Soneto da Separação Vinícius de Moraes De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.
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«« A casa »»
Era uma casa Muito engraçada Não tinha teto Não tinha nada Ninguém podia Entrar nela não Porque na casa Não tinha chão Ninguém podia Dormir na rede Porque a casa Não tinha parede Ninguém podia Fazer pipi Porque penico Não tinha ali Mas era feita Com muito esmero Na Rua dos Bobos Número Zero.
in Poesia completa e prosa: "Poemas infantis"
«« A bomba atômica »»
Deusa, visão dos céus que me domina ...tu que és mulher e nada mais! (Deusa, valsa carioca.)
I
Dos céus descendo Meu Deus eu vejo De pára-quedas? Uma coisa branca Como uma fôrma De estatuária Talvez a fôrma Do homem primitivo A costela branca! Talvez um seio Despregado à lua Talvez o anjo Tutelar cadente Talvez a Vênus Nua, de clmide Talvez a inversa Branca pirmide Do pensamento Talvez o troço De uma coluna Da eternidade Apaixonado Não sei indago Dizem-me todos É A BOMBA ATôMICA.
Vem-me uma angústia.
Quisera tanto Por um momento Tê-la em meus braços A coma ao vento Descendo nua Pelos espaços Descendo branca Branca e serena Como um espasmo Fria e corrupta Do longo sêmen Da Via Láctea Deusa impoluta O sexo abrupto Cubo de prata Mulher ao cubo Caindo aos súcubos Intemerata Carne tão rija De hormônios vivos Exacerbada Que o simples toque Pode rompê-la Em cada átomo Numa explosão Milhões de vezes Maior que a força Contida no ato Ou que a energia Que expulsa o feto Na hora do parto.
II
A bomba atômica é triste Coisa mais triste não há Quando cai, cai sem vontade Vem caindo devagar Tão devagar vem caindo Que dá tempo a um passarinho De pousar nela e voar... Coitada da bomba atômica Que não gosta de matar!
Coitada da bomba atômica Que não gosta de matar Mas que ao matar mata tudo Animal e vegetal Que mata a vida da terra E mata a vida do ar Mas que também mata a guerra… Bomba atômica que aterra! Pomba atônita da paz!
Pomba tonta, bomba atômica Tristeza, consolação Flor puríssima do urnio Desabrochada no chão Da cor pálida do helium E odor de rádium fatal Lœlia mineral carnívora Radiosa rosa radical.
Nunca mais, oh bomba atômica Nunca, em tempo algum, jamais Seja preciso que mates Onde houve morte demais: Fique apenas tua imagem Aterradora miragem Sobre as grandes catedrais: Guarda de uma nova era Arcanjo insigne da paz!
III
Bomba atômica, eu te amo! és pequenina E branca como a estrela vespertina E por branca eu te amo, e por donzela De dois milhões mais bélica e mais bela Que a donzela de Orleans; eu te amo, deusa Atroz, visão dos céus que me domina Da cabeleira loura de platina E das formas aerodivinais – Que és mulher, que és mulher e nada mais! Eu te amo, bomba atômica, que trazes Numa dança de fogo, envolta em gazes A desagregação tremenda que espedaça A matéria em energias materiais! Oh energia, eu te amo, igual à massa Pelo quadrado da velocidade Da luz! alta e violenta potestade Serena! Meu amor, desce do espaço Vem dormir, vem dormir no meu regaço Para te proteger eu me encouraço De canções e de estrofes magistrais! Para te defender, levanto o braço Paro as radiações espaciais Uno-me aos líderes e aos bardos, uno-me Ao povo, ao mar e ao céu brado o teu nome Para te defender, matéria dura Que és mais linda, mais límpida e mais pura Que a estrela matutina! Oh bomba atômica Que emoção não me dá ver-te suspensa Sobre a massa que vive e se condensa Sob a luz! Anjo meu, fora preciso Matar, com tua graça e teu sorriso Para vencer? Tua enérgica poesia Fora preciso, oh deslembrada e fria Para a paz? Tua fragílima epiderme Em cromáticas brancas de cristais Rompendo? Oh átomo, oh neutrônio, oh germe Da união que liberta da miséria! Oh vida palpitando na matéria Oh energia que és o que não eras Quando o primeiro átomo incriado Fecundou o silêncio das Esferas: Um olhar de perdão para o passado Uma anunciação de primaveras!
Aquarela
Vinicius de Moraes Composição: Toquinho / Vinicius de Moraes / G.Morra / M.Fabrizio Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu Vai voando, contornando a imensa curva Norte e Sul
Vou com ela viajando Havaí, Pequim ou Istambul Pinto um barco a vela branco navegando, é tanto céu e mar num beijo azul
Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo e se a gente quiser ele vai pousar
Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida De uma América a outra consigo passar num segundo Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo
Um menino caminha e caminhando chega no muro e ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar Vamos todos numa linda passarela de uma aquarela que um dia enfim Descolorirá
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo (que descolorirá) e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo (que descolorirá) Giro um simples compasso e num círculo eu faço o
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