coqueirais fogo fogo no capim fogo sobre o quente das chapas do Cayatte. Caminhos largos cheios de gente cheios de gente em êxodo de toda a parte caminhos largos para os horizontes fechados mas caminhos caminhos abertos por cima da impossibilidade dos braços. Fogueiras dança tamtam ritmo
Ritmo na luz ritmo na cor ritmo no movimento ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços ritmo nas unhas descarnadas Mas ritmo ritmo.
Ó vozes dolorosas de África!
(Sagrada esperança) Fire and rhythm The sound of chains on the roads the songs of birds under the humid greenery of the forest freshness in the smooth symphony of the palm trees fire fire on the grass fire on the heat of the Cayatte plains Wide paths full of people full of people an exodus from everywhere wide paths to closed horizons but paths paths open atop the impossibility of arm fire dance tum tum rhythm
Rhythm in light rhythm in color rhythm in movement rhythm in the bloody cracks of bare feerhythm on torn nails yet rhythm rhythm
Oh painful African voices
(Sacred hope) kinaxixi
Gostava de estar sentado num banco do kinaxixi às seis horas duma tarde muito quente e ficar... Alguém viria talvez sentar-se sentar-se ao meu lado E veria as faces negras da gente a subir a calçada vagarosamente exprimindo ausência no kimbundu mestiço das conversas Veria os passos fatigados dos servos de pais também servos buscando aqui amor ali glória além uma embriagues em cada álcool Nem felicidade nem ódio Depois do sol posto acenderiam as luzes e eu iria sem rumo a pensar que a nossa vida é simples afinal demasiado simples para quem está cansado e precisa de marchar.
(Sagrada esperança)
Noite
Eu vivo nos bairros escuros do mundo sem luz nem vida.
Vou pelas ruas às apalpadelas encostado aos meus informes sonhos tropeçando na escravidão ao meu desejo de ser.
São bairros de escravos mundos de miséria bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram e os homens se confundiram com as coisas.
Ando aos trambolhões pelas ruas sem luz desconhecidas pejadas de mística e terror de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.
(Sagrada esperança)
Noche yo vivo en los barrios oscuros del mundo sin luz ni vida.
voy por las calles a tientas apoyado en mis informes sueños tropezando con la esclavitud a mi deseo de ser.
barrios oscuros mundos de miseria donde las voluntades se diluyeron con las cosas.
ando a los tropezones por las calles sin luz desconocidas impregnadas de mística y terror del brazo con fantasmas.
también la noche es oscura.
(Sagrada esperanza) Consciencialização
Medo no ar!
Em cada esquina sentinelas vigilantes incendeiam olhares em cada casa se substituem apressadamente os fechos velhos das portas e em cada consciência fervilha o temor de se ouvir a si mesma
A historia está a ser contada de novo
Medo no ar!
Acontece que eu homem humilde ainda mais humilde na pele negra me regresso África para mim com os olhos secos.
(Sagrada esperança)
Civilização ocidental
Latas pregadas em paus fixados na terra fazem a casa
Os farrapos completam a paisagem íntima
O sol atravessando as frestas acorda o seu habitante
Depois as doze horas de trabalho Escravo
Britar pedra acarretar pedra britar pedra acarretar pedra ao sol à chuva britar pedra acarretar pedra
A velhice vem cedo
Uma esteira nas noites escuras basta para ele morrer grato e de fome.
(Sagrada esperança)
Adeus à hora da largada
Minha Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) tu me ensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis
Mas a vida matou em mim essa mística esperança
Eu já não espero sou aquele por quem se espera
Sou eu minha Mãe a esperança somos nós os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida
Hoje somos as crianças nuas das sanzalas do mato os garotos sem escola a jogar a bola de trapos nos areais ao meio-dia somos nós mesmos os contratados a queimar vidas nos cafezais os homens negros ignorantes que devem respeitar o homem branco e temer o rico somos os teus filhos dos bairros de pretos além aonde não chega a luz elétrica os homens bêbedos a cair abandonados ao ritmo dum batuque de morte teus filhos com fome com sede com vergonha de te chamarmos Mãe com medo de atravessar as ruas com medo dos homens nós mesmos
Amanhã entoaremos hinos à liberdade quando comemorarmos a data da abolição desta escravatura
Nós vamos em busca de luz os teus filhos Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) Vão em busca de vida.
"Ó negro esfarrapado do Harlem / ó dançarino de Chicago / ó negro servidor do South / Ó negro de África / negros de todo o mundo / eu junto ao vosso canto / a minha pobre voz / os meus humildes ritmos."
