Cecília Meireles.
Até Quando
Terás,
Minha Alma, esta Doçura
Até quando terás,
minha alma, esta doçura, este dom de sofrer,
este poder de amar,
a força de estar sempre –
insegura – segura como a flecha que segue
a trajetória obscura, fiel ao seu movimento,
exata em seu lugar...?
Monólogo
Para onde vão minhas palavras, se já não me escutas? Para onde iriam, quando me escutavas? E quando me escutaste? - Nunca.
Perdido, perdido. Ai, tudo foi perdido! Eu e tu perdemos tudo. Suplicávamos o infinito. Só nos deram o mundo.
De um lado das águas, de um lado da morte, tua sede brilhou nas águas escuras. E hoje, que barca te socorre? Que deus te abraça? Com que deus lutas?
Eu, nas sombras. Eu, pelas sombras, com as minhas perguntas. Para quê? Para quê? Rodas tontas, em campos de areias longas e de nuvens muitas.
Cecília Meireles
Minha esperança
Cecília Meireles
perdeu seu nome... Fechei meu sonho, para chamá-la. A tristeza transfigurou-me como o luar que entra numa sala.
O último passo do destino parará sem forma funesta, e a noite oscilará como um dourado sino derramando flores de festa.
Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando atrás das lembranças ardentes.
Sonhos da Menina
A flor com que a menina sonha está no sonho? ou na fronha?
Sonho risonho:
O vento sozinho no seu carrinho.
De que tamanho seria o rebanho?
A vizinha apanha a sombrinhav de teia de aranha...
Na lua há um ninho de passarinho.
A lua com que a menina sonha é o linho do sonho ou a lua da fronha?
Cecília Meirelles
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Meu Sonho
Parei as águas do meu sonho para teu rosto se mirar. Mas só a sombra dos meus olhos ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada não têm coragem de cantar, vendo o meu sonho interminável e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra, perto do céu, por sobre o mar. Se não chegas nem pelo sonho, por que insisto em te imaginar ?
Quando vierem fechar meus olhos, talvez não se deixem fechar. Talvez pensem que o tempo volta, e que vens, se o tempo voltar.
(Cecília Meireles)
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Amanheceu
Cecília Meireles
Pela terra um vento de estranha sombra, que a tudo declarou guerra.
Paredes ficaram tortas, animais enlouqueceram e as plantas caíram mortas.
O pálido mar tão branco levantava e desfazia um verde-lívido flanco.
E pelo céu, tresmalhadas, iam nuvens sem destino, em fantásticas brigadas.
Dos linhos claros da areia fez o vento retorcidas, rotas, miseráveis teias.
Que sopro de ondas estranhas! Que sopro nos cemitérios! pelos campos e montanhas!
Que sopro forte e profundo! Que sopro de acabamento! Que sopro de fim de mundo!
Da varanda do colégio, do pátio do sanatório, miravam tal sortilégio
olhos quietos de meninos, com esperanças humanas e com terrores divinos.
A tardinha serenada foi dormindo, foi dormindo, despedaçada e calada.
Só numa ruiva amendoeira uma cigarra de bronze, por brio de cantadeira
girava em esquecimento à sanha enorme do vento, forjando o seu movimento num grave cntico lento...
DESCRIçãO
Cecília Meireles
Amanheceu pela terra um vento de estranha sombra, que a tudo declarou guerra.
Paredes ficaram tortas, animais enlouqueceram e as plantas caíram mortas.
O pálido mar tão branco levantava e desfazia um verde-lívido flanco.
E pelo céu, tresmalhadas, iam nuvens sem destino, em fantásticas brigadas.
Dos linhos claros da areia fez o vento retorcidas, rotas, miseráveis teias.
Que sopro de ondas estranhas! Que sopro nos cemitérios! pelos campos e montanhas!
Que sopro forte e profundo! Que sopro de acabamento! Que sopro de fim de mundo!
Da varanda do colégio, do pátio do sanatório, miravam tal sortilégio
olhos quietos de meninos, com esperanças humanas e com terrores divinos.
A tardinha serenada foi dormindo, foi dormindo, despedaçada e calada.
Só numa ruiva amendoeira uma cigarra de bronze, por brio de cantadeira
girava em esquecimento à sanha enorme do vento, forjando o seu movimento num grave cntico lento...
Canção do Amor-Perfeito
Cecília Meireles
O tempo seca a beleza. seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas.
O tempo seca a saudade, seca as lembranças e as lágrimas. Deixa algum retrato, apenas, vagando seco e vazio como estas conchas das praias.
O tempo seca o desejo e suas velhas batalhas. Seca o frágil arabesco, vestígio do musgo humano, na densa turfa mortuária.
Esperarei pelo tempo com suas conquistas áridas. Esperarei que te seque, não na terra, Amor-Perfeito, num tempo depois das almas.
Meu sonho num navio
Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; depois abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre dos meus dedos colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da água vai morrendo meu sonho dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso, para fazer com que o mar cresça, e o meu navio chegue ao fundo e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito: praia lisa, águas ordenadas, meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas.
(Cecília Meireles)
Cecília Meireles
E aqui estou, cantando.
