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Plenilunio
Desmaia o plenilúnio. A gaze pálida Que lhe serve de alvíssimo sudário Respira essências raras, toda a cálida Mística essência desse alampadário.
E a lua é como um pálido sacrário, Onde as almas das virgens em crisálida De seios alvos e de fronte pálida, Derramam a urna dum perfume vário.
Voga a lua na etérea imensidade! Ela, eterna noctmbula do Amor, Eu, noctmbulo da Dor e da Saudade.
Ah! como a branca e merencórea lua, Também envolta num sudário - a Dor, Minhalma triste pelos céus flutua!
Augusto dos Anjos
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Os Doentes
Como uma cascavel que se enroscava A cidade dos lázaros dormia... Somente, na metrópole vazia, Minha cabeça autônoma pensava!
Mordia-me a obsessão má de que havia, Sob os meus pés, na terra onde eu pisava, Um fígado doente que sangrava E uma garganta de órfã que gemia!
Tentava compreender com as conceptivas Funções do encéfalo as substncias vivas Que nem Spencer, nem Haeckei compreenderam. . .
E via em mim, coberto de desgraças, O resultado de biliões de raças Que há muitos anos desapareceram!
Augusto dos Anjos
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Volúpia imortal
Cuidas que o genesíaco prazer, Fome do átomo e eurítmico transporte De todas as moléculas, aborte Na hora em que a nossa carne apodrecer?!
Não! Essa luz radial, em que arde o Ser, Para a perpetuação da Espécie forte, Tragicamente, ainda depois da morte, Dentro dos ossos, continua a arder!
Surdos destarte a apóstrofes e brados, Os nossos esqueletos descamados, Em convulsivas contorções sensuais,
Haurindo o gás sulfídrico das covas, Com essa volúpia das ossadas novas Hão de ainda se apertar cada vez mais!
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O lupanar
Ah! Por que monstruosíssimo motivo Prenderam para sempre, nesta rede, Dentro do ngulo diedro da parede, A alma do homem polígamo e lascivo?! Este lugar, moços do mundo, vêde: É o grande bebedouro colectivo, Onde os bandalhos, como um gado vivo, Todas as noites, vêm matar a sede! É o afrodístico leito do hetairismo, A antecmara lúbrica do abismo, Em que é mister que o gênero humano entre, Quando a promiscuidade aterradora Matar a última força geradora E comer o último óvulo do ventre!
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Vencedor
Toma as espadas rútilas, guerreiro, E á rutilncia das espadas, toma A adaga de aço, o gládio de aço, e doma Meu coração - estranho carniceiro!
Não podes?! Chama então presto o primeiro E o mais possante gladiador de Roma. E qual mais pronto, e qual mais presto assoma, Nenhum pode domar o prisioneiro.
Meu coração triunfava nas arenas. Veio depois de um domador de hienas E outro mais, e, por fim, veio um atleta,
Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem... E não pude domá-lo, enfim, ninguém, Que ninguém doma um coração de poeta!
Augusto dos Anjos | |
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Ao Luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta A luz do luar, pelos caminhos quedos Minha tactil intensidade é tanta Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
Quebro a custódia dos sentidos tredos E a minha mão, dona, por fim, de quanta Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos, Todas as coisas íntimas suplanta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado, Nos paroxismos da hiperestesia, O Infinitésimo e o Indeterminado...
Transponho ousadamente o átomo rude E, transmudado em rutilncia fria, Encho o Espaço com a minha plenitude!
Augusto dos Anjos
Beijos
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A ESPERANçA
A Esperança não murcha, ela não cansa, Também como ela não sucumbe a Crença. Vão-se sonhos nas asas da Descrença, Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa; No entanto o mundo é uma ilusão completa, E não é a Esperança por sentença Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito, Sirva-te a crença de fanal bendito, Salve-te a glória no futuro - avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento, Também espero o fim do meu tormento, Na voz da morte a me bradar: descansa!