Poemas: Quitandeira Voz de sangue Mussunda amigo Contratados Aspiração Poesia africana Fogo e ritmo Kinaxixi Noite Consciencialização Civilização ocidental Adeus à hora da largada
Nasceu em Catete, Angola, em 1922, faleceu em 1979. Estudos primários e secundários em Angola, licenciado em Medicina pela Universidade de Lisboa. Em Portugal, sempre esteve ligado à actividade política, onde com Lúcio Lara e Orlando de Albuquerque fundou a revista Momento, em 1950. Como aconteceu a outros escritores africanos foi preso e desterrado para Cabo Verde, tendo mais tarde conseguido a fuga para o continente. Presidente do MPLA, foi o primeiro presidente de Angola.
Obra Poética: Quatro Poemas de Agostinho Neto, 1957, Póvoa do Varzim, e.a.;
Poemas, 1961, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império;
Sagrada Esperança, 1974, Lisboa, Sá da Costa (inclui os poemas dos dois primeiros livros);
A Renúncia Impossível, 1982, Luanda, INALD (edição póstuma).
A quitanda. Muito sol e a quitandeira à sombra da mulemba.
- Laranja, minha senhora, laranjinha boa!
A luz brinca na cidade o seu quente jogo de claros e escuros e a vida brinca em corações aflitos o jogo da cabra-cega.
A quitandeira que vende fruta vende-se.
- Minha senhora laranja, laranjinha boa!
Compra laranja doces compra-me também o amargo desta tortura da vida sem vida.
Compra-me a infncia do espírito este botão de rosa que não abriu princípio impelido ainda para um início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos com que chorava eu já não choro.
E aí vão as minhas esperanças como foi o sangue dos meus filhos amassado no pó das estradas enterrado nas roças e o meu suor embebido nos fios de algodão que me cobrem.
Como o esforço foi oferecido à segurança das máquinas à beleza das ruas asfaltadas de prédios de vários andares à comodidade de senhores ricos à alegria dispersa por cidades e eu me fui confundindo com os próprios problemas da existência.
Aí vão as laranjas como eu me ofereci ao álcool para me anestesiar e me entreguei às religiões para me insensibilizar e me atordoei para viver.
Tudo tenho dado.
Até mesmo a minha dor e a poesia dos meus seios nus entreguei-as aos poetas.
Agora vendo-me eu própria. - Compra laranjas minha senhora! Leva-me para as quitandas da Vida o meu preço é único: - sangue.
Talvez vendendo-me eu me possua.
- Compra laranjas!
(Sagrada esperança)
Voz do sangue
Palpitam-me os sons do batuque e os ritmos melancólicos do blue
Ó negro esfarrapado do Harlem ó dançarino de Chicago ó negro servidor do South
Ó negro de África
negros de todo o mundo
eu junto ao vosso canto a minha pobre voz os meus humildes ritmos.
Eu vos acompanho pelas emaranhadas áfricas do nosso Rumo
Eu vos sinto negros de todo o mundo eu vivo a vossa Dor meus irmãos.
(A renúncia impossível) Mussunda amigo
Para aqui estou eu Mussunda amigo Para aqui estou eu
Contigo Com a firme vitória da tua alegria e da tua consciência
O ió kalunga ua mu bangele! O ió kalunga ua mu bangele-lé-leleé...
Lembras-te?
Da tristeza daqueles tempos em que íamos comprar mangas e lastimar o destino das mulheres da Funda dos nossos cantos de lamento dos nossos desesperos e das nuvens dos nossos olhos Lembras-te?
Para aqui estou eu Mussunda amigo
A vida a ti a devo à mesma dedicação ao mesmo amor com que me salvaste do abraço da jibóia
à tua força que transforma os destinos dos homens
A ti Mussunda amigo a ti devo a vida
E escrevo versos que não entendes compreendes a minha angústia?
Para aqui estou eu Mussunda amigo escrevendo versos que tu não entendes
Não era isto o que nós queríamos, bem sei
Mas no espírito e na inteligência nós somos!
Nós somos Mussunda amigo Nós somos
Inseparáveis e caminhando ainda para o nosso sonho
No meu caminho e no teu caminho os corações batem ritmos de noites fogueirentas os pés dançam sobre palcos de místicas tropicais Os sons não se apagam dos ouvidos
O ió kalunga ua mu bangele...
Nós somos!
