YOLANDA MARAZZO
Yolanda Marazzo Lopes da Silva, poeta e escritora de língua portuguesa, nasceu em São Vicente, Cabo Verde, África, em 1926. Deixou Angola em 1975 na sequência da descolonização e reside hoje em Lisboa. • Colaborou na Claridade, Cabo Verde.
BARCOS
"Nha terra é quel piquinino É São Vicente é que di meu"
Nas praias Da minha infncia Morrem barcos Desmantelados.
Fantasmas De pescadores Contrabandistas Desaparecidos Em qualquer vaga Nem eu sei onde.
E eu sou a mesma Tenho dez anos Brinco na areia Empunho os remos... Canto e sorrio... A embarcação Para o mar! É para o mar!...
E o pobre barco O barco triste Cansado e frio Não se moveu...
CONTRASTE
A minha alma trema em tuas mãos debruçada na varanda desta tarde
Silêncio da cor em teus contornos o adeus do mar dentro de mim
Para além do ilhéu dos pássaros da ilha o sol morre aos poucos devagar
A minha alma treme em tuas mãos debruçada na varanda desta tarde
Vejo os barcos ao longe na baía as lanchas negras dos trabalhadores a torre da capitania ao lusco-fusco
Lentamente uma a uma na cidade vão acendendo as luzes da cidade
Na fábrica de bolacha do Matos na padaria do Jonas depois
Só no cemitério ao lado é tudo escuro...
Branqueiam ainda as campas dos mortos e os nomes vou ler à hora do sol mas agora fazem medo à minha infncia
Em casa dos meus vizinho perto nh´ugénia de Sena e nhã Nê Grande acenderam os candeeiros de petróleo
(Cambambe, 1969)
DERROCADA
A asa de um morcego transparente e no canto um olho descaído de pestanas longas espreitando o ácido viscoso da loucura escorrendo pelos telhados do mundo
Viajante incansável do pasmo no silêncio das órbitas vagabundas dos mares-mortos delírio-espasmo do cansaço mole das brisas vazias que do nada se afirmam nas florestas do ódio de gigantes e anões liliputianos
Blocos monolíticos tristes quedos imagens-desespero cancerosos miasmas-visco cobras moribundas agonizando em convulsões de magma lanças setas envenenadas dirigidas ao coração das virgens e crianças
Sombra parda pálida acutilante teu vulto de insônia transparente bóia nas trevas flutuantes da noite dos espiões pelas estradas das feras que matam as ovelhas e apunhalam pastores no caminho
Sombra feroz invernal medonha destroços e cadáveres pútridos sugando o seio das madonas e acalentando monstros nas cavernas pelas horas taciturnas do medo dos teus passos.
(Luanda, 1977)
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