Um poeta é sempre irmão do vento e da água: deixa seu ritmo por onde passa.
Venho de longe e vou para longe: mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes andaram.
Também procurei no céu a indicação de uma trajetória, mas houve sempre muitas nuvens. E suicidaram-se os operários de Babel.
Pois aqui estou, cantando.
Se eu nem sei onde estou, como posso esperar que algum ouvido me escute?
Ah! Se eu nem sei quem sou, como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
Cecília Meireles
Minhas palavras
são a metade de um diálogo obscuro continuando através de séculos impossíveis.
Agora compreendo o sentido e a ressonncia que também trazes de tão longe em tua voz.
Nossas perguntas e resposta se reconhecem como os olhos dentro dos espelhos.
Olhos que choraram. Conversamos dos dois extremos da noite, como de praias opostas. Mas com uma voz que não se importa...
E um mar de estrelas se balança entre o meu pensamento e o teu. Mas um mar sem viagens.
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Monólogo
Para onde vão minhas palavras, se já não me escutas? Para onde iriam, quando me escutavas? E quando me escutaste? - Nunca.
Perdido, perdido. Ai, tudo foi perdido! Eu e tu perdemos tudo. Suplicávamos o infinito. Só nos deram o mundo.
De um lado das águas, de um lado da morte, tua sede brilhou nas águas escuras. E hoje, que barca te socorre? Que deus te abraça? Com que deus lutas?
Eu, nas sombras. Eu, pelas sombras, com as minhas perguntas. Para quê? Para quê? Rodas tontas, em campos de areias longas e de nuvens muitas.
Cecília Meireles
Cecília Meireles
De um lado,
a eterna estrela, E do outro a vaga incerta,
meu pé dançando pela extremidade da espuma, e meu cabelo por uma planície de luz deserta.
Sempre assim: de um lado, estandartes do vento... --- do outro, sepulcros fechados. E eu me partindo, dentro de mim, para estar no mesmo momento de ambos os lados.
Se existe a tua Figura, se és o Sentido do Mundo, deixo-me, fujo por ti, nunca mais quero ser minha !
(Mas, neste espelho, no fundo desta fria luz marinha, como dois baços peixes, nadam meus olhos à minha procura ... Ando contigo --- e sozinha. Vivo longe --- e acham-me aqui ...)
Fazedor da minha vida, não me deixes ! Entende a minha canção ! Tem pena do meu murmúrio reúne-me em tua mão !
Que eu sou gota de mercúrio dividida desmanchada pelo chão ...
Este é o Lenço
Cecília Meireles
Este é o lenço de Marília, pelas suas mãos lavrado, nem a ouro nem a prata, somente a ponto cruzado. Este é o lenço de Marília para o Amado.
Em cada ponta, um raminho, preso num laço encarnado; no meio, um cesto de flores, por dois pombos transportado. Não flores de amor-perfeito, mas de malogrado!
Este é o lenço de Marília: bem vereis que está manchado: será do tempo perdido? será do tempo passado? Pela ferrugem das horas? ou por molhado em águas de algum arroio singularmente salgado?
Finos azuis e vermelhos do largo lenço quadrado, - quem pintou nuvens tão negras neste pano delicado, sem dó de flores e de asas nem do seu recado?
Este é o lenço de Marília, por vento de amor mandado. Para viver de suspiros foi pela sorte fadado: breves suspiros de amante, - longos, de degredado!
Este é o lenço de Marília nele vereis retratado o destino dos amores por um lenço atravessado: que o lenço para os adeuses e o pranto foi inventado.
Olhai os ramos de flores de cada lado! E os tristes pombos, no meio, com o seu cestinho parado sobre o tempo, sobre as nuvens do mau fado!
Onde está Marília, a bela? E Dirceu, com a lira e o gado? As altas montanhas duras, letra a letra, têm contado sua história aos ternos rios, que em ouro a têm soletrado... E as fontes de longe miram as janelas do sobrado.
Este é o lenço de Marília para o Amado.
Eis o que resta dos sonhos: um lenço deixado.
Pombos e flores, presentes. Mas o resto, arrebatado.
Caiu a folha das árvores, muita chuva tem gastado pedras onde houvera lágrimas. Tudo está mudado.
Este é o lenço de Marília como foi bordado. Só nuvens, só muitas nuvens vêm pousando, têm pousado entre os desenhos tão finos de azul e encarnado. Conta já século e meio de guardado.
Que amores como este lenço têm durado, se este mesmo está durando? mais que o amor representado?
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Nadador
Cecília Meireles
O que me encanta é a linha alada das tuas espáduas, e a curva que descreves, pássaro da água!
É a tua fina, ágil cintura, e esse adeus da tua garganta para cemitérios de espuma!
É a despedida, que me encanta, quando te desprendes ao vento, fiel à queda, rápida e branda
E apenas por estar prevendo, longe, na eternidade da água, sobreviver teu movimento...
Vôo
Cecília Meireles
Alheias e nossas as palavras voam. Bando de borboletas multicores, as palavras voam Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas, as palavras voam. Viam as palavras como águias imensas. Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as palavras voam. E às vezes pousam.
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