(Sagrada esperança)
Contratados
Longa fila de carregadores domina a estrada com os passos rápidos
Largos meses os separam dos seus e vão cheios de saudades e de receio mas cantam
Fatigados esgotados de trabalhos mas cantam
Cheios de injustiças calados no imo das suas almas e cantam
Com gritos de protesto mergulhados nas lágrimas do coração e cantam
Lá vão perdem-se na distncia na distncia se perdem os seus cantos tristes
Ah! eles cantam...
(Sagrada esperança)
Aspiração
Ainda o meu canto dolente e a minha tristeza no Congo, na Geórgia, no Amazonas
Ainda o meu sonho de batuque em noites de luar
ainda os meus braços ainda os meus olhos ainda os meus gritos
Ainda o dorso vergastado o coração abandonado a alma entregue à fé ainda a dúvida
E sobre os meus cantos os meus sonhos os meus olhos os meus gritos sobre o meu mundo isolado o tempo parado
Ainda o meu espírito ainda o quissange a marimba a viola o saxofone ainda os meus ritmos de ritual orgíaco
Ainda a minha vida oferecida à Vida ainda o meu desejo
Ainda o meu sonho o meu grito o meu braço a sustentar o meu Querer
E nas sanzalas nas casas no subúrbios das cidades para lá das linhas nos recantos escuros das casas ricas onde os negros murmuram: ainda
O meu desejo transformado em força inspirando as consciências desesperadas.
(Sagrada esperança)
Poesia Africana
Lá no horizonte o fogo e as silhuetas escuras dos imbondeiros de braços erguidos No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas
Poesia africana
Na estrada a fila de carregadores bailundos gemendo sob o peso da crueira No quarto a mulatinha dos olhos meigos retocando o rosto com rouge e pó de arroz A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas Na cama o homem insone pensando em comprar garfos e facas para comer à mesa
No céu o reflexo do fogo e as silhuetas dos negros batucando de braços erguidos No ar a melodia quente das marimbas
Poesia africana
E na estrada os carregadores no quarto a mulatinha na cama o homem insone
Os braseiros consumindo consumindo a terra quente dos horizontes em fogo.
(No reino de Caliban II - antologia panormica de poesia africana de ex- pressão portuguesa) Fogo e ritmo
Sons de grilhetas nas estradas cantos de pássaros sob a verdura úmida das florestas frescura na sinfonia adocicada dos coqueirais fogo fogo no capim fogo sobre o quente das chapas do Cayatte. Caminhos largos cheios de gente cheios de gente em êxodo de toda a parte caminhos largos para os horizontes fechados mas caminhos caminhos abertos por cima da impossibilidade dos braços. Fogueiras dança tamtam ritmo
Ritmo na luz ritmo na cor ritmo no movimento ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços ritmo nas unhas descarnadas Mas ritmo ritmo.
Ó vozes dolorosas de África!
(Sagrada esperança) Fire and rhythm The sound of chains on the roads the songs of birds under the humid greenery of the forest freshness in the smooth symphony of the palm trees fire fire on the grass fire on the heat of the Cayatte plains Wide paths full of people full of people an exodus from everywhere wide paths to closed horizons but paths paths open atop the impossibility of arm fire dance tum tum rhythm
Rhythm in light rhythm in color rhythm in movement rhythm in the bloody cracks of bare feerhythm on torn nails yet rhythm rhythm
Oh painful African voices
(Sacred hope) kinaxixi
Gostava de estar sentado num banco do kinaxixi às seis horas duma tarde muito quente e ficar... Alguém viria talvez sentar-se sentar-se ao meu lado E veria as faces negras da gente a subir a calçada vagarosamente exprimindo ausência no kimbundu mestiço das conversas Veria os passos fatigados dos servos de pais também servos buscando aqui amor ali glória além uma embriagues em cada álcool Nem felicidade nem ódio Depois do sol posto acenderiam as luzes e eu iria sem rumo a pensar que a nossa vida é simples afinal demasiado simples para quem está cansado e precisa de marchar.
(Sagrada esperança)
Noite
Eu vivo nos bairros escuros do mundo sem luz nem vida.
Vou pelas ruas às apalpadelas encostado aos meus informes sonhos tropeçando na escravidão ao meu desejo de ser.
São bairros de escravos mundos de miséria bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram e os homens se confundiram com as coisas.
Ando aos trambolhões pelas ruas sem luz desconhecidas pejadas de mística e terror de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.
