|
|
Cantar de Amigo
à beira do rio fui dançar... Dançando
Me estava entretendo,
Muito a sós comigo,
Quando na outra margem, como se escondendo
Para que eu não visse que me estava olhando,
Por entre os salgueiros vi o meu amigo.
Vi o meu amigo cujos olhos tristes
Certo se alegravam
De me ver dançar.
Fui largando as roupas que me embaraçavam,
Fui soltando as tranças...Olhos que me vistes,
Doces olhos tristes, não no ireis contar!
Que o amor é lume bem eu o sei...que logo
Que vi meu amigo
Por entre os salgueiros,
Melhor eu dançava, já não só comigo
Toda num quebranto, ao mesmo tempo em fogo,
Melhor eu movia mãos e pés ligeiros.
Que Deus me perdoe, que aos seus olhos tristes
Assim ofertava
Minha formosura!
Se não fora o rio que nos separava,
Cruel com nós ambos, olhos que me vistes,
Nem eu me amostrara tão de mim segura...
José Régio
| | | | | | | | | | | | | | | |
|
|
Cntico negro
"Vem por aqui!" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Qundo me dizem: "Vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é essa:
Criar desumanidade,
Não acompamhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.
Não! não vou por aí! Só vou por onde
me levam meus próprios passos...
Se às coisas que eu pergunto (em vão) ninguém responde,
Porque me dizeis vós: "Vem por aqui?"
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se eu vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada. O mais que eu faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil...
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes livros, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha loucura:
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cnticos nos lábios!
Deus e o Diabo é que me guiam.Mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe:
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah! que ninguém me dê piedosas intenções.
Ninguém me peça definições.
Ninguém me diga: "Vem por aqui!"
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou.
Não sei para onde vou.
- Sei que não vou por aí!
JOSÉ RÉGIO
|
|
| | | | | | | | | | | |
|
|
Primer
Anterior
2 a 3 de 3
Siguiente
Último
|
|
|
Canção da Primavera
Eu, dar flor, já não dou. Mas vós, ó flores, pois que maio chegou, Revesti-o de clmides de cores! Que eu, dar flor, já não dou.
Eu, cantar já não canto. Mas vós, aves, Acordai desse azul,calado há tanto, As infinitas naves! Que eu, cantar, já não canto.
Eu, invernos e outonos recalcados Regelaram meu ser neste arripio... Aquece tu, ó sol, jardins e prados! Que eu, é de mim o frio.
Eu, Maio, já não tenho. Mas tu, Maio, Vem, com tua paixão, Prostrar a terra em cálido desmaio! Que eu, ter Maio, já não.
Que eu, dar flor, já não dou; cantar,não canto; Ter sol, não tenho; e amar... Mas, se não amo, Como é que, Maio em flor, te chamo tanto, E não por mim assim te chamo?
José Régio
| | | | | | | | | |
|
|
Quando eu nasci
Quando eu nasci, ficou tudo como estava, Nem homens cortaram veias, nem o Sol escureceu, nem houve Estrelas a mais... Somente, esquecida das dores, a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci, não houve nada de novo senão eu.
As nuvens não se espantaram, não enlouqueceu ninguém...
Pra que o dia fosse enorme, bastava toda a ternura que olhava nos olhos de minha Mãe...
José Régio
| | | | | | | | | | | | |
|
|
Testamento do poeta
Todo esse vosso esforço é vão, amigos: Não sou dos que se aceita... a não ser mortos. Demais, já desisti de quaisquer portos; Não peço a vossa esmola de mendigos.
O mesmo vos direi, sonhos antigos De amor! olhos nos meus outrora absortos! Corpos já hoje inchados, velhos, tortos, Que fostes o melhor dos meus pascigos!
E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje Que tudo e todos vejo reduzidos, E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.
Para reaver, porém, todo o Universo, E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!.... Basta-me o gesto de contar um verso.
José Régio | | | | | | | | | | |
|
|
Poema do silencio
Sim, foi por mim que gritei. Declamei, Atirei frases em volta. Cego de angústia e de revolta.
Foi em meu nome que fiz, A carvão, a sangue, a giz, Sátiras e epigramas nas paredes Que não vi serem necessárias e vós vedes.
Foi quando compreendi Que nada me dariam do infinito que pedi, -Que ergui mais alto o meu grito E pedi mais infinito!
Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas, Eis a razão das épi trági-cómicas empresas Que, sem rumo, Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...
O que buscava Era, como qualquer, ter o que desejava. Febres de Mais. nsias de Altura e Abismo, Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.
Que só por me ser vedado Sair deste meu ser formal e condenado, Erigi contra os céus o meu imenso Engano De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!
Senhor meu Deus em que não creio! Nu a teus pés, abro o meu seio Procurei fugir de mim, Mas sei que sou meu exclusivo fim.
Sofro, assim, pelo que sou, Sofro por este chão que aos pés se me pegou, Sofro por não poder fugir. Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!
Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação! (Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...) Senhor dá-me o poder de estar calado, Quieto, maniatado, iluminado.
Se os gestos e as palavras que sonhei, Nunca os usei nem usarei, Se nada do que levo a efeito vale, Que eu me não mova! que eu não fale!
Ah! também sei que, trabalhando só por mim, Era por um de nós. E assim, Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade, Lutava um homem pela humanidade.
Mas o meu sonho megalómano é maior Do que a própria imensa dor De compreender como é egoísta A minha máxima conquista...
Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros, E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á, E sobre mim de novo descerá...
Sim, descerá da tua mão compadecida, Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida. E uma terra sem flor e uma pedra sem nome Saciarão a minha fome.
José Régio
| | | | | | | | | | | |
|
|
|
Soneto de Amor
Não me peças palavras, nem baladas, Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio, Deixa cair as pálpebras pesadas, E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio, Nossas línguas se busquem, desvairadas... E que os meus flancos nus vibrem no enleio Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua..., - unidos, Nós trocaremos beijos e gemidos, Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois... - abre os teus olhos, minha amada! Enterra-os bem nos meus; não digas nada... Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
José Régio
Fonte:secrel.com.br |
|
|
|
|