Augusto dos Anjos
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Inefável (Augusto dos Anjos) Nada há que me domine e que me vença Quando a minha alma mudamente acorda... Ela rebenta em flor, ela transborda Nos alvoroços da emoção imensa. Sou como um Réu de celestial sentença, Condenado do Amor, que se recorda Do Amor e sempre no Silêncio borda De estrelas todo o céu em que erra e pensa.
Claros, meus olhos tornam-se mais claros E tudo vejo dos encantos raros E de outras mais serenas madrugadas!
Todas as vozes que procuro e chamo Ouço-as dentro de mim porque eu as amo Na minha alma volteando arrebatadas
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Solitário
Como um fantasma que se refugia Na solidão da natureza morta, Por trás dos ermos túmulos, um dia, Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia Não era esse que a carne nos conforta Cortava assim como em carniçaria O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça! E eu saí, como quem tudo repele, - Velho caixão a carregar destroços -
Levando apenas na tumbas carcaça O pergaminho singular da pele E o chocalho fatídico dos ossos!
Augusto dos Anjos | | | |
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Mater Originalis
Forma vermicular desconhecida Que estacionaste, mísera e mofina, Como quase impalpável gelatina, Nos estados prodrômicos da vida;
O hierofante que leu a minha sina Ignorante é de que és, talvez, nascida Dessa homogeneidade indefinida Que o insigne Herbert Spencer nos ensina.
Nenhuma ignota união ou nenhum nexo A contingência orgnica do sexo A tua estacionária alma prendeu...
Ah! de ti foi que, autônoma e sem normas, Oh! Mãe original das outras formas, A minha forma lúgubre nasceu!
Augusto dos Anjos | | |
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A árvore da serra (Augusto dos Anjos) - As árvores, meu filho, não têm alma! E esta árvore me serve de empecilho... É preciso cortá-la, pois, meu filho, Para que eu tenha uma velhice mais calma!
- Meu pai, por que sua ira não se acalma?! Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! Deus pôs almas nos cedros... no junquilho... Esta árvore, meu pai, possui minh’alma!...
- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa: "Não mate a árvore, pai, para que eu viva!" E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco, O moço triste se abraçou com o tronco E nunca mais se levantou da terra.
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Budismo Moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e... corte Minha singularíssima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Também, das diatomáceas da lagoa A criptógama cápsula se esbroa Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida Igualmente a uma célula caída Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades Fique batendo nas perpétuas grades Do último verso que eu fizer no mundo!
Augusto dos Anjos
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Psicologia de um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilncia Sofro, desde a epigênese da infncia, A influência má dos signos do zodíaco
Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnncia. Sobe-me à boca uma nsia análoga à nsia Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas - Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los E há de deixar-me apenas os cabelos Na frialdade inorgnica da terra!
(Augusto dos Anjos)
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Augusto dos Anjos
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A dança da psiquê
A dança dos encéfalos acesos Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços As cabeças, as mãos, os pés e os braços Tombara, cedendo à ação de ignotos pesos!
É então que a vaga dos instintos presos — Mãe de esterilidades e cansaços — Atira os pensamentos mais devassos Contra os ossos cranianos indefesos.
Subitamente a cerebral coréa Pára. O cosmos sintético da Idéa Surge. Emoções extraordinárias sinto...
Arranco do meu crnio as nebulosas. E acho um feixe de forças prodigiosas Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!
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Sonho de um Monista
Eu e o esqueleto esquálido de Esquilo Viajávamos, com urna nsia sibarita, Por toda a pró-dinmica infinita, Na inconsciência de um zoófito tranqüilo.
A verdade espantosa do Protilo Me aterrava, mas dentro da alma aflita Via Deus - essa mônada esquisita - Coordenando e animando tudo aquilo!
E eu bendizia, com o esqueleto ao lado, Na guturalidade do meu brado, Alheio ao velho cálculo dos dias,
Como um pagão no altar de Proserpina, A energia intracósmica divina Que é o pai e é a mãe das outras energias!
Augusto dos Anjos | | | | |
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