(Sagrada esperança)
Noche yo vivo en los barrios oscuros del mundo sin luz ni vida.
voy por las calles a tientas apoyado en mis informes sueños tropezando con la esclavitud a mi deseo de ser.
barrios oscuros mundos de miseria donde las voluntades se diluyeron con las cosas.
ando a los tropezones por las calles sin luz desconocidas impregnadas de mística y terror del brazo con fantasmas.
también la noche es oscura.
(Sagrada esperanza) Consciencialização
Medo no ar!
Em cada esquina sentinelas vigilantes incendeiam olhares em cada casa se substituem apressadamente os fechos velhos das portas e em cada consciência fervilha o temor de se ouvir a si mesma
A historia está a ser contada de novo
Medo no ar!
Acontece que eu homem humilde ainda mais humilde na pele negra me regresso África para mim com os olhos secos.
(Sagrada esperança)
Civilização ocidental
Latas pregadas em paus fixados na terra fazem a casa
Os farrapos completam a paisagem íntima
O sol atravessando as frestas acorda o seu habitante
Depois as doze horas de trabalho Escravo
Britar pedra acarretar pedra britar pedra acarretar pedra ao sol à chuva britar pedra acarretar pedra
A velhice vem cedo
Uma esteira nas noites escuras basta para ele morrer grato e de fome.
(Sagrada esperança)
Adeus à hora da largada
Minha Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) tu me ensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis
Mas a vida matou em mim essa mística esperança
Eu já não espero sou aquele por quem se espera
Sou eu minha Mãe a esperança somos nós os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida
Hoje somos as crianças nuas das sanzalas do mato os garotos sem escola a jogar a bola de trapos nos areais ao meio-dia somos nós mesmos os contratados a queimar vidas nos cafezais os homens negros ignorantes que devem respeitar o homem branco e temer o rico somos os teus filhos dos bairros de pretos além aonde não chega a luz elétrica os homens bêbedos a cair abandonados ao ritmo dum batuque de morte teus filhos com fome com sede com vergonha de te chamarmos Mãe com medo de atravessar as ruas com medo dos homens nós mesmos
Amanhã entoaremos hinos à liberdade quando comemorarmos a data da abolição desta escravatura
Nós vamos em busca de luz os teus filhos Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) Vão em busca de vida.
MURMÚRIO - CECÍLIA MEIRELLES. Traze-me um pouco das sombras serenas que as nuvens transportam por cima do dia! Um pouco de sombra, apenas, - vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares que a noite sustenta no teu coração! A alvura, apenas, dos ares: - Vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança, aroma perdido, saudade da flor! - Vê que nem digo - esperança! - Vê que nem sequer sonho - amor!
The face of all the world is changed, I think, Since first I heard the footsteps of thy soul Move still, oh, still, beside me, as they stole Betwixt me and the dreadful outer brink
Of obvious death, where I, who thought to sink, Was caught up into love, and taught the whole Of life in a new rhythm. The cup of dole God gave for baptism, I am fain to drink,
And praise its sweetness, Sweet, with thee anear. The names of country, heaven, are changed away For where thou art or shall be, there or here;
And this . . . this lute and song . . . loved yesterday, (The singing angels know) are only dear Because thy name moves right in what they say.
Erguendo o cálix que o Xerez perfuma. Loura a trança alastrando-lhe os joelhos, Dentes níveos em lábios tão vermelhos, Como boiando em purpurina escuma;
Um dorso de Valquíria... alvo de bruma, Pequenos pés sob infantis artelhos, Olhos vivos, tão vivos, como espelhos, Mas como eles também sem chama alguma;
Garganta de um palor alabastrino, Que harmonias e músicas respira... No lábio - um beijo... no beijar - um hino;
Harpa eólia a esperar que o vento a fira, - Um pedaço de mármore divino... - É o retrato de Bárbara - a Hetaira.
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendos E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e cetim… É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente… É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!
(Florbela Espanca, «Charneca em Flor», in «Poesia Completa»)
*** AMOR *** Poema de Luís de Camóes Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?
*** Soneto do amor total *** - Poema de Vinícius de Moraes
Amo-te tanto meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade.
Amo-te enfim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude.
Vem! no teu peito cálido e brilhante O nardo oriental melhor transpira! Enrola-te na longa cachemira, Como as judias moles do Levante,
Alva a clmide aos ventos - roçagante... Túmido o lábio, onde o saltério gira... Ó musa de Israel! pega da lira... Canta os martírios de teu povo errante!
Mas não... brisa da pátria além revoa, E ao delamber-lhe o braço de alabastro, Falou-lhe de partir... e parte... e voa. . .
Qual nas algas marinhas desce um astro... Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa... Só me resta um perfume... um canto... um